A crise mundial e a "recessão" chinesa
24/07/12 14:48Charge do caricaturista norte-americano Dwayne Powell.
Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro
O grande crescimento da economia chinesa, particularmente nos últimos quatro anos, tem representado um forte contraste com o desempenho econômico das tradicionais potências mais desenvolvidas. Nesse curto espaço de tempo de alto crescimento chinês e estagnação das principais economias, a China atingiu sua posição de segundo maior PIB, maior nação industrial e maior exportadora de bens e serviços em termos mundiais. Mantido esse cenário, em alguns anos mais a China deverá atingir também a posição de principal economia mundial.
Visto anteriormente à crise de financeira de 2008 como algo inédito e admirável, como exemplo de transformação de modorrentas economias socialistas de planejamento central em dinâmicas economias de mercado, o crescimento chinês passou a merecer recentemente a atenção de governos, da opinião pública e da imprensa mundial muito mais pelas suas mazelas do que pelas suas virtudes.
Competição desleal baseada em subsídios governamentais, artificialismo da moeda, condições de trabalho escravagistas, depredação ambiental e outras acusações têm sido uma constante na avaliação do desempenho China no comércio mundial.
Economia insustentável baseada em elevadas taxas de investimento, gastos exagerados em infraestrutura, alta dependência do comércio exterior e taxas de juros artificiais direcionadas por interesses particulares ou corporativos são outras acusações a respeito das deficiências do modelo econômico chinês.
Tudo isso sem contar as constantes críticas ao sistema de partido único, desrespeito aos direitos individuais e de etnias minoritárias, falta de representatividade popular e práticas antidemocráticas de governo a nível interno.
Ambições hegemônicas em nível regional e mais especificamente em relação a determinadas ilhas do mar do Sul da China são as mais novas acusações imputadas aos chineses nesse verdadeiro rosário de pedras atiradas contra o telhado muitas vezes realmente de vidro dessa nova potência emergente.
Embora muitas dessas acusações sejam reincidentes e estejam presentes há muito tempo, elas têm aumentado em número e intensidade nos últimos quatro anos como consequência das dificuldades que as tradicionais economias desenvolvidas têm encontrado para se livrar de suas mazelas, contrapostas à aparente pujança do crescimento chinês.
Nos últimos meses, com o agravamento dos problemas econômicos na Europa e a falta de dinamismo da economia americana, tem crescido na imprensa ocidental a menção aos eventuais problemas econômicos enfrentados pela China.
A contaminação da economia chinesa via queda das exportações para os países mais desenvolvidos e o natural cansaço de sua economia depois de décadas de crescimento acelerado vêm se somar a um cenário mundial preocupantemente pessimista.
Embora o crescimento chinês de 7,6% neste ano seja ainda extraordinariamente alto para os padrões verificados em outras economias desenvolvidas, sua queda de um patamar superior a 10% recebe mais atenção do que o crescimento absoluto em si.
Parece existir nos meios jornalísticos, na imprensa especializada do Ocidente e mesmo em alguns países emergentes certa satisfação na divulgação de notícias negativas sobre o desempenho da economia chinesa. Não se pode negar uma mudança do cenário econômico chinês, e o objetivo deste artigo é apresentar algumas razões para esse menor desempenho recente.
Preocupados com a elevação da inflação e com a especulação imobiliária, desde o final de 2010, o governo chinês vinha adotando uma série medidas na área monetária e de regulamentação para controlar o processo inflacionário e colocar um fim na especulação imobiliária. A demora na obtenção de resultados levou a um exagero na dose das medidas anti-inflacionárias, que se revelaram posteriormente de difícil reversão.
Aumento da taxa de juros, restrições ao crédito, redução nos investimentos em infraestrutura, maior regulamentação do setor imobiliário foram algumas dessas medidas adotadas pelo governo chinês nesse período na tentativa de conter a inflação e reduzir o superaquecimento de sua economia.
Embora tenham atingido os objetivos de contenção inflacionária, essas medidas tiveram como consequência a redução do nível de crescimento econômico maior do que a expectativa das autoridades econômicas chinesas. Mesmo com a reversão de muitas delas, a resposta da economia chinesa não tem sido aquela esperada.
A redução do dinamismo das exportações como consequência da deterioração das economias ocidentais tem sido outro fator que vem afetando o crescimento da economia chinesa. O crescimento das exportações, juntamente com a taxa de investimento ao redor de 50% do PIB, têm sido os dois fatores que historicamente mais vêm contribuindo para o crescimento da economia chinesa.
