Nem dilúvio limpa o ar de Pequim
26/07/12 12:27Fabiano Maisonnave, de Pequim
A pior parte de viver em Pequim é respirar. Aos que me perguntam se o ar daqui é tão poluído quanto o de São Paulo, respondo sem o risco de exagero: os piores dias na capital paulista, aqueles de inverno com inversão térmica, são praticamente iguais aos melhores dias de Pequim.
Viver nestas condições transforma o simples ato de abrir a janela do apartamento em uma difícil decisão. Nestes dias quentes de verão, em meio a uma grave crise de bronquite, não sei o que é pior: ligar o ar condicionado ou substituí-lo pela brisa poluída?
No inverno, quando a maioria dos dias é de temperaturas negativas, o dilema se transfere para o banheiro: é melhor deixar a janela aberta e enfrentar o ar gelado e podre ou se encerrar com o terrível fedor que emana do ralo e que nem três encanadores conseguiram consertar?
Em pouco mais de dois anos aqui, acho que o problema está piorando. Fiquei ainda mais convicto depois que Pequim submergiu sob a chuva mais forte a atingir a cidade em 60 anos, no último sábado.
O dilúvio de 16 horas ininterruptas deixou 77 mortos, provocou o cancelamento de mais de 500 voos e deixou um prejuízo de US$ 800 milhões, segundo números oficiais. Numa reação parecida à que se vê em São Paulo, nas horas seguintes, a enxurrada foi de críticas na internet contra o despreparo da cidade em lidar com a situação.
Para o bem ou para o mal _afinal, sou repórter_, desembarquei em Pequim algumas horas depois do dilúvio, no domingo de manhã. Ainda sem saber das notícias, pude ver várias ruas alagadas e sujas da janela do trem suspenso que liga o aeroporto à cidade (para inveja de São Paulo: apenas R$ 8 por uma viagem de 40 minutos). No alto, um raro e belo céu azul.
Depois de ver as imagens da enchente, a tragédia não me pareceu tão grande em comparação ao que estou acostumado no Brasil e em outras situações de enchente pela China. Sendo a capital do país, é natural mesmo que a repercussão seja maior, ainda mais porque muitos acham que a Pequim já é uma cidade de “classe mundial” após as Olimpíadas de quatro anos atrás.
O que me surpreendeu mesmo foi o pouco impacto que a chuva teve na poluição aérea, que aqui só alivia temporariamente depois de uma chuva torrencial ou de um vento forte.
De acordo a medição feita pela Embaixada dos EUA em Pequim, a qualidade do ar só permaneceu boa até as 14h da segunda-feira. Ou seja, a pior chuva em 60 anos só conseguiu manter Pequim saudável por dois dias. Desde terça-feira, o céu cinza se instalou novamente (e nesta quinta-feira está particularmente feio, num tom marrom brilhante).
Para quem mora aqui, é mais do que lugar-comum falar mal do ar pequinês. Ver o céu azul é uma exceção em meio a sequências longas de dias cor de chumbo. Os mais assustados usam máscaras, os abastados compram purificadores e outros tantos acabam abandonando o país, principalmente quem tem filho pequeno e um passaporte estrangeiro.
O governo chinês reconhece o problema, mas tem pouco espaço de manobra. Com 70% da matriz energética movida a carvão e milhões de trabalhadores em fábricas altamente poluentes, qualquer medida mais radical teria um profundo impacto na economia.
A aposta, parece, é seguir o caminho de países ricos, como o Reino Unido e o Japão: crescer e poluir primeiro para limpar depois. Mas, dada a escala chinesa, com seu 1,35 bilhão de habitantes, a dúvida é se o país _e o planeta_ terão tanta flexibilidade desta vez.
Quem viver , verá!
È possivel prever algo mais?
Abraços