Costurando uma aliança asiática
21/05/12 10:05Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai
Quando a crise de 1997 estourou na Tailândia e na Coreia e ainda se imaginava que poderia ficar restrita a um número pequeno de economias, o Japão lançou a proposta de um fundo regional para socorrer os asiáticos com dificuldades de balanço de pagamentos. A Ásia resolveria intramuros os seus problemas e, com isso, fortaleceria os seus vínculos internos.
A proposta japonesa não decolou. Num período em que os rumos da economia mundial eram embalados pelo entusiasmo da globalização e havia confiança no papel do FMI e da OMC, segmentar a realidade internacional, mesmo que para tratar de uma situação que então se imaginava localizada, parecia uma idéia pouco atraente. Perigosa até, para países como os EUA, que não fariam concessões que resultassem em perda do seu poder de influência. Auxiliados por outros membros do então poderosíssimo G7, os americanos passaram a bombardear a idéia de uma Ásia com soluções próprias. E ganharam facilmente a batalha.
Os asiáticos, no entanto, parecem ter entendido que precisariam fazer mais para ajudar-se mutuamente. Em 1998, a Asean (foro que reúne os dez países do Sudeste Asiático) iniciou um esforço de articulação conjunta com os três vizinhos maiores do norte: Japão, China e Coreia do Sul. Tal esforço consolidou-se com o nome de Asean+3. Em seu âmbito, discutiram-se _e se discutem ainda_ vários projetos, inclusive a proposta japonesa de um mecanismo de apoio financeiro para situações de crise. O mecanismo foi criado em 2000 e é conhecido como iniciativa de Chiang Mai (cidade histórica tailandesa). Envolve hoje recursos da ordem de US$ 240 bilhões.
Passada a crise, recuperada a confiança, em 2005, por sugestão da Malásia, os dez membros da Asean resolveram convidar a China, o Japão e a Coréia para uma nova empreitada. Formar com eles um foro mais amplo de cooperação política e econômica: a chamada Comunidade do Leste da Ásia.
Supostamente a comunidade deveria refletir o nome, isto é, reunir países localizados na Ásia oriental. Mas uma iniciativa de integração numa área estrategicamente tão importante pareceu representar um desafio para a realidade internacional. As pressões de fora foram tantas para que a Comunidade admitisse membros geograficamente distantes, _e as posições de alguns integrantes da Asean tão sensíveis a tais pressões_ que se tornou inevitável abrir as portas. Assim, primeiro ingressou a Austrália, depois a Índia, e, mais recentemente, em novembro de 2011, entraram para a comunidade a Rússia e os Estados Unidos.
Os países da Asean, no entanto, enquanto ampliavam a composição da comunidade, parecem ter deliberadamente decidido esvaziar a sua substância. Passaram a propor agendas focadas em temas menores, de pouca relevância para a região e para o mundo. E, ainda hoje, sete anos depois de instalado o foro, declaram frequentemente que é apenas da Asean+3 a prerrogativa de decidir o rumo dos debates.
No início da semana passada, anunciou-se em Pequim um novo passo de concertação regional no Leste da Ásia. A China, o Japão e a Coréia decidiram começar a discutir um acordo de livre comércio e declararam que, mais adiante, pretendem estender o acordo aos vizinhos do sul.
A Asean já tem acordos individuais de comércio com a China, o Japão e a Coréia. Mas um esforço multilateral, que envolva a um só tempo todo o Leste Asiático, terá peso de muito maior dimensão. Ele se somaria à iniciativa de Chiang Mai e a outras já em estado avançado de debate, como a de criação de um mercado de bônus sem fronteira no Leste Asiático.
É cedo para qualquer avaliação. As conversas sequer se iniciaram. Mas será interessante acompanhar o desenrolar do tema.
O Leste Asiático, como nenhuma outra região, beneficiou-se de uma economia internacional aberta, com fluxos densos de capital e de comércio. Nos próximos dez anos, no entanto, enquanto a Europa e os Estados Unidos estiverem arrumando a casa, o cenário não será tão promissor para as suas exportações. Como a China e vários países ainda têm muito pela frente em termos de aumento do consumo interno, a idéia de uma região mais voltada para dentro faz todo sentido.
Acordos comerciais não são fáceis de formular. Além disso, no longo prazo esbarram em problemas relacionados com o equilíbrio da competitividade dos membros. Tampouco é fácil administrá-los.
Mas o Leste Asiático dará um passo de peso se conseguir, de forma equilibrada, criar uma área de livre circulação de bens e fomentar ainda mais o comércio intra-regional e a integração de investimentos. Esse passo, sim, poderá ter um impacto imprevisível na ordem econômica mundial, sem que qualquer país de fora da região possa pressionar para que ele não se consolide.
Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias.
Quando vou a São Paulo, não deixo de passear pelo bairro da Liberdade, onde japoneses, chineses e coreanos convivem em harmonia.
Chineses, japoneses e coreanos serão mais felizes quando abandonarem rancores, vinganças, desejos de humilhação. A que interesses serve alguém que é contrário à confraternização dos povos?
É interessante notar que o pragmatismo seco, utilitarismo mesmo, dos interesses econômico-financeiros tem papel relevante no diálogo entre as nações da região, tão difícil em algumas outras áreas.
Pequeno registro final: o Japão contribuiu muito no início do processo de modernização chinesa, a partir de meados do final da década de 70, com recursos financeiros e máquinas industriais, na época em que a China se debatia na pobreza generalizada de seu povo.
No futuro próximo, com a ascensão da China, é normal que sejam lançadas luzes para muitos fatos acontecidos no teatro de guerra asiático da II Guerra que, atualmente, por força da influência americana – grande guru econômico-militar do Japão – está deliberadamente na “moita”.
Guardadas as proporções, o Japão passará pelo que passou a Alemanha nas décadas seguintes ao final da II Guerra. Expiando-se (e humilhando-se).