É necessário reviver o “Massacre de Nanquim”?
20/05/12 12:03Por Eric Vanden Bussche, de Nanquim
Em 13 de dezembro de 1937, tropas japonesas invadiram Nanquim, então a capital da China republicana, deixando um rastro de destruição. Nas seis semanas que se seguiram, dezenas de milhares de mulheres foram estupradas e, segundo estimativas dos chineses, até 300 mil civis perderam as suas vidas.
Os chineses atualmente comparam esse episódio ao Holocausto. Para manter viva a memória das atrocidades, o governo ergueu o “Memorial das Vítimas do Massacre de Nanquim pelos Invasores Japoneses” numa vala onde soldados japoneses despejaram mais de uma dezena de milhares de corpos.
Trata-se de um monumento macabro. Construído em 1985 e ampliado na década passada, uma rápida passagem pelo local é suficiente para deixar qualquer um deprimido. Mesmo assim, milhares de turistas chineses visitam o local a cada ano.
O memorial _que ocupa uma área de aproximadamente 28 mil metros quadrados_ faz o possível para recriar o ambiente vivenciado pelas vítimas. Na entrada, os visitantes são saudados por uma estátua gigantesca de uma mulher desesperada segurando o corpo de uma criança morta. É possível passear pela vala com os esqueletos dos mortos, ao som de uma música ambiente mais apropriada para um filme de terror. Uma exibição histórica, completa com efeitos multimídia e documentários, mostra detalhadamente o sofrimento dos habitantes da cidade nas mão dos japoneses. Alguns relatos dos sobreviventes são de embrulhar o estômago. Uma idosa conta que só escapou porque conseguiu se esconder debaixo dos corpos mutilados de seus familiares.
A memória desse episódio serve para alimentar o crescente sentimento antijaponês entre a população e se tornou um espinho nas relações entre ambos os países. Entretanto a hostilidade chinesa ao Japão é um fenômeno recente que teve início apenas nos anos 1980.
Durante a era maoísta (1949-1976), o sentimento antijaponês ainda não havia contagiado a população chinesa. Poucos sabiam das atrocidades cometidas pelos japoneses, pois os livros didáticos não entravam em detalhes sobre o assunto. A memória dos horrores da invasão japonesa se encontrava viva apenas entre as comunidades que a haviam testemunhado.
Quando a China e o Japão reestabeleceram relações em 1972, o então primeiro-ministro chinês, Zhou Enlai, se esforçou para que a história não interferisse no estreitamento dos laços entre ambos os países. Pragmático, Zhou enxergava os ganhos econômicos e geopolíticos de uma aliança com o Japão e por isso achava melhor enterrar o passado. Ele também não insistiu na reivindicação chinesa pelas ilhas Diaoyu (conhecida como Senkaku pelos japoneses), cuja soberania era e continua sendo disputada com o Japão. Aliás, até o final da década de 1980, ambos os países extraíam petróleo nas proximidades das ilhas, sempre tomando cuidado para deixar a disputa política de lado.
Mas a situação mudou com a ascensão de Deng Xiaoping ao poder no final dos anos 70. Deng decidiu reverter os esforços de Zhou e abrir novamente as feridas históricas da ocupação japonesa. Essa mudança, porém, não foi ocasionada por um redirecionamento dos eixos da política externa do país, mas por disputas dentro do Partido Comunista Chinês (PCC).
Assim que tomou as rédeas do poder, Deng percebeu a necessidade de formular uma nova ideologia que permitiria obter apoio para as transformações em curso no país. Deng precisava apaziguar as facções conservadores contrárias às reformas econômicas e a resistência de certos setores da sociedade que passaram a sofrer com a alta da inflação e do desemprego. Foi nesse contexto que o nacionalismo passou a substituir a ideologia marxista da era maoísta.
A história se tornou um poderoso instrumento na difusão do nacionalismo. Todos os chineses passaram a aprender que a derrota do império Qing para os ingleses na Guerra do Ópio (1839-1842) marcara o início da Idade Moderna. O conflito inaugurara o “Século de Humilhação,” marcado pela agressão estrangeira. Durante esse período, a China assistira ao colapso de sua última dinastia imperial e a partilha de seu território por potências imperialistas européias e o Japão.
