Os chineses não sabem, mas adoram música brasileira
02/07/12 10:24
Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai
É impressionante o que se ouve de música brasileira andando em Pequim, Xangai, Hong Kong e mesmo em outras cidades na China. Em Xangai, o som da rua pertence a Lisa Ono. Os camelôs de CDs nas esquinas movimentadas da cidade fazem da voz de Lisa o seu grande comercial. Carregam com seus estandes um sonzinho particular e poderoso e tocam Lisa às alturas, para atrair compradores. Não espanta: Lisa colocou no ano passado 8.000 pessoas num ginásio na cidade. Ela canta em várias línguas, é verdade, mas quase sempre em português, no tom e na batida da bossa nova, que a fez conhecida e que é o carro-chefe dos seus shows. Os seus arranjos são frequentemente escritos à distância, no Brasil, pelo extraordinário Mario Adnet. Um exemplo de “outsourcing” baseado não em custo, mas em talento.
Nos shoppings, nas lojas, nos restaurantes, se você prestar atenção, vai ouvir frequentemente música brasileira. E não é só bossa nova. Há dias, no Pacific Place, em Hong Kong, ouvi uma voz que não reconheci cantando músicas de Zé Keti e João do Vale, que só ouvira anteriormente nos anos 70, nos shows de segundas-feiras do antigo teatro Opinião, na rua Siqueira Campos, em Copacabana. Até sentei para escutar com calma. Numa loja em Xangai, em outro momento, numa voz que tampouco reconheci, ouvi, surpreendido, o repertório de Noel Rosa. Não um, vários dos seus sambinhas. Vozes como a de Rosa Passos, Marisa Monte, Seu Jorge e vários outros estão frequentemente no ar.
A música brasileira tem tudo a ver com o gosto musical chinês moderno. É doce, cantada com suavidade. Basta chegar a artistas que fizeram grande sucesso com o público jovem e de meia-idade aqui ao longo dos últimos anos, como David Tao, por exemplo, para ver como a maneira de cantar tem algo a ver com a nossa. Mas os chineses não associam a música ao Brasil. As pessoas na faixa dos 25 a 50 anos, formadas em boas universidades e melhor informados sobre as coisas em geral, sabem o que a bossa nova é brasileira. A expressiva maioria, não.
Enquanto cônsul-geral em Xangai, junto com o diplomata Joel Sampaio, pusemos uma cantora de jazz tradicional xangainês, Jasmine Chen, com músicos brasileiros em alguns shows, e a coisa funcionou muito bem. Eu escutei Jasmine pela primeira vez num bar local, cantando em mandarim a canção “Encontros e Despedidas”, de Milton Nascimento. Seu público até cantarolava com ela o finalzinho da letra. Tudo em plena rua Sinan. Foi quando eu me dei conta de que a música seria uma boa ponte entre nossas duas culturas.
Há cerca de três semanas, fui assistir a um concerto do famoso maestro Tan Dun, que, entre outras composições, fez a trilha sonora do filme “O tigre e o Dragão”. Na primeira metade do espetáculo, ele chamou a cantora Dadawa (seu nome é Zhu Zhe qin), de Guangzhou, mas com longo período passado no Tibete, para interpretar uma composição do próprio Tan Dun sobre o som dos pássaros. O maestro fez alguns músicos largarem seus instrumentos e segurarem gaiolas com pássaros verdadeiros. Dadawa, com um apito, encontrou uma forma de fazê-los atuar.
O canto dos pássaros, a voz exótica de Dadawa, uma orquestra que juntava instrumentos ocidentais com o erhu (violino chinês), o guzhang (uma pequena harpa de mesa), o pipa (pronuncia-se pipá, uma espécie de mandolim), todos se encontraram num som dissonante, diferente do que escuto aqui, mas que me pareceu surpreendentemente familiar. Se fechasse os olhos e não soubesse onde estava, acreditaria facilmente estar ouvindo algo de Hermeto Paschoal tocado em grande estilo.