A combinação da crise mundial sobre as exportações e o efeito das medidas anti-inflacionárias sobre a taxa de investimento são hoje os principais fatores que vêm ocasionando essa mudança no comportamento recente da China.
Os esforços para aumentar o consumo interno das famílias têm sido expressivos e têm mostrado bons resultados, mas não de forma suficiente para contrabalançar as perdas verificadas no setor exportador e nos investimentos.
Esse fenômeno era de certa maneira esperado, pois, enquanto o setor exportador representa um efeito exógeno sobre a economia, a elevação do consumo interno é muito mais dependente de mudanças estruturais profundas, como a questão da previdência social, que dá mais tranquilidade para as pessoas consumirem e mudarem hábitos arraigados, como a elevada propensão a poupar dos chineses. Essas mudanças se encontram em andamento, mas, dada a sua natureza estrutural, levarão mais tempo para mostrar seus efeitos positivos.
Nesse meio tempo, os problemas vêm se tornando mais aparentes, aumentando a repercussão mundial de suas consequências não somente em termos do suposto encerramento do ciclo benigno do crescimento chinês como também um suposto inicio de um período de decadência antes de atingir seu apogeu.
Acredito que nem uma coisa nem outra sejam verdadeiras. O ciclo de crescimento da economia chinesa ainda não se encerrou, e o que estamos vendo é apenas uma redução no seu nível como consequência de um ajuste natural em que a redução mais rápida dos investimentos e das exportações como proporção do PIB não é imediatamente compensada pelo crescimento do consumo interno.
Nesse processo de ajuste com crescimento do consumo interno, será inevitável a adoção de medidas sociais importantes como a introdução de um sistema previdenciário que garanta assistência médica, hospitalar e aposentadoria para todos os chineses.
Também é possível que o tradicional superávit comercial da China em relação ao resto do mundo se reduza de forma mais acentuada ou mesmo seja eliminado, o que traria uma grande contribuição na redução dos desequilíbrios do comércio mundial.
Muito mais do que uma decadência, acredito que a economia chinesa possa estar entrando num processo ainda mais virtuoso, com expansão do consumo interno, melhoria do nível de vida dos chineses e redução dos impactos negativos que o modelo anterior de crescimento ocasionava sobre o comércio mundial.
O melhor balanceamento interno da economia, com aumento relativo do consumo das famílias e das importações e redução do investimento e das exportações como proporção do PIB, irão permitir à economia chinesa continuar crescendo de forma saudável e reduzir os desequilíbrios internacionais ajudando na recuperação da economia ocidental.
Esses ajustes não evitarão que a China atinja uma posição de liderança na economia mundial, como consequência de sua grande população e da melhoria no seu padrão de vida que, em última análise, é o objetivo maior de todo processo de desenvolvimento econômico.
Muito mais do que um problema para os chineses e para o mundo, enxergo o processo atual que se verifica na China como um ajuste benigno não somente para os chineses como também para o resto do mundo. Se essa visão é correta ou não, como sempre, caberá à história responder.
José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada a cada 14 dias, às quartas-feiras. Excepcionalmente, sai nesta terça-feira.
Concordo, veja que o conceito de Democracia fica cada dia mais relativo e rarefeito a cada anos .
Os chineses realmente pulverizaram o que significa essa ideologia pois provaram por A+B que são um sistema social mais eficiente .
E o caso do brazil?
Democracia aqui significa a eterna existencia de um Estado profundamente parasita e corrupto, garantindo a permanencia de um pais potencialmente rico no sub-desenvolvimento eterno.
Abraços
Não é bom questionar resultados, e é isso que o povo chinês entrega, muiiiiiito resultado. Eu já falei com muitos chineses, e eles não estão assim tão preocupados com a democracia, eles já entenderam que a democracia é apenas uma idéia vaga, na prática, o governo chinês é apenas mais franco, que o nosso modelo ocidental.
Ronaldo,
Democracia é um conceito antigo, mas uma realidade muito recente na história da humanidade.Seus inventores, os gregos, tinham escravos. Em cinco mil anos de história, os chineses nunca souberam o que é democracia, mas nós, ocidentais, achamos que é melhor para eles. Democracia não é concedida, é obtida. Quando os chineses acharem que a querem, eles a obterão, não porque nós ocidentais achamos que eles merecem, mas sim porque eles fizeram por merecer.