De acordo com essa narrativa histórica, o país apenas recuperou a sua soberania com a revolução comunista de 1949 e, a partir da abertura econômica no final dos anos 70, passou a trilhar um caminho sob a liderança do PCC que permitiria a sua ascensão como potência mundial. Trata-se da essência da ideologia nacionalista propagada pelo Estado chinês.
Embora a China tenha sofrido nas mãos dos imperialistas europeus durante o “Século de Humilhação”, o Japão aparece como o maior vilão da história por dois motivos. Primeiro, as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial ainda estão frescas na cabeça dos chineses que viveram naquele período e foram amplamente documentadas, facilitando a construção de uma memória coletiva sobre o episódio. Segundo, ambos são potências que competem no âmbito regional. A disputa pela soberania das ilhas Diaoyu é apenas uma das várias questões espinhosas nas complexas relação bilaterais.
Nesse sentido, o memorial de Nanquim é um símbolo dessa nova ideologia nacionalista chinesa. Se por um lado essa narrativa histórica permitiu ao PCC fomentar o patriotismo (aiguozhuyi) entre a sua população, por outro produziu efeitos colaterais. O aumento do sentimento antijaponês entre a população pode forçar Pequim a ter de adotar uma posição mais agressiva do que gostaria em relação a Tóquio. Talvez esteja na hora de o governo se perguntar se exagerou um pouco na dose durante o processo de construção de uma memória coletiva do “Massacre de Nanquim.”
Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.
Fico contente em ver que muitos do forum tem conhecimento e ate com profundidade sobre o assunto, pois eu so ouvia a historia contada por meu avos e parentes idosos que testemunharam as cenas, so para citar, ate o embaixador germanico ficou chocado com o genocidio e resolveu abrigar ao maximo as possiveis vitimas na embaixada.
Parabens a todos.
Esse memorial não foi concebido com o propósito de despertar ódio aos japoneses ou o espírito nacionalista. Ele serve como a espada de Dâmocles para os chineses.
O fato é que os japoneses não estão ajudando no processo de harmonização. Eles nunca pediram desculpas para a China formalmente, todos seus primeiros ministros visitaram o santuário de Yasukuni apesar dos protestos e para piorar, distorceram fatos em seus livros didáticos, colocando-os como vítimas quando não foram e negando as atrocidades que cometeram.
Considerando essas atitudes, nenhum chinês em são consciência baixaria a guarda para os japoneses. E o memorial serve para esse lembrete.
A bestialidade produzida pelos japoneses em Naquim não tem paralelo nem nos campos de concentração nazistas. A matéria não revela os detalhes da tamanha atrocidade praticada contra crianças, mulheres, velhos e homens de todas as idades, que chegou até a chocar os alemães. É de embrulhar o estômago ver as fotos dessa inimaginável crueldade praticada pelos soldados japoneses.
A China tem todo o direito de perpetuar na memória da Humanidade essa brutalidade sem limites praticada pelo Japão.
Algum tempo atrás, o premiê Wen Jiabao deu uma declaração muito interessante, tentando apaziguar os ânimos exaltados dos chineses por ocasião de um evento esportivo entre China e Japão. Ele disse que os chineses não deveriam deixar o passado influenciar o presente, e sim desenvolver uma relação amistosa com os japoneses. Que essa relação era muito importante para o progresso dos dois países e que o governo chines não apoiava essas manifestações agressivas dos chineses em relação aos japoneses. Concluiu dizendo que a China apoiaria as relações amistosas entre os dois povos, “mas não nos peçam para perder nossa memória”. Acho que essa declaração reflete muito bem o pragmatismo chinês em suas relações diplomáticas com o Japão. Amizade, sim; esquecer, jamais!
Obviamente que a chama da memória deve ser mantida acesa, mesmo porque o esquecimento poderá facilitar que o epsódio se repita. Entretanto, para o bem do próprio povo chinês é necessário que o governo central procure a forma de curar as feridas e acalmar eventuais ânimos nacionalistas antes que alimentá-los. Boas relações com o Japão trará bons lucros para a China e Chu Enlai previu isso. Vide as boas e lucrativas relações entre a Alemanha e países como Polônia, Hungria, França e Israel entre outros.