Terminada a peça, soltei naturalmente um “bravo”. Mas os aplausos que se seguiram foram chochos.
Os asiáticos, em geral, não aplaudem muito. Sempre achei que isso tem a ver com a sua natureza e educação, voltadas para levar as pessoas a não exibirem abertamente os sentimentos. Tem também a ver com a visão algo pecuniária de um espectador que valoriza o dinheiro. Afinal, a satisfação do público já é naturalmente expressa na compra do bilhete de entrada. Aplaudir é um “plus”. Não é à toa que a China tem uma taxa de poupança de 50% ou mais do PIB.
A bem da verdade, o público de música erudita até que aplaude com entusiasmo as orquestras quando elas tocam bem. E o próprio Tan Dun foi ovacionado na segunda parte do concerto, que teve como solista a belíssima Tan Wei, de Pequim, no erhu.
Seja como for, entre o meu “bravo” e as primeiras palmas pensei comigo mesmo que o inconsciente coletivo cruza fronteiras. Associa um gênio como Tan Dun, nascido em uma pequena cidade da Província de Hunan, a outro gênio, Hermeto Paschoal, nascido em Lagoa da Canoa.
Mas eu gostei da peça porque Tan Dun tocou música da floresta, tão familiar a nós, que temos a Amazônia e florestas subtropicais dentro de grandes cidades. Ao ouvido dos chineses, amantes da natureza, contemplativos, mas para quem natureza é natureza, concerto é concerto, tudo aquilo pareceu muito diferente.
“Eles se acostumarão”, me disse, num inglês arranhado, o vizinho de poltrona, que percebeu minha indignação com a reação fria da platéia.
O mundo se acostumará crescentemente com a maior presença da China. E a China se acostumará com o mundo e com ela mesma em outra dimensão. Mas será sempre necessário explorar caminhos que possam ir além do econômico. Até para dar sustentação à economia.
Ouvi de um empresário, certa vez, que os chineses não nos vêem como um país que pode produzir coisas sofisticadas. Tendem a achar que o nosso produto não é bom. A música é um elo interessante. Eles, na verdade, já a conhecem, tocam-na nos lugares elegantes e a acham boa. Só precisam identificar o Brasil.
O problema é que o mundo econômico musical foi ficando muito diferente recentemente. Com a possibilidade de baixar CDs e, no caso da realidade chinesa, comprar facilmente discos piratas, o estímulo é pequeno para explorar comercialmente a música aqui. E organizar shows para um público que não conhece o artista é empreendimento, no mínimo, ousado.
Mas… há que se encontrar alguma fórmula.
Muito bom o artigo. Expressa boa vontade com o intercâmbio cultural. E, além dos benefícios econômicos que podem decorrer desse intercâmbio, faz muito bem ao ego do brasileiro ver a nossa música sendo apreciada pelo mundo afora. Senti isto no Canadá ouvindo música brasileira em circunstâncias e lugares diversos.
Não é tão assim não… Que muitos lugares tocam música brasileira é verdade, mas afirmar que os chineses gostam já é outra. Vale lembrar que provavelmente todos estes lugares descritos fazem parte do mundo laowai e o topo da sociedade chinesa. Para este público cai muito bem este tipo de música. O ritmo que os chineses mais gostam é o sertanejo. Dê uma bossa nova ou um disco do Luan Santana e peça para o chinês escolher um dos dois…
Há poucos dias eu ouvi música de Gal Costa, no café da manhã no Hotel Super 8, na cidade de Leshan, Interior da China, próxima a Chengdu e Chongqing. à 2.000 Km de Shanghai
Música em Tom Baixo e suave, começei a prestar atenção, percebi então que se tratava de Música Brasileira. Foi muito legal perceber que eles gostam de Música Brasileira
E, complementando, da mesma forma em que a bossa nova frequenta as caixas de som de lojas e supermercados chineses, Michel Teló é hoje presença quase que obrigatória em casas noturnas de música pop de Pequim.
Nossa…
Isso aí já é motivo pro Itamaraty pedir desculpas.