Déjà vu...
25/04/12 16:29Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro
“Muito mais do que enxergar a China como uma oportunidade ou ameaça, temos de ver a China como uma realidade. A China está aí, na nossa frente, com uma economia pujante, uma classe empresarial agressiva, uma força de trabalho laboriosa, criativa e disciplinada e uma tecnocracia estatal eficiente, com um claro plano de desenvolvimento e motivada a levar o país para uma posição de destaque em todos os quesitos que possam caracterizar a evolução econômica e social de uma nação.
É melhor discutir como se adaptar a essa realidade, pois não importa o que venhamos fazer em relação à China: não alterará a marcha dos acontecimentos. Ela faz parte da dinâmica global e a ela temos de nos adaptar, tirando proveito dessa dinâmica em nosso favor onde for possível. Além de impactos negativos, o crescimento chinês também tem trazidos benefícios a muitos países produtores de commodities, cujos preços reverteram a tendência secular de queda em decorrência do crescimento da demanda chinesa.
O crescimento chinês também beneficiou as classes menos favorecidas desses países ao tornar acessíveis bens de consumo industrializados a preços muito competitivos. A China está promovendo ampla distribuição de renda só comparável com o período da Revolução Industrial e o desenvolvimento do Estado de bem estar social após a Segunda Grande Guerra. O impacto do fenômeno chinês via comércio tem representado uma ajuda maior aos países menos desenvolvidos que todos os programas de ajuda implantados pelas nações mais desenvolvidas nas últimas décadas.
É claro que o fenômeno chinês, caracterizado pela transformação de uma economia rural de subsistência em uma economia urbana industrializada com 1,3 bilhões de habitantes, não poderia ocorrer sem impactos profundos, numa perspectiva de curto e médio prazo.
O impacto do crescimento chinês nos mercados globais pode ser resumido numa frase muito simples: é bom vender para os chineses, é bom comprar dos chineses, mas é difícil competir com os chineses! Como alguém já disse, se você está em um ramo da indústria onde os chineses também estão presentes, é melhor mudar de ramo! Mas outro alguém já disse que os chineses estão presentes hoje em quase todos os ramos industriais da economia moderna. Portanto, mudar de ramos pode não ser a solução!
E como estamos falando da China, não podemos nos esquecer dos ensinamentos do Camarada Mao no clássico revolucionário “Teoria de Mao para Guerrilhas”: para acabar com o fuzil, temos que pegar no fuzil! Como país, o Brasil precisa se reinventar e buscar emular um pouco do modelo chinês, investindo pesado na infraestrutura e procurando exportar o que for competitivo _não importa se produtos manufaturados, básicos ou commodities.
Para as empresas brasileiras do setor industrial, é preciso procurar espaços que sempre existem no mercado local, investindo em marketing, na distribuição e na adaptação dos produtos ao gosto, ao clima e à cultura dos brasileiros. E aproveitar também a China como fornecedor de componentes, procurando tirar proveito da competitividade desses componentes. Integrar a indústria local à indústria chinesa pode trazer para cá parte da competitividade deles.
O que não pode é ficar se lamentando e gastando tempo fazendo lobby por barreiras protecionistas. A solução para o problema de competitividade da indústria brasileira contra os chineses passa também por Brasília, mas não é somente isso. Nosso empresariado precisa gastar mais tempo no chão de fábrica, buscando aumentar a sua eficiência e a sua produtividade e gastar menos tempo fazendo lobby em Brasília.
Quanto à economia chinesa, no longo prazo, como ocorreu com outras economias de forte viés exportador, o crescimento dos salários e do mercado interno e a valorização da moeda irão certamente arrefecer sua presente alta competitividade.
Já o Brasil, como país, tem uma grande lição de casa a fazer. A baixa competitividade da indústria brasileira perante a indústria chinesa está associada à baixa eficiência do Estado brasileiro, que retira em impostos muito mais do que devolve à sociedade. Estados também competem entre si, e o Estado chinês tem se revelado mais competitivo que o nosso.”
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O texto acima foi escrito em 2007, como parte de uma coletânea de artigos de empresários e executivos brasileiros transformados em livro e tendo como pano de fundo a emergência da China como potência industrial e seus impactos no Brasil.
Cinco anos depois, o texto ainda parece muito atual na descrição da força e dos impactos do fenômeno chinês em nossa economia, preocupantemente inalterado no que se refere à capacidade de competição de nossa indústria.
De lá para cá, eu diria que a situação se deteriorou ainda mais no que se refere ao setor industrial brasileiro, pois, além da carga tributária e carência de infraestrutura, tivemos também a valorização acentuada de nossa moeda.
Enquanto a China neste período assumiu a primeira posição mundial como nação industrial e como exportadora e a segunda posição em tamanho da economia, o Brasil também evoluiu muito, ultrapassando o Reino Unido e se tornando a sexta maior economia mundial, apesar da queda de participação da indústria na economia brasileira.
