O enigma da China
23/05/12 10:17Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro
No meu artigo anterior, abordei a questão da emergência da China como potência econômica e sua eventual inapetência para exercer um poder hegemônico sobre o mundo, a exemplo de ingleses e americanos. Neste, quero dar continuidade ao mesmo tema tentando inferir e discutir com os leitores a forma como as lideranças chinesas encaram essa questão.
Apesar de uma série de conflitos fronteiriços e da constante desconfiança de seus vizinhos, a China sempre exerceu sua hegemonia imperial sobre seu povo, muito mais do que sobre os países limítrofes ou nações mais distantes. Excetuando o pequeno intervalo republicano entre 1912 e 1937, a China sempre esteve sob um forte poder central, seja das suas várias dinastias de imperadores, a autoridade máxima sob os céus, seja, mais recentemente, sob a onipotência do Partido Comunista.
Basta ler um pouco de sua história para ver isso com nitidez. Um poder central forte e hegemônico internamente e certa passividade em relação ao exterior!
Essa falta de apetite hegemônico não impediu conflitos no passado com japoneses, coreanos, vietnamitas, indianos e até mesmo com antiga União Soviética. Recentemente, vimos algumas altercações e demonstrações de força em relação aos filipinos por questões territoriais.
O Império do Meio sempre se bastou, e suas incursões em relação a seus vizinhos sempre foram justificadas por razões históricas em áreas de litígio ou por razões de defesa. Com um país de dimensões continentais e uma grande população, os chineses jamais tiveram na sua história passada e recente a inspiração para exercer seu poder além de suas fronteiras.
A não ser por um curto período após a Revolução Comunista, quando tentavam exportar a sua ideologia e o seu modelo econômico, os chineses nunca tiveram uma política de estender sua organização social sobre outros países ou mesmo conquistar colônias ou expandir o modo de vida chinês. A geopolítica chinesa se contém em seu território e na sua área de influencia muito mais por questão de defesa do que por belicismo ou ocupação de território de outros.
Muito pelo contrário, foram invadidos e dominados pelos mongóis, pelos ingleses, por outras potências ocidentais e também pelo Japão, logo após a curta experiência republicana que se seguiu à queda da dinastia Qing, em 1912.
A Muralha da China é o maior exemplo da geopolítica chinesa! Foi feita para proteger o país contra invasores e preservar as rotas do comércio da seda e especiarias.
A Inglaterra, um pequeno país com pequena população, usou diretamente seu poderio tecnológico e militar que lhe foi assegurado pela paternidade da Revolução Industrial para abrir mercados e conquistar colônias e consolidar seu poder econômico muito além de suas fronteiras.
Já uma ex-colônia como os Estados Unidos, que ousou desafiar e vencer o colonialismo britânico, veio a utilizar mais recentemente seu poderio econômico, militar e tecnológico de forma indireta e dissuasiva para estender seu sistema econômico e consolidar sua hegemonia e seu meio de vida sobre grande parte da população mundial. Formalmente diferente, fundamentalmente igual!
De certa forma, as hegemonias britânica e americana têm a mesma raiz anglo-saxônica e as mesmas características econômicas, cuja origem se encontra na grande Reforma de Martinho Lutero e Calvino, no século 16. Talvez por essa razão histórica, o império britânico cedeu pacificamente sua hegemonia aos americanos e conviveram até como aliados em grandes enfrentamentos até os dias atuais, incluindo Iraque e Afeganistão.
Quando os alemães por duas vezes questionaram essa hegemonia anglo-saxônica, as duas nações e se alinharam. Posteriormente, quando uma nova potência militar, baseada em nova ideologia e sistema econômico, ousou desafiar o império anglo-saxão, mais uma vez a América e o Reino Unido se aliaram e venceram via corrida armamentista o enfrentamento do novo poder contestador, no caso a extinta União Soviética.
Os chineses são extremamente pragmáticos e têm uma leitura muito atenta da história alicerçada por uma cultura de mais de 5.000 anos.
Do ponto de vista histórico, todos os países que tentaram enfrentar o poder dominante não foram bem-sucedidos. De uma maneira geral, um poder substitui outro mais por exaustão de um do que pela supremacia do outro. Foi assim com o império romano e com o império macedônico como também o foi com o império inglês. Na própria história da China, há muitos casos semelhantes.
