Vesti la Giubba*
02/08/12 15:32Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro
Causou comoção nos Estados Unidos a informação de que os atletas americanos iriam utilizar, durante os Jogos Olímpicos, uniformes Ralph Lauren “made in China”. Congressistas, senadores, industrialistas e formadores de opinião, todos se juntaram para criticar tal fato, tendo o senador Harry Reid, democrata de Nevada e líder da maioria no Senado, declarado: “Eu penso que eles (o comitê olímpico americano) deveriam pegar os uniformes, colocá-los em uma pilha e queimá-los todos e começar de novo”.
Em um artigo na revista “Foreign Policy” intitulado “O futuro da manufatura é na América, e não na China”, Vivek Wadhwa diretor de pesquisa da Universidade Duke, aborda o tema dos uniformes chineses usados pelos atletas americanos vaticinando que o uso da inteligência artificial, da robótica e da manufatura aditiva (3D printing manufacturing) iriam recuperar a indústria americana de tal forma que, em 2020, ocorreriam protestos na China porque os atletas chineses estariam usando uniformes americanos produzidos mais competitivamente pela superior tecnologia americana.
Após a bomba de nêutron que só matava as pessoas e mantinha os ativos intactos, a mais capitalista de todas as armas de destruição em massa, agora os americanos desenvolverão as fábricas sem trabalhadores. Com elas, eliminariam a competitividade da China, segundo eles, baseada em subsídios governamentais, salários baixos, depredação ambiental e moeda artificialmente desvalorizada.
Entre outras observações semelhantes carregadas tanto de xenofobia como de sinofobia, Wadhwa desfila uma série de razões pelas quais os americanos irão recuperar sua hegemonia industrial. Só não explica como esse salto de produtividade, causado por essas novas tecnologias, iria recuperar empregos nos Estados Unidos, a não ser nas fábricas de robôs. O problema, como disse um leitor ao comentar o artigo, é que provavelmente seria mais barato para as empresas americanas produzir esses robôs na China ou em qualquer outro país asiático.
É impressionante que, à medida que a China mantém seu crescimento em meio às dificuldades dos americanos em administrar esta crise que já dura cinco anos, mais eles se parecem com as repúblicas latino-americanas que passaram toda sua história até hoje culpando a América e outros países desenvolvidos pelos seus problemas. Só que, neste caso, os culpados das mazelas americanas são os chineses.
É irônica essa reação dos americanos se considerarmos o papel fundamental que eles tiveram no processo de desenvolvimento econômico da China. Geopoliticamente, os americanos vislumbraram na China mais forte na fronteira com a Rússia uma preocupação a mais para o urso soviético em plena Guerra Fria.
Economicamente, uma China mais aberta e mais capitalista representava uma alternativa para as empresas americanas utilizarem a sua farta mão de obra disciplinada, não sindicalizada e mais barata para enfrentar a competitividade dos japoneses e outros tigres asiáticos com suas marcas próprias.
Investiram seu capital na China, passaram a produzir mais e mais nesse país e abriram o seu mercado para os produtos americanos “made in China”.
O plano era bem intencionado, mas as coisas não saíram exatamente como os americanos planejaram, pois, geopoliticamente, a União Soviética já não mais existe, e os chineses estão mais próximos do que restou dela do que dos próprios americanos. Economicamente, a China se desenvolveu tanto que hoje é vista como uma ameaça à hegemonia americana e causa de tanta preocupação como o artigo de Wadhwa revela.
O que os americanos não dizem é que esse fenômeno é produto do mercado e do processo de acumulação capitalista que os americanos exportaram para a China e estimularam os chineses a adotar em razão de seus próprios interesses geopolíticos e capitalistas.
Com sua capacidade de trabalho, pragmatismo e uma boa ajuda ocidental, os chineses, em pouco mais de 30 anos transformaram uma economia rural, agrícola, de subsistência, pré-capitalista, pré-socialista e pré-histórica em uma moderna economia capitalista urbana, industrial e de mercado.
Saíram dos sinais de fumaça e do pombo correio para a moderna telefonia móvel 3G. Do arado e máquinas tracionadas por animais ou seres humanos para os modernos tratores e máquinas acionadas a energia elétrica. Do uso dos pés, animais e bicicletas como meios de transporte aos automóveis, trens, metrôs e aviões. Dos barcos de junco para os navios. Da tecnologia do bambu para os materiais sintéticos. Do escambo para o cartão de crédito.
Cerca de 1,3 bilhão de chineses, mais do que europeus, norte americanos e japoneses juntos, levaram um décimo do tempo destes para realizar a mesma coisa. Foi a segunda Longa Marcha, agora em passo acelerado e envolvendo não somente as tropas de Mao mas toda a China. Uma nova Revolução Industrial restrita a um país em marcha forçada. Um salto quântico de produtividade que ainda não aterrissou.
E o mundo todo foi beneficiado por esse salto quântico. A inclusão social não foi somente na China mas também nas favelas do Brasil e de toda América Latina , nos guetos e tribos africanas, entre as castas e vilas indianas, nas favelas e nos campos do Sudeste Asiático .
Tudo isso feito pelo pragmatismo do Partido Comunista Chinês apoiado pelo pragmatismo e interesses geopolíticos e econômicos americanos! Os americanos e europeus deveriam se orgulhar de sua obra e dos benefícios que ela trouxe para todo o mundo no melhor exemplo prático da teoria da mão invisível de Adam Smith.
Partindo de um americano, esse artigo é sobre o professor renegando sua própria lição depois de ensinar um aluno aplicado e diligente. Ensinaram aos chineses o seu sistema econômico, deram a eles o capital, a tecnologia e a eles concederam amplo acesso a seus mercados. A maravilha de Deng Xiaoping