O turismo étnico-sexual e a formação de identidades na China
25/05/12 10:43Por Eric Vanden Bussche, de Taipé (Taiwan)
Ao percorrer a região montanhosa na fronteira das Províncias de Sichuan, Guizhou e Yunnan, no sudoeste da China, é possível passar por dezenas de vilarejos povoados por minorias étnicas. São comunidades que até pouco tempo atrás se encontravam às margens do desenvolvimento econômico do país. Mas hoje muitas acreditam que finalmente encontraram a fórmula para enriquecer: o turismo étnico-sexual.
Nas últimas duas décadas, esses vilarejos passaram a atrair um número crescente de turistas chineses e até estrangeiros interessados em uma imersão na exótica cultura local. Em certas regiões, como Xishuangbanna (Província de Yunnan), a visita também inclui sessões de sexo com mulheres da etnia dai, consideradas as mais lindas e libertinas de todas as minorias étnicas.
Trata-se, entretanto, de uma experiência artificial. Os habitantes desfilam em seus trajes típicos apenas na presença de turistas, pois não se sentem à vontade neles. Muitos desconhecem o significado de suas próprias tradições e têm dificuldade de conversar em sua própria língua. E as atraentes mulheres em Xishuangbanna, com seus belos vestidos e enfeites da minoria dai, na verdade são prostitutas da etnia han provenientes de outras áreas da China.
A propagação do turismo étnico-sexual revela, porém, um processo curioso de construção de identidades no país.
A China se orgulha em ser uma nação plural, multiétnica. Embora mais de 90% dos chineses se identifiquem como han, há 55 minorias étnicas, grande parte espalhada pelo sudoeste do país.
Quando os comunistas tomaram o poder, em 1949, eles resolveram promover a ideia de inclusão dos diversos grupos étnicos no processo político. Isso facilitaria, entre outros objetivos, o processo de consolidação do poder central sobre povos e territórios nas regiões fronteiriças que haviam pertencido à corte Qing, a última dinastia imperial (1644-1912): Províncias do sudoeste do país, como Yunnan e Guizhou, e regiões como o Tibete, Xinjiang e a Mongólia Interior.
Um dos obstáculos enfrentados pelo novo regime na construção de um Estado nacional pluralista e unificado era a enorme quantidade de grupos étnicos, principalmente no sudoeste. Um censo realizado nos primeiros anos pós-revolução continha por volta de 400! Era necessário, então, reduzir o número de etnias de várias centenas a algumas dezenas.
O governo resolveu, então, enviar uma expedição de antropólogos para a Província de Yunnan, em 1953-54. Como argumenta o historiador Thomas Mullaney, em sua obra “Coming to terms with the Nation” (chegando a um acordo com a nação), o objetivo dos antropólogos não consistia apenas em identificar os diversos grupos. Como precisavam cortar o número de etnias, eles resolveram agrupar várias em uma só. Por exemplo, os heiyi, longan, nong, sha, rianbao e tulao passaram a ser conhecidos como zhuang devido às semelhanças linguísticas entre eles. Nesses casos, porém, os antropólogos também precisavam convencer essas populações a aceitarem a nova denominação e identidade.
Esse processo de convencimento levou décadas. Tomemos como exemplo o vilarejo de Jiancao, no sul de Sichuan, onde maioria dos seus habitantes foi identificada como membros da minoria miao. Na verdade, eles nunca se sentiram confortáveis com esse rótulo. Alguns até questionavam a sua identidade, assinalando que as suas vestimentas eram completamente diferentes às dos miao nas comunidades de Hele e Baila. Um senhor idoso de Jiancao me disse que não entendia bem o que era ser miao, pois, cada vez que encontrava pessoas de Hele, sentia que não tinham nada em comum.
Quando visitei Jiancao pela primeira vez, em 2000, os habitantes até demonstravam vergonha de sua etnia, enxergando a cultura e modo de vida miao como um entrave ao desenvolvimento da região. Um dos homens mais prósperos da região enfatizou que “os miao são preguiçosos e supersticiosos”. Segundo a sua explicação, ele só conseguiu enriquecer após deixar de lado a sua cultura. “Embora a minha carteira de identidade me identifique como miao, prefiro pensar que sou han.”
Os burocratas han da região compartilhavam essa visão. Durante uma visita ao povoado de Huangping, cuja maioria também é composta por miao, um rapaz chegou numa moto com uma caixa de bebidas alcólicas. Assim que avistou as garrafas, uma funcionária han do governo local balançou a cabeça: “Eles (os Miao) não conseguem ficar longe de bebidas álcolicas” (tamen libukai jiu).
Quando voltei à região quatro anos mais tarde, fiquei surpreso com a profunda mudança de atitude da população em relação a sua identidade. Se antes eles culpavam as suas raízes étnicas por seu atraso, eles agora sentiam orgulho de sua cultura.