A historia da segunda guerra mundial quando em 1937 o japao invadia a china mostra que as relações entre esses dois paises continua com atritos diplomaticos pela hegemonia do mar da china. mas os chineses so tem que recordar esse genocidio niponico e nada poder fazer para reparar a historia.Não é a toa que os EUA tem base nas ilhas do japao justamente pelos motivos historicos, ja que o japao não pode ter forças armadas.
A decisão de se relembrar ou não um evento como este e com qual intensidade fazê-lo cabe aquele que sofreu com ele e que sente ou não a necessidade de mostra-lo para que isto não se repita. Morei durante 3 anos na China e moro a 5 anos na Europa e por aqui ninguém questiona o quanto se fala ou se lembra o Holocausto. Então qual o problema da China fazer o mesmo ? Se alguém ficar espantado com o monumento de Nanquin então sugiro conhecer o campo de concentração de Auschwitz na Polônia, ou o Memorial do Dia D em Caen na França ou o museu do Hocausto em Washington para saber que estamos falamos exatamente da mesma coisa e com a mesma intensidade.
Prezado Carlos,
agradeço as suas colocações. Eu concordo que um evento histórico de tais proporções como o Massacre de Nanquim deve ser lembrado. Entretanto ele deve ser discutido com o objetivo de cicatrizar as feridas e permitir que ambos os países (China e Japão) melhorem as suas relações. Infelizmente, não é isso o que está ocorrendo. Para mim, é preocupante que a memória dessa tragédia esteja sendo utilizada para alimentar um ódio profundo em relação aos japoneses, exacerbando as tensões entre ambos. É preciso mudar a abordagem para que chineses e japoneses possam debater o tema com mais maturidade. Plantar o ódio não resolve nada.
Caro Eric, se a ideia deste memorial for plantar o ódio então certamente esta não foi uma decisão correta, mesmo sabendo que há uma linha muito tênue que separa de um lado a lembrança de uma lição aprendida e de outro o ressurgimento da raiva e do ódio (em Auchiwtz, antes de entrarmos no campo propriamente dito, assistimos a um filme de aproximadamente 20 minutos com o intuito de nos projetarmos aos acontecimentos, mas não pude deixar de ouvir fortes e negativos comentários sobre a nacionalidade daqueles que cometeram aqueles atos. Realmente a linha eh bastante tênue…). Felizmente, na minha curta experiência de China pude ver que os Japoneses são bem vistos pela sua forma extremamente educada de tratar os Chineses (bastante diferente de alguns outros países orientais), mas também vi que este passado do Japão eh algo que causa extremo desconforto aos chineses. Espero que o desejo da China de se firmar como uma grande nação seja muito superior a este equivoco na história japonesa. Um abraço e parabéns pela ótima matéria, que certamente nos faz refletir.
A decisão de se relembrar ou não um evento como este e com qual intensidade fazê-lo cabe aquele que sofreu com ele e que sente ou não a necessidade de mostra-lo para que isto não se repita. Morei durante 3 anos na China e moro a 5 anos na Europa e por aqui ninguém questiona o quanto se fala sobre ou se lembra o Holocausto. Então qual o problema da China fazer o mesmo ? Se alguém ficar espantado com o monumento de Nanquin então sugiro conhecer o campo Auschwitz na Polônia, o Memória do Dia de Caen na França ou mesmo o museu do Hocausto em Wasington para saber que estamos falamos exatamente da mesma coisa.
Não acho que o governo chinês tenha se excedido na dose de um processo de construção de uma memória coletiva. Defendo que o governo chinês assuma o controle de todas as ilhas que estejam em disputa com o Japão; mas não como vingança; como também assuma a direção política de Taiwan. É muito bom que o Japão coloque o rabinho entre as pernas e nem pensem mais em se meter com a China.
Óia.
demorou !
É, como se costuma dizer, quando se trata de guerra, os nipônicos são inclementes !(em termos populares, “quando é pra ser mau, o são com grande intensidade os japas”!