Harvard e a ambivalência dos nacionalistas chineses
01/06/12 12:44Por Eric Vanden Bussche, de Taipé (Taiwan)
Nas últimas semanas, as análises na imprensa ocidental sobre a recente onda de xenofobia na China frequentemente têm destacado a ambivalência (para alguns, hipocrisia) da elite política chinesa a respeito dessa questão. Se por um lado o governo alerta a população sobre a ameaça da cultura e dos valores ocidentais ao desenvolvimento do país, por outro as altas autoridades do Partido Comunista chinês (PC) continuam enviando os seus filhos e netos para Harvard, Stanford, Oxford e outras universidades de prestígio nos EUA e na Europa.
Essa ambivalência é alimentada por uma forte dose de pragmatismo dos chineses nas suas relações com o Ocidente, demonstrando o quanto o desenvolvimento do país continua atrelado aos investimentos e à tecnologia proveniente dos EUA, da Europa e até mesmo do Japão.
Ao mesmo tempo, também revela o papel das universidades norte-americanas na reestruturação (ou “modernização,” como diriam os membros do PC) das instituições políticas chinesas, um processo que teve início no final da década de 70 e continua até os dias de hoje. Essa “modernização” demonstrou uma capacidade do PC em se adaptar às mudanças das últimas décadas, garantindo a sua permanência no poder.
As raízes desse processo se encontram na era Deng Xiaoping (final dos anos 70 até início dos anos 90). Em seu artigo “Is China democratizing?” (“a China está se democratizando?”, revista “Foreign Affairs”, jan-fev 1998), o acadêmico Min Xinpei lamenta que os especialistas ocidentais enxerguem a era Deng como um período em que a abertura econômica não foi acompanhada por reformas políticas que permitiriam a democratização do país. Na contramão dessa corrente de pensamento, Min argumenta que, na esfera política, Deng patrocinou mudanças profundas que prepararam o terreno para o desenvolvimento econômico e social da China a partir dos anos 80. Entre as transformações, o autor cita a aposentadoria compulsória de membros do governo e do partido, a proibição do exercício do mesmo cargo por mais de dois mandatos de cinco anos, o fim do culto à personalidade e até experimentos com eleições em pequenos vilarejos nas áreas rurais.
Segundo Min, essas reformas permitiram à China atingir uma relativa estabilidade política, forçando uma renovação nos quadros do PCC e finalmente colocando um ponto final nas violentas batalhas entre as diversas facções que marcaram a era maoísta (1949-1976). Min assinala que houve uma diminuição na idade média dos membros do Comitê Central, de 59 anos, em 1982, para 55 anos, em 1997. Graças a essa renovação, o número de membros do Comitê Central com ensino superior pulou para 92% em 1997, contra apenas 55% em 1982.
Esse cenário permitiu a Jiang Zemin consolidar o seu poder nos anos 90 e facilitou uma transição pacífica de poder para a geração do presidente Hu Jintao, no início da década passada.
É uma pena que as análises políticas desse período sejam norteadas pela violenta repressão aos protestos na Praça da Paz Celestial em 1989, pois Deng deixou um legado de transformações políticas que permitiu a ascensão da China como potência. A sua maior contribuição nessa esfera foi substituir a “revolução permanente” dos anos maoístas pela ideia de “adaptação permanente.” Seus sucessores herdaram a noção de que o processo de desenvolvimento do país só seria possível por meio do pragmatismo e de uma sintonia do partido com as mudanças em curso. Para Deng, o pragmatismo estava acima de qualquer ideologia, até mesmo do nacionalismo que ele passou a estimular.
É a partir dessa ótica que Harvard se encaixa nos esforços de “modernização” do PC.
Há uma década, o partido lançou uma iniciativa _examinada num recente artigo do jornalista William J. Dobson_ que consiste em selecionar as suas estrelas em ascensão para participarem de programas de treinamento e especialização em Harvard e outras universidades de ponta no exterior. Essa especialização acadêmica abarca os mais variados temas, desde a formulação de políticas para o desenvolvimento sustentável até a utilização de mídia social pelo governo.
Segundo Dobson, por meio desse projeto, o PC espera que os seus membros recebam o treinamento necessário para lidar com os novos desafios a serem enfrentados pelo regime, tanto na esfera doméstica quanto no contexto da globalização. Não se trata apenas de um processo de aprendizagem, mas principalmente de um processo de adaptação de formas de governança à realidade chinesa. Mais de 4.000 burocratas do partido já se beneficiaram dessa iniciativa na última década, segundo afirmações de Lu Mai, diretor do programa, a Dobson.
