As variáveis do futuro chinês
18/06/12 10:59
Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai
Ruchir Sharma, o analista que publicou na revista “Foreign Affairs” de maio/junho um provocador artigo de alerta sobre a economia brasileira, argumenta, no recente livro “Breakout Nations” (nações em fuga), que os mercados passaram a usar informações de prazo muito longo para tomar decisões de investimento de prazo muito curto. Essa, em sua avaliação, não é uma estratégia razoável. Dá como exemplo os investidores americanos: atualmente, eles mantêm ações em suas carteiras por um período médio de menos de quatro meses (o prazo era de 16 anos nos anos 60), mas querem imaginar que suas aplicações estão fundamentadas num futuro distante de alta segurança. Daí o sucesso dos estudos que preconizam quais serão as grandes economias em 2020, 2030 e até 2050.
As análises mais recentes da economia chinesa padecem do mal oposto. Até há não muito tempo, as reflexões sobre a China tinham foco no longuíssimo prazo. Não é mais assim. A crise europeia e as incertezas sobre o seu desdobramento criaram um ambiente de tal insegurança na economia internacional que se tornou incomum refletir sobre a China numa perspectiva temporal ampla.
Tudo é razão para sobressalto. Cada anúncio de um novo dado sobre crescimento, comércio, volume de empréstimos bancários, investimentos diretos e produção industrial desperta imediatamente algum temor sobre o porvir. A China não é uma economia aberta para investimentos de portfólio. Eles são admitidos dentro de quotas. Mas os mercados querem desesperadamente antecipar o que acontecerá aqui, seja porque sempre se interessam em acrescentar algum fato novo ao ambiente geral de especulação (só assim alguns ganham dinheiro), seja para saber o tamanho do buraco em que a economia internacional está metida. Como o próprio governo chinês tem dado sinais de apreensão diante dos dados apurados recentemente, fica ainda mais tentador, a partir de resultados de curtíssimo prazo, avaliar o longo.
Na ausência da bola de cristal, as opiniões divergem, mas a tendência mais comum é considerar que os dados recentes refletem um futuro menos promissor para a China do que se esperava até então. Uma linha de raciocínio é a esposada pelo próprio Ruchir Sharma no seu livro: a China é o Japão dos anos 70, Taiwan dos anos 80 e a Coreia do Sul dos anos 90. A exemplo dessas três economias, caminha para taxas de crescimento subitamente mais baixas. Quando o PIB chinês era US$ 1 trilhão, no final dos anos 80, crescimento de 10% significava expandir a economia em US$ 100 bilhões. Com o PIB da ordem de US$ 6 trilhões, crescimento de 10% ao ano significa expansão anual de US$ 600 bilhões. É demais.
Outra, a China corre o risco de cair na armadilha das economias de renda média dos países do Sudeste Asiático, que cresceram por taxas elevadas durante algumas décadas, mas não conseguiram ultrapassar a barreira que ainda os separa das economias avançadas. Outra ainda: crescendo pela via do investimento e da geração do emprego, incorporando pouca eficiência à economia, a China começou a perder gás.
Os mais alarmistas projetam que, se a China continuar a crescer a taxas muito elevadas, precisará consumir uma tal quantidade de água, energia, recursos minerais e alimentos que não encontrará suprimento no mundo. Por isso, inevitavelmente estancará.
Em contraposição a essas reflexões, está a idéia, prematura também, a meu ver, de que a China sempre projetou mudança de rumo. O momento da mudança chegou.
Otimistas e pessimistas têm de admitir que, como ouvi há alguns dias de um sólido acadêmico chinês, nos próximos anos a China crescerá a taxas elevadas porque ainda é um país com grandes áreas de pobreza. Países pobres, com eficiência na gestão, tendem a crescer a taxas altas.
Além disso, os fatores que motivaram o crescimento continuam presentes, ou seja, poupança elevada, empreendedorismo, políticas macro razoavelmente sólidas (apesar da especulação sobre o endividamento dos governos locais), um Estado organizado e cheio de engenheiros.
Os planos chineses, é sabido, projetam que o país caminhará na direção de passar de exportador a importador de bens, de importador a exportador de capital e de comprador a vendedor de inovação. E buscará chegar lá por meio de avanços graduais e seguros.
