Lippi e a vaidade do esporte chinês
22/05/12 16:57Por Zhou Zhiwei, de Pequim
No dia 17 de abril, o clube de futebol chinês Evergrande, do argentino Darío Conca, anunciou repentinamente que contrataria o técnico italiano Marcello Lippi por três anos. Com o apelido de “Silver Fox” (raposa prateada), Lippi liderou a equipe italiana na vitória da Copa do Mundo de 2006 e o clube Juventus na conquista de cinco Campeonatos Italianos e de uma Liga dos Campeões. Até o carismático José Mourinho, do Real Madrid, não se compara com Silver Fox, pois o português não comandou um time nacional.
No entanto, no ranking de times nacionais feito pela Fifa em abril deste ano, o lugar da China é o 66º, a melhor colocação nos últimos seis anos. Há muito tempo que “sair da Ásia, jogar para o mundo” tem sido o objetivo do futebol chinês. Contudo, desde a fundação do time de futebol masculino, em 1924, a única vez que o time nacional apareceu numa Copa foi em 2002.
Naquele momento, a China ficou em penúltimo lugar entre os 32 times, com três derrotas consecutivas e nove gols sofridos. O Brasil, que ficou no mesmo grupo que o time chinês, mostrou a grande diferença com quatro lindos gols. Resultado: 4 a 0.
Depois de 2002, a seleção masculina não passou mais das eliminatórias asiáticas. Em novembro de 2011, o time chinês perdeu para o time iraquiano, um país em sofrimento pela guerra. O técnico espanhol José Camacho não realizou o seu compromisso de “liderar o time chinês a entrar na Copa do Mundo 2014 no Brasil”, e a China se despediu bem cedo.
Nos últimos 20 anos, a seleção nacional chinesa e os clubes têm contratado técnicos com reputação mundial, como Klaus Schlappner, Bobby Houghton, Bora Milutinovic, Arie Haan, Oscar Tabarez, Muricy Ramalho e Sebastião Lazaroni. No entanto, infelizmente, o futebol chinês virou o “Waterloo” para esses técnicos. Os fãs chineses esperam que o espanhol Camacho e o recém-chegado Lippi sejam a salvação para o futebol chinês, realizando o sonho bonito de “sair da Ásia, jogar para o mundo”. Contudo, segundo levantamentos na internet nestes últimos dias, os fãs chineses não estão positivos com Lippi e a sua “missão chinesa”.
Esta combinação descoordenada entre o técnico estrangeiro de alto nível e a habilidade verdadeira do futebol chinês revela dois fenômenos. O primeiro é que não falta dinheiro. Segundo a mídia chinesa, Camacho ganha R$ 7,3 milhões por ano. Se adicionarmos ainda o salário do assistente de Camacho, o total chega R$ 11,8 milhões.
Como novo técnico do Evergrande, Lippi até ganha mais. Segundo relatos da imprensa, sua comissão técnica ganha aproximadamente R$ 31,4 milhões por ano, dos quais R$ 26,1 milhões só para Lippi. Tal remuneração é comparável à de Mourinho, que está com o salário de técnico mais alto no futebol mundial.
Em termos de salários a técnicos estrangeiros, a China tem batido seu próprio recorde muitas vezes. Mesmo que todos tenham expressado que vieram “não pelo dinheiro, mas para melhorar a habilidade de futebol chinês”, a tentação é o salário que “só existe no paraíso”.
Sobre o objetivo de “melhorar a habilidade do futebol chinês”, isso depende de como os chineses entendem a palavra “melhorar”. Para o futebol chinês, fora dos primeiros 60 do mundo, nem Deus acredita que o time chinês consiga ficar entre os dez primeiros times ou até ganhar a Copa no tempo de um contrato de 2 a 3 anos.
O segundo fenômeno é a vaidade do futebol chinês (até do esporte chinês). O “rei do futebol”, Brasil, venceu cinco vezes a Copa do Mundo. A experiência brasileira explica as relações entre a cultura de futebol e a habilidade de futebol de um país. Num país como a China, que tem 1.3 bilhão de habitantes, só 50 mil jovens chineses se registraram como praticantes de futebol em 2011, um décimo do Japão. A base de jogadores talentosos é fraca.
Na China, não se sente o ambiente de futebol como no Brasil, na Itália, na Alemanha ou na Argentina. A pesada carga de estudos e a pressão para achar trabalho num mercado com competição intensa faz muitos jovens chineses passarem mais tempo nos estudos, em vez de gastar tempo em esporte. Depois de conhecer o “pool” de jogadores talentosos, é fácil entender o motivo pelo qual o futebol chinês não tem feito uma grande diferença com uma base populacional tão grande.
