A China descobre o Brasil: o primeiro capítulo das relações sino-brasileiras
27/07/12 13:10Por Eric Vanden Bussche, de Taipé (Taiwan)
Em 1889, um alto burocrata da corte imperial chinesa, Kang Youwei, não se encontrava muito otimista quanto ao futuro do seu país. Rebeliões internas, crises fiscais e o avanço do imperialismo europeu ameaçavam as instituições da dinastia Qing (1644-1911). Em meio às dúvidas acerca da sobrevivência da China como uma nação, potências européias como a Inglaterra, Rússia e França já discutiam como partilhar o país. Foi nesse contexto que Kang Youwei sugeriu a emigração em massa e a fundação de uma “nova China” no Brasil. Só assim seria possível evitar a extinção do povo chinês e de sua cultura.
Por que Kang Youwei escolhera o Brasil, um país que ele nunca visitara? Segundo o historiador Mao Haijian, a atração de Kang pelo Brasil pode ser explicada pelos estreitos laços de amizade que cultivava com comerciantes chineses em Macau responsáveis pelo transporte de emigrantes ao continente americano. Ao defender o seu projeto, Kang destacava as terras férteis do vasto território brasileiro, a riqueza natural do rio Amazonas e, principalmente, aquilo que enxergava como o principal atrativo: uma população de apenas oito milhões, o que permitiria ao país absorver as levas de imigrantes que construiriam uma nova China.
A ideia de estabelecer uma China nos trópicos nunca chegaria a ser concretizada, mas marcaria uma mudança de atitude do império Qing em relação ao Brasil.
Historiadores chineses e brasileiros insistem em marcar a chegada de trabalhadores chineses ao Rio de Janeiro em 1810 como o início das relações entre ambos os países. Na verdade, as raízes dos contatos sino-brasileiros se encontram no comércio marítimo português nos séculos 17 e 18. Embora a Coroa portuguesa proibisse o comércio entre Macau, no sul da China, e o Brasil, navios portugueses que chegavam aos portos de Salvador, Recife e Rio de Janeiro abasteciam o mercado com sedas, porcelanas e até braços chineses. Segundo o acadêmico Charles Boxer, há indícios documentais que apontam a participação de trabalhadores chineses na extração de ouro em Minas Gerais durante o século 18.
Os chineses também se beneficiaram desse comércio. Navios portugueses que aportavam em Macau traziam produtos como mamão, mandioca, cacau, goiaba e borracha.
Mas a corte Qing nunca demonstrara muito interesse em aprofundar essa relação. Os poucos escritos que circulavam na China sobre o Brasil _em sua maioria traduções de enciclopédias geográficas européias_ caracterizavam o país como uma região exótica e primitiva, onde peixes gigantes serviam como o principal meio de locomoção e as mulheres preferiam cobrir o seu corpo com os seus longos cabelos em vez de roupas.
Esse desinteresse ficou evidente em 1879, época em que o Brasil resolveu enviar uma missão diplomática à China para negociar o estabelecimento de relações formais entre ambos os impérios. Essa missão diplomática, liderada por Eduardo Calado e Artur Silveira da Mota, tinha como objetivo principal a negociação de um tratado que assegurasse a emigração de chineses para suprir a carência de braços nas lavouras de café.
Mas mesmo antes da partida da missão, diplomatas chineses na Europa tentaram persuadir os representantes brasileiros a abandonarem a ideia, pois não havia nenhum interesse da corte Qing na negociação de um tratado. Além disso, a corte Qing não estava disposta a estimular a emigração de seus súditos ao Brasil, temendo que eles fossem sujeitos às mesmas condições deploráveis de trabalho que em outros países do continente americano.
A missão brasileira resolveu ignorar as resistências do governo chinês e seguiu rumo à cidade portuária de Tianjin, próxima à capital, Pequim. Ela foi recebida por Li Hongzhang, um dos ministros mais influentes da corte Qing. Em seu relato desse primeiro encontro, os enviados brasileiros enfatizaram a sua surpresa com a falta de conhecimento do ministro chinês sobre o Brasil: “A nós o que causou admiração foi a ignorância completa do vice-rei em matéria de geografia; pois entre muitas questões pueris que propôs, relativamente aos nossos limites, perguntou se o Brasil era banhado pelo mar.” Segundo os diplomatas, Li Hongzhang não perdeu a oportunidade de comparar ambos os países e assinalar a superioridade da China em certas áreas. Devido aos maus-tratos que os trabalhadores chineses sofriam em Cuba e no Peru, Li Hongzhang também se opunha à emigração dos súditos de seu império para as lavouras de café.
A missão brasileira conseguiu, após longas negociações e graças à interferência da Inglaterra, assinar um tratado estabelecendo relações formais com a corte Qing. A forte oposição de Li Hongzhang e outros ministros da corte, porém, frustrou as repetidas tentativas brasileiras de incluir no tratado uma cláusula estimulando a emigração de trabalhadores chineses.
A posição da dinastia Qing em relação ao Brasil, entretanto, passou por uma transformação com a visita do militar Fu Yunlong ao Brasil, em 1889. O militar havia sido enviado ao Japão e ao continente americano pelo Zongli Yamen (o órgão do governo Qing responsável pelas relações exteriores) para coletar informações sobre esses países. Após permanecer no Brasil durante um mês (de 7 de março a 5 de abril de 1889), Fu Yunlong preparou um relatório que enterrou as resistências da corte Qing em relação à emigração de coolies chineses ao país. Para Fu, os trabalhadores chineses no país se dedicavam ao cultivo do chá e, ao contrário dos coolies no Peru e em Cuba, não sofriam maus-tratos. Ele enfatizou as oportunidades que o Brasil oferecia aos imigrantes: a abundância de terras virgens e minas a serem exploradas.
Mas a partir desse período, o governo brasileiro passou a reavaliar os seus esforços diplomáticos no Extremo Oriente. A ascensão do Japão como potência regional e os obstáculos enfrentados até então para a contratação de trabalhadores chineses levaram o Brasil a redirecionar as suas atenções em direção a Tóquio.
Estima-se que apenas 2.000 trabalhadores chineses tenham chegado ao Brasil durante o século 19, um número irrisório se comparado às centenas de milhares de japoneses que desembarcaram em São Paulo entre 1908 e o início da Segunda Guerra Mundial.
A famíla de meu amigo fugiu da China para Taiwan após a vitória dos comunistas e depois imigrou para o Brasil, seu pai era “ligado” ao consulado de Taiwan em SP
off-topic
ao ler o nome Fu lembrei-me de uma piada postada no twitter por uma Fu :
Not my dad, 3 Chineses, Bu, Chu & Fu, change names to seem American: Bu to Buck, Chu to Chuck. Fu got sent back to China.
Scarlet Fu (Bloomberg)
Fiquei feliz ao visitar o blog e entender um pouco da origem da relação sino-brasileira. Espero que nossos países possam construir uma história nova em matéria de relacionamento entre povos, mais harmônica e sem culpas.