Mas a crise internacional mais recente, ainda mais do que a de 2008, embaralhou o cenário. A transformação gradual da realidade, no ritmo que se antecipava, talvez não seja uma estratégia tão viável como antes. Possivelmente será necessário acelerar o curso de algumas reformas essenciais, não para que a China pobre cresça, mas para que a parte da China que deu certo continue avançando bem.
O quadro político nem sempre ajuda. Na ausência de líderes fortes, que fixem o caminho na base do fazer sem pensar muito de Deng Xiaoping, o sistema funciona por consenso. As decisões sobre temas controvertidos podem ser lentas. Além disso, as lideranças antigas, mesmo fora do governo, continuam a se posicionar. Ouvi outro dia de um acadêmico de Pequim que, mesmo com os reformistas muito ativos na nova administração que se inicia em 2013, eles precisarão de dois anos para fazer valer as suas ideias.
Se as ineficiências naturais a qualquer sistema político tiverem grande impacto sobre as decisões na China, o cenário poderá até pender para a visão dos pessimistas. Mas é cedo para avaliações definitivas. A maneira como o novo governo reagir às necessidades internas e aos inevitáveis reflexos da realidade externa, e, sobretudo, a velocidade com a qual vai impulsionar certas reformas, ajudarão a descobrir quem tem razão sobre o futuro.
Três comentários:
1) Ótima charge americana que ilustra o post;
2) Nada mais simplório/preconceituoso (será porque todos eles têm olhos puxados?) por parte dos think tankers que, por falta de capacidade de oferecer uma explicação mais qualificada, acabar vindo com essa de que a China é o “Japão dos anos 70, Taiwan dos anos 80 e a Coreia do Sul dos anos 90”: para começar a populaçao chinesa é de 1,4 bilhão, enquanto que a sul-coreana é de pouco menos do que 50 milhões, a taiwanesa é de pouco mais de 20 milhões e a japonesa de pouco mais de 100 milhões de habitantes.
Além do mais, todos esses países citados, quando do seu auge econômico, não desfrutavam dum crescimento de algo em torno de 8%, como é o caso, da China. E, ademais, a China ainda tem a alternativa, se a economia global continuar claudicante, de explorar seu mercado consumidor interno – algo que, nesta altura do campeonato, nas respectivas décadas passadas de crescimento dos citados países asiáticos – já não o podiam fazer, pois seu mercado interno já se econtrava saturado.
3) Também muito interessante a ideia do contraditório apresentado pelos 2 parágrafos consecutivos no texto (um que começa “Outra, a China corre o risco…” e a seguinte), mostrando bem, da efetiva incapacidade de prever o futuro da economia, senão por achismos onde aí entra o viés ideológico do sujeito.
Marcos Caramuru de Paiva,
“As variáveis do futuro chinês”
China e Brasil estão juntos nos BRICS,
mas as diferenças são abissais.
China acaba de lançar a nave Shenzhou 9 na primeira missao de acoplagem tripulada, é a quarta viagem tribpulada ao espaço.
Brasil tentou lançar seu primeiro satélite,
o programa foi um fracasso com a perda de cientistas (meu respeito as vítimas do acidente), um dos fatores foi a falta de verbas, para investir mais em segurança e contratação de mais técnicos, logo depois, o governo gastou mais de US$ 10 milhões para um brasileiro ir ao espaço em uma nave russa, ele voltou ao Brasil e aposentou-se.
Abs.
Gostei da comparação com o Japão e os chamados Tigres Asiáticos. Principalmente, no caso do Japão com a euforia nos anos 80, exportando a “qualidade total” para o mundo, e, logo a seguir, pedindo socorro aos Estados Unidos.
Estive na China em 2010/2011 e vi de perto o quanto o êxodo rural tem alimentado o consumo e promovido um crescimento interno. Outro fato importante é o quanto estão investindo em educação DE VERDADE. Não é como no Brasil que a roubalheira e a delinquência desvia o dinheiro para os bolsos dos espertalhões, restando migalhas para investimentos como salários de professores e pesquisa.
Quero apenas parabenizar os responsaveis pela Vista Chinesa , um dos sites mais interessantes que temos na atual midia brasileira de economia.
Vamos continuar com esse esforço inteligente pois sagacidade e visão criativa é o que mais falta no cenario intelectual brasileiro .
Abraços
Joao Hanna