Sendo assim, por que a Associação de Futebol da China não abandona os objetivos irrealistas e aproveita melhor dinheiro dos contribuintes chineses usado para contratar técnicos?Acho que o problema fundamental é que a China espera ser um país forte nos esportes, com um status de esporte compatível com a própria força política, econômica e militar. Contudo muitas pessoas entendem muito bem que o número de medalhas olímpicas não significa um país forte em esporte.
Eu passei um ano no Brasil. Posso dizer que na China, mesmo com o segundo lugar no ranking dos Jogos Olímpicos de Pequim, é menos comum praticar esporte entre os cidadãos em comparação com o Brasil, que ficou apenas em 23º. lugar.
Os Jogos Olímpicos de Londres estão chegando. A propaganda olímpica nas mídias chinesas fica mais intensa. Pode-se prever que a China terá uma “colheita” em termos de número de medalhas olímpicas nos Jogos. Mas o que isso significa?Talvez só para satisfazer a nossa “vaidade de ser um grande país”.
Voltando para o futebol chinês, a escolha de Lippi pode ser uma sorte para Evergrande e para o futebol chinês. O desejo de “melhorar a habilidade de jogar futebol na China” de Camacho e de Lippi deve ser respeitado. Suas ideias avançadas de jogar futebol devem trazer mudanças no futebol chinês. Se eles conseguirem avançar o nível chinês de jogar futebol para o primeiro nível na Ásia, será possível dizer que eles cumpriram a meta e o contrato com salário farto. Mas, para a Associação de Futebol da China, o mais importante atualmente não deveria ser técnicos estrangeiros famosos (espero que a China não vá atrás do Mourinho).
Desejo que a China gaste mais tempo fortalecendo a formação de jogadores talentosos e construa uma cultura esportiva. Só assim o futebol chinês terá um futuro. Não se pode depender de técnicos estrangeiros.
Os técnicos que se frustraram na China encontraram os mesmos problemas, apesar das diferentes formas de ensino. Por isso, Camacho e Lippi possivelmente não conseguirão resolver os problemas não solucionados pelos seus antecessores. Parece que ambos têm uma “missão impossível”. Para eles, concluir o prazo de contrato é o objetivo mais prático.
Tradução de Sun Ningyi.
Zhou Zhiwei é especialista em Brasil do Instituto da América Latina da Academia Chinesa de Ciências Sociais e secretário-geral do Centro de Estudos Brasileiros. Foi pesquisador visitante de relações internacionais na USP e no BRICS Policy Center da PUC-RJ. As suas principais áreas incluem estudo sintético do Brasil, política externa, estratégia internacional do Brasil, relações bilaterais e integração latino-americana. Ele escreve a cada 14 dias.
Ótima análise! É muito bom ler comparações de culturas em que o Brasil não saia sempre perdendo.
Interessante análise
Caro amigo Zhou Zhiwei, gostei bastante desse seu texto, como havia apreciado o texto sobre alimentação na China. Acho que eles aproximam mais o público brasileiro de aspectos interessantes da vida das pessoas na China, sem apelar para exotismos e generalizações, com a complexidade, as contradições e os encantos da vida real.
Já joguei muita bola contra chineses e noto que há alguns bastante habilidosos. Mas o futebol realmente não é um esporte em que dá pra se formar uma equipe específica preparada para vitórias. É como você disse, é preciso um incentivo geral à prática do esporte, à formação de ligas e celeiros espalhados pelo país. A China tem dificuldade em formar equipes vencedoras em esportes coletivos, isso é fato que chama a atenção e você bem notou as exigências profissionais, familiares e sociais, sobre jovens em geral sem irmãos. Isso talvez realmente os afaste da prática de esportes para privilegiarem estudos ou outros trabalhos.
Também seria importante que mais jogadores brasileiros viessem se apresentar na China (são cerca de 40 atualmente), e mesmo times de futebol, como o glorioso Santos Futebol Clube, maior time da história do futebol mundial, que no momento conta com estrelas que deverão carregar o Brasil na Copa do Mundo e ruma para um centenário repleto de títulos.
Por fim, acho que o público chinês merece mais do que os fracos campeonatos inglês, alemão e espanhol que passam na TV. São ricos, mas os jogos são bem ruins, apenas chutões e correria. É incrível, mas aqui não se vê Taça Libertadores nem o campeonato brasileiro. Como justificar isso, sendo que o futebol sul-americano é mais habilidoso e dramático que as maquininhas européias?
Grande abraço