O ponto positivo é que o Brasil pode continuar crescendo e se desenvolvendo com elevado nível de emprego independentemente da perda de competitividade do seu setor industrial. O ponto negativo é que não fomos capazes de reverter a tendência declinante do setor industrial na nossa economia, apesar de todas as declarações e das boas intenções reveladas pelos nossos governantes.
A competitividade do setor industrial em países de industrialização tardia como o Brasil requer planejamento, continuidade e políticas de longo prazo que envolvam vários governos e até gerações. No caso chinês, podemos ver claramente essa continuidade, com foco nas vantagens comparativas do país, no desenvolvimento das grandes cidades litorâneas, na exportação e na construção da infraestrutura.
Como foi mencionado no texto acima, o desenvolvimento da economia chinesa levaria a mudanças nos fatores de competitividade de sua economia. O forte crescimento dos salários e a valorização do câmbio vêm alterando bastante a fonte de sua competitividade.
Mas a economia chinesa vem respondendo bem a esse desafio por meio do enobrecimento constante de sua pauta de exportações. Começando com a manufatura leve, como vestuário, calçados e todo tipo de quinquilharia, evoluiu rapidamente para o setor eletroeletrônico, bens de consumo duráveis e hoje cresce de forma acentuada na manufatura de automóveis e de equipamentos industriais leves e pesados.
O conteúdo tecnológico nas exportações chinesas vem crescendo sistematicamente, apesar da desvalorização cambial e do crescimento dos salários. A China lidera as exportações mundiais, mas seu mercado interno em crescimento tem se revelado uma nova fonte de competitividade e atração de capital. Ford, Volkswagen, Mercedes e BMW acabam de anunciar investimentos bilionários na China voltados muito mais para seu mercado interno do que para as exportações.
O crescimento baseado nas grandes cidades litorâneas arrefece, mas a interiorização do crescimento é cada vez mais presente e com uma industrialização mais voltada para o mercado interno e para manufaturas de exportação de alto componente tecnológico e menos intensiva em materiais que podem ser exportadas por avião e colocadas em mercados distantes apenas algumas horas após serem produzidas. Isso graças à extraordinária infraestrutura aeroportuária construída pela China.
Durante minhas andanças pelo interior da China, sempre me perguntei sobre a razão dos enormes aeroportos construídos em muitas de suas cidades interioranas e praticamente às moscas! Hoje, esses aeroportos permitem a muitas indústrias de manufatura leve, mas com alto conteúdo tecnológico mudarem seu foco para o mercado interno, manter suas exportações e ainda acessar mão de obra mais barata graças a esses “elefantes brancos!”.
A China parece uma fonte inesgotável de competitividade surpreendendo a cada momento com soluções inovadoras e uma criatividade empresarial invejável.
Por isso, entendo que o texto acima permanece muito atual. O Estado brasileiro tem muito a fazer para aumentar a sua eficiência, reduzir a carga tributária e melhorar nossa infraestrutura. Sempre que esses escândalos de má utilização dos recursos públicos ocorrem, lembro que isso faz parte do “custo Brasil” e afeta a competitividade dos nossos produtos. Não sei se todos têm essa consciência. Como tudo na vida e, principalmente, na economia, não existe almoço grátis, alguém sempre paga a conta!
Mas também não cabe só ao governo e ao Estado resolver o problema de competitividade do Brasil. Cabe à nossa classe empresarial inovar e usar sua criatividade e seu “instinto animal”, como bem mencionou a presidenta Dilma para ajudar nesse esforço de competitividade.
E para muitos empresários que, em conluio com políticos inescrupulosos, assaltam os cofres públicos, fica o desafio de ajudar na causa da competitividade sistêmica da economia brasileira. Ao fazer isso, eles nos ajudariam duas vezes: uma vez ao não subtrair recursos públicos de forma ilícita permitindo reduzir nossa elevada carga tributária. A outra, ao usarem sua extraordinária criatividade e seu “instinto animal” para causas mais produtivas, aumentando a competitividade da nossa economia.
Desvios e desmandos existem em todas as sociedades. Nosso problema é a quantidade e a forma como convivemos com isso. Ao colocar o tema da competitividade, a má utilização dos recursos públicos e o papel da sociedade como um todo não podem ser ignorados!
Acho que ja passou da hora de ficarmos choramingando feito bebes johnson, e ir comecarmos a trabalhar de verdade !
Alem de “enobrecer” a nossa pauta de exportacoes seria necessario enobrecer a qualidade das nossas liderancas, das nossas instituicoes, da Educacao, etc, etc…
O clientelismo, o protecionismo e a corrupcao estao emburrecendo o Brasil. Uma pena…
Parabens pelo artigo!
Prezado José Carlos Martins :
“gastar menos tempo fazendo lobby em Brasília”
o problema é que esse lobby está mais voltado para defender barreiras comerciais e conseguir crédito barato através do BNDES do que “lutar” por reformas : tributária, trabalhista, previdenciária etc…
Abs.
a mesma choradeira e ladainha de sempre …
Caros João e Lucas, é a nossa tradição lusitana, os súditos pleiteam e o rei concede. É mais fácil batalhar uma concessão do que lutar pela produtividade. Enquanto isso os chineses correm atrás…