Do aborto tardio à missão espacial: mulheres expõem contradições da China contemporânea
29/06/12 15:22
Fabiano Maisonnave, de Pequim
(Atenção: imagem forte no final deste post.)
Nas últimas semanas, duas mulheres têm ocupado as manchetes do noticiário chinês por motivos bem diferentes, levando o país a se perguntar como histórias tão díspares coexistem na China contemporânea.
A bela e sorridente Liu Yang ganhou admiração por ter sido a primeira astronauta do país a entrar em órbita. A missão terminou nesta sexta (29), após 13 dias no espaço.
Já Feng Jianmei recebeu a compaixão do país por causa de uma foto em que aparece dividindo uma cama de hospital com um feto morto de sete meses, após ter sido obrigada a abortar por não cumprir a draconiana política do filho único.
A imagem, bastante forte, está no final deste post. Peço desculpas para quem a considerar demasiado gráfica, mas é importante para entender o impacto na opinião pública chinesa.
“Podemos mandar uma mulher astronauta para o espaço e podemos forçar uma camponesa a abortar seu feto de sete meses. Este é o melhor retrato do triste estado deste país _glória e sonhos juntos com humilhação e desespero”, escreveu no weibo (Twitter chinês) um internauta sob o pseudônimo Finja que está em Nova York.
Fen Jianmei, 22, já tem uma filha de seis anos. As autoridades locais cobraram uma multa de R$ 12.800 por ter engravidado pela segunda vez. Como a família não dispunha do valor, ela foi sequestrada em sua casa e levada ao hospital, onde recebeu uma injeção que induziu o aborto (daí a seringa na charge acima).
Depois que a foto provocou uma forte reação contrária do público, o governo chinês fez a sua reação típica: puniu as autoridades da Província de Shaanxi (o aborto só é legal na China até o sexto mês), mas também a família. Fen continua numa espécie de prisão domiciliar dentro do hospital, e o marido fugiu para Pequim após ameaças de supostos moradores da região, que os acusam de manchar a imagem do país.
Mas é justo registrar que, desta vez, a imprensa estatal chinesa deu bastante destaque à história, e em tom crítico.
Já a aterrissagem da piloto da Força Aérea chinesa Liu Yang, 33, e de seus dois companheiros foi acompanhada por milhões de telespectadores chineses nesta sexta.
Para viajar ao espaço Liu, tratada como heroína pela imprensa oficial, cumpriu vários requisitos que se parecem mais aos de um concurso de beleza do que de astronauta: teve de demonstrar que tinha pele e dentes perfeitos, além de ausência de mau hálito.