Assim, por que desafiar o poder dominante e tentar estabelecer uma hegemonia? Todos que tentaram desafiar o poder hegemônico no auge de sua hegemonia fracassaram, e os chineses não pretendem incorrer nesse erro.
A ascensão econômica é a maior garantia de poder hegemônico, e a China ainda tem muito a caminhar até atingir uma condição de adotar uma política hegemônica mais ativa. Nem alemães nem japoneses nem russos conseguiram isso, pois suas economias não estavam ainda preparadas para enfrentar o poder dominante. A China sabe disso e também sabe esperar!
Modelos econômicos e sociais alternativos como o imperialismo japonês, o nazismo alemão e o comunismo soviético desafiaram o poder hegemônico norte-americano, sem sucesso. Mas o capitalismo americano substituiu e deu continuidade ao imperialismo britânico baseado no mesmo modelo econômico, social e de padrões de consumo.
Se analisarmos atentamente o desenvolvimento chinês, à exceção da questão política e social, ele cada vez se assemelha mais ao americano, seja na pujante economia de mercado seja nos hábitos de consumo cada vez mais ocidentalizados.
A China desde há muito não exporta mais a revolução e nem mesmo ideologia. A não ser pela hegemonia do Partido Comunista internamente, não há exemplos concretos de tentativa dos chineses em exercer sua hegemonia além das suas fronteiras atuais ou daquelas que acreditam lhes pertencer pela história.
Uma nação continental com mais de 9 milhões de km2 de extensão, com mais de um bilhão de habitantes, com uma economia dinâmica e em constante crescimento, os chineses não precisam desafiar o poder estabelecido. É só uma questão de tempo para assumirem essa hegemonia sem precisar desafiar o ainda imbatível poder americano.
A posição de perfil baixo e conciliatória dos chineses é muito mais uma opção baseada no pragmatismo e no conhecimento da história pelas suas lideranças que sabem que não há necessidade de contestação, basta trabalhar internamente para manter o crescimento e deixar o tempo passar para retomar a posição de liderança econômica que a China sempre ostentou até ser vítima do expansionismo hegemônico britânico no século 19. Uma questão de paciência, e nisso os chineses são mestres.
A hegemonia interna do partido dentro das fronteiras chinesas é o que importa. Os chineses somente se verão tentados a exercer sua supremacia externamente se a hegemonia do partido estiver ameaçada internamente.
A construção de uma “sociedade harmoniosa” e mais igualitária sob a liderança do Partido Comunista é a grande prioridade do governo chinês. Para que isso ocorra, é necessário que a economia chinesa continue a crescer e a se desenvolver cada vez mais parecida às economias ocidentais, mas com características “chinesas”. A hegemonia do partido em termos de direção e planejamento é parte central dessas características “chinesas”. Todo o resto pode ser adaptado e reformado à semelhança do poder hegemônico de agora.
Não há nenhuma necessidade de ameaçar outros países na medida em que o acesso dos produtos chineses a outros mercados continuem abertos e que matérias-primas e alimentos continuem chegando à China permitindo seu desenvolvimento e a construção de sua “sociedade harmoniosa” sob direção do Partido Comunista.
Mas o extraordinário crescimento chinês e a emergência do seu poderio econômico acabaram exacerbando preocupações não somente nos seus países vizinhos como em todos os cantos do mundo, com muitos tentando imputar a China culpa pelos seus males internos.
A China está atenta e preocupada com essa tendência e procura de todas as formas minimizar seu sucesso econômico e exaltar os benefícios que seu crescimento trouxe para o mundo. Acredito que a emergência de uma China hegemônica será muito mais consequência de um processo natural da exaustão do modelo de crescimento ocidental do que por uma política hegemônica mais ativa dos chineses.
Em discurso feito em 2009, o virtual novo presidente da China, Xi Jinping, que deverá ser empossado ao final deste ano, se manifestou sobre essa tendência em vilificar a China e o seu crescimento de forma bastante direta e objetiva: “Há muitos estrangeiros de barrigas cheias e nada melhor a fazer do que ficar culpando a China (pelos seus problemas). Primeiro, a China não exporta revolução; segundo, a China não exporta fome nem pobreza; e terceiro, a China não fica perdendo tempo com assuntos dos outros”.