Independentemente da quantidade e intensidade das ondas nacionalistas que varrerem o país nos próximos anos, tudo indica que o governo chinês continuará enxergando esse programa como essencial para que o PC consiga enfrentar as novas conjunturas geopolíticas. É essa visão, segundo Dobson, que diferencia a China dos demais regimes autoritários no planeta.
Especialista da Universidade Stanford… escrevendo de “Taipé (Taiwan)”… Q mimo.
1 – Não, a China não depende mais de investimento estrangeiro, que corresponde a 0,7% do PIB equacionado por PPP.
2 – A “dependência” de tecnologia do Japão, Europa e EUA é infinitamente menor do que há 20, até 10 anos atrás. Fato.
Alguém acredita sinceramente que daqui a 50 anos a vanguarda tecnológica do mundo vai estar nos EUA? kkkkkk
Deixe o especialista falar, afinal, deve haver um contrapeso no blog, se vc observar outros autores do blog, ele eh um Destoante !
Outros autores: José Carlos Martins, Marcos Caramuru de Paiva, Fabiano Maisonnave e Zhou Zhiwei.
Olha, não conheço o Eric, mas é interessante alguém com uma visão especializada com relação ao passado-presente da China. Sempre é importante uma reflexão bem demarcada, embora sempre devemos estar atentos a um excesso de “glorificação” da especialização. De minha parte, já fiz uma cadeira de filosofia chinesa, que serviu pra ver que ainda não conheço nada do assunto: daí a importância prática e fundamental da especialização.
Na minha opinião é hipocrisia, sim. Não estou por lá pra saber bem e de que forma setores da sociedade manifestam esta “aversão ao ocidente”. Mas a própria dependência da tecnologia – seja no passado ou no presente – da Europa, EUA e do odiado Japão, já torna ridículo esse papo de “nós não precisamos do lixo ocidental”.
Também detesto este fetichismo por uma meia dúzia de universidades no mundo. Algumas são realmente maravilhosas e lindas, pq um lugar bonito tb é importante na minha opinião. Mas quem conhece Harvard sabe que o que na falta é idiota metido a besta por lá. Evidentemente, acontece em todo lugar. Mas a quantidade me chamou atenção. E como não sou nem um pouco adepto do pensamento “politicamente correto” vou dizer outra coisa: a impressão que tenho é que pra conhecer um chinês interessante tem que procurar um bocado.
Interessante a sua procura por um chines interessante;
da minha parte, estou sempre a procura de uma chinesa interessante ! rs …
um abraco !
Fazendo uma análise criteriosa, vejo que o PC vêm conseguindo se manter no poder durante todo esse tempo justamente pela “ocidentalização” de seus dirigentes. Ainda assim, é só questão de tempo para que os Estados Unidos mirem suas armas de “em defesa dos direitos humanos” com mais força contra a china, fazendo o regime fazer o caminho de volta.
Caro Henrique,
Nada contra os venerados e tietados EUA, mas dizer que a China está se ocidentalizando é mais que exagero. É um passeio na psicologia doentia ocidental.
É questão de tempo que os EUA mirem suas armas? Já tão miradas há muito tempo, os EUA tentam derrubar o regime chinês desde 1950, e, a cada ano que passa, a chance de sucesso se torna mais tênue…. Vamos acordar: EUA é impotência. Afeganistão tem PIB menor que o bairro de Chaoyang, em Beijing, e ainda assim os EUA perdem no Afeganistão.
O dia que os ianques decidirem atacar a China, sua economia, suas bolsas de valores, sua inflação, suas finançãs públicas, seu nível de desemprego, o status do Dólar, etc etc etc serão estraçalhados antes que os inúteis e obsoletos porta-aviões terminarem de manobrar em direção ao Oriente.
Eric.
“ambivalência” e hipócrita sao teus comentarios em relacao a China !
infelizmente, muitos “jornalistas” sao recrutados por grupos de interesse com o intuito de implantar odio e “noticias”, tal qual na epoca da guerra fria !
Lucas, não vou deixar de publicar seus comentários, mas peço que seja menos ofensivo.
Eric.
“ambivalência” da elite política chinesa.
As grandes potências ocidentais
e que são as democracias mais desenvolvidas USA, UK e França
adotam um discurso pró-democracia em relação a China
e por outro lado ficam “calados” em relação a ditadura da Arábia Saudita pois dependem da importação do petróleo
e pensam que a democracia nesse país pode levar ao poder dirigentes políticos contrários aos interesses ocidentais.
Esse mundo é hipócrita, tanto no ocidente como no oriente.
Abs.