A descoberta do turismo étnico foi responsável por essa reviravolta. Nos vilarejos da região, os governantes pareciam convencidos de que investimentos nessa atividade enriqueceriam a sua comunidade. Uma avalanche de livros sobre os costumes dos miao acabou sendo publicada pelo governo local, e a população local foi incentivada em resgatar tradições que haviam caído no esquecimento. Enfim, estava em curso nessas comunidades um processo de reaprendizagem do que significava ser miao. Eles finalmente incorporaram com entusiasmo a identidade que lhes fora designada pelo Estado chinês.
A comodificação da cultura dessas minorias étnicas por meio do turismo não transformou apenas a forma como os habitantes locais enxergam e constroem a sua identidade como também permitiu ao regime chinês difundir com maior facilidade suas políticas destinadas a esses grupos.
Num festival de cultura miao na municipalidade de Guling em fevereiro de 2004, além das apresentações de danças folclóricas, atores encenaram uma peça mostrando os benefícios da vasectomia para os homens que já eram pais de dois filhos. O governo local também distribuiu camisinhas durante o evento. “Os festivais de cultura acabaram facilitando o nosso trabalho,” me disse um burocrata de Guling responsável pelo controle de natalidade na região.
Nesse sentido, a febre do turismo étnico no sudoeste está servindo para consolidar o longo processo de integração dessas comunidades ao Estado nacional chinês.
parabens pela materia !
Ótimo e elucidativo artigo. Quanto à dizimação de minorias, não há que se pasmar haja vista que apenas no nosso Brasil mais de 200 nações indígenas simplesmente desapareceram enquanto outras foram “aculturadas” ou se acham presas em cercadinhos, eufemisticamente chamados reserva. Mas, do que é que o mercantilismo, e posteriormente o capitalismo não seriam capazes?
Na China, 56 (cinqüenta e seis, reflita sobre este número!) etnias convivem, tranqüilamente ou aos trancos e barrancos, há milhares de anos (reflita sobre este fato). Ainda assim, nós Ocidentais só sabemos repetir q ficamos “chocados” com a “destruição” de culturas na China.
Nos EUA, um continente inteiro de Civilizações nativas – Sioux, Apaches, Iroquois, etc etc etc – foram genocidadas, a tiro na cabeça, até o último bebê e a última vovó. Uma vasta ramificação da espécie humana, simplesmente trucidada nos séculos XVIII e XIX. Ainda assim, Ocidental VENERA os EUA, (paridos desse genocídio continental) como meninas de 10 anos veneram o Justin Bieber.
Q tal a gente do “Ocidente” parar de enrolação e admitirmos de uma vez por todas que somos racistas até a alma?
VENERA os EUA, ocidental desinformado e idiota. Eu NÃO VENERO…!!
Corrigindo o meu nome: Rudolf A. Hondiare -( A tecla ‘F’ falhou).
La vem os anti-americanos pe-no-saco novamente…Vai viver em Cuba. Os americanos sao bad boys e os outros sao vitimas neh? Sempre essa estorinha de novela mexicana… No Brasil se exterminou indios, no resto das Américas, na Africa viviam se matando e ainda vivem, Na Europa sempre se exterminaram, e agora, sao todos os descendentes pessoas péssimas?? E isso tudo ocorreu somente durante o capitalismo? Esqueca o rancor anti-capitalista, aprenda a melhorar o capitalismo ou va para Cuba, a sociedade nunca esteve tao bem quanto aos dias atuais. Quanto a peda de algumas culturas, esse eh um processo normal, ja nao vivemos mais em pequenas tribos isoladas, mas em uma aldeia global, temos contato direto e discutimos os mesmos assuntos, lemos as mesmas noticias, tomamos a mesma marca de refrigerante/cerveja, etc…E nao vejo nada de errado nisso!! Viva a globalizacao!
O que poderia ter sido um interessante artigo sobre o sucesso do governo chinês em recuperar a identidade de uma etnia no país perdeu-se totalmente na tentativa do autor em denegrir a iniciativa ponde ênfase exagerada e indevida no aspecto sexual. (A tradução, boa em geral, pecou feio com aquele horripilante e azedo anglicismo “comodificação”. O velho e bom “mercantilização” seria muito melhor).
Muito bom o texto. Expõe a questão de forma imparcial e sem preconceito. Mas eu fiquei chocada com a destruição da cultura de centenas de etnias!
Aqui no Brasil temos várias tribos indígenas em vias de extinção. Não entendi porque você ficou chocada.
Eric,
“Embora mais de 90% dos chineses se identifiquem como han, há 55 minorias étnicas, grande parte espalhada pelo sudoeste do país.”
A tendência é o desaparecimento das 55 minorias étnicas através de casamentos entre etnias diferentes, prevalecendo uma única etnia, a han, ou existe um preconceito entre casamento entre etnias diferentes ?
Prezado João,
Não existe preconceito em relação ao casamento interétnico. Aliás, isso é comum em regiões habitadas por han e diversas minorias étnicas. Eu não creio que as 55 minorias sofram o perigo de desaparecer, pois a taxa de crescimento de algumas delas supera à da maioria han. Casais pertencentes às minorias étnicas podem ter dois filhos e nas áreas rurais do sudoeste da China, é comum encontrar famílias com três ou quatro filhos (embora o governo se esforce para limitar o número de filhos a dois por casal). Abraços, Eric