Nada melhor do que as palavras do novo presidente para exemplificar a filosofia do governo chinês. Hegemonia interna do Partido Comunista é o fundamental. O resto virá com o tempo! E o resto não é o fundamental!
boa tarde senhor martins,
parábens pela análise.
estou pesquisando minha tese de mestrado justamente sobre a ascensão chinesa e sua análise é a mais apurada que leio na língua portuguesa. gostaria de saber se posso entrar em contato com o senhor para debater um pouco mais desse tema.
cordialmente,
fernando
Caro Fernando, se eu puder ser de alguma ajuda, estou a disposição. Você pode me procurar pelo meu e-mail disponível neste blog e indicar os pontos e as questões onde você acredita que eu possa ajudá-lo.
José Carlos
José Carlos Martins escreve a China simplesmente como ela eh !
Sem nenhuma ideologia dirigida !
O problema eh que certos leitores gostariam muito que ele criticasse a China, seja de uma forma ou de outra ! Parabens, J C Martins !
José Martins, seria interessante escrever sobre as experiências das Zonas Econômicas Especiais que acontecem aqui na China como ensaio do modelo capitalista: dois sistemas que acontecem ao mesmo tempo dentro do país que nós com a visão de mundo ocidental não conseguimos compreender.
Caro André, pretendo abordar um pouco desse tema em meu próximo artigo.
Todos podem expressar suas opiniões e criticas, mas com responsabilidade e conhecimento, antes de falar bobagens.
Devemos cuidar da nossa casa primeiro (que nao estah nada bem) e deixar que outros cuidam das suas.
Povo ignorante, povo alienado, povo manipulado.
José Carlos Martins é muito provavelmente o mais lúcido analista de pensamento estratégico chinês na mídia (não que os concorrentes sejam tão numerosos..).
Beira o surreal encontrar erudição e inteligência num mero blog de jornal.
sr Martins,
Bravo!
你 写 得 太 对 了!
Xiexie!
不 客 气!
Prezado José Carlos Martins,
não conheço a história chinesa,
apenas tenho conhecimento sobre os
conflitos no Tibet e na província do extremo oeste de maioria mulçumana,
esse povos alegam que foram invadidos pelos chineses,
qual sua opnião ?
Adriano, Tibete e Xinjiang, embora de etnias diferentes à dos chineses, fizeram parte do império chinês em vários momentos de sua história, independentes às vezes, ocupados por mongóis, indianos, russos outras vezes. Mais recentemente, no caso tibetano, ocupados em 1949 após terem conseguido a sua independência em 1912, quando a dinastia Qing se esfacelou. Essas regiões se enquadram no parágrafo onde comento “não há exemplos concretos de tentativa dos chineses de exercer sua hegemonia além das suas fronteiras atuais ou daquelas que acreditam lhes pertencer pela história”. Adriano, pequenas etnias dificilmente sobrevivem independentes na proximidade de grandes etnias. Nessa região do mundo indianos, russos e chineses exerceram sua hegemonia em suas fronteiras. Se não fossem os chineses, teriam sido ocupados por outros, como aliás o foram em algum momento de suas histórias. Que o digam os povos indígenas de todo o mundo. O mundo, infelizmente, não é o primado da justiça, e sim da força!
Sobre a Ditadura e os métodos de calar os opositores, NADA NE?! Aprenda a criticar antes de escrever qq coisa.
Caro Thiago, minha proposta é discutir economia e geopolítica. Não é defender nem atacar o regime chinês e ser tão factual quanto possível. Quer se goste ou não, a China seguirá a sua maneira, e não a maneira ocidental. O que pretendo demonstrar é que o regime chinês tem tamanho e massa crítica para seguir seu caminho independentemente da nossa vontade. Não sou jornalista nem cientista político e deixo aos colegas articulistas mais voltados a esses temas exercer esse papel como tem feito em vários artigos já publicados neste blog. Minha proposta não é denunciar, apenas tentar entender a China e dividir com vocês minha compreensão desse fenômeno.
desculpe a minha ignorancia !
mas quem eh o ditador da china ?
Sobre a China na imprensa ocidental: de cada dez espaços, nove são guiados pelo proselitismo ideológico. E destes nove, oito são anti-China.
Então Thiago: já cansou de lê-los todos e precisa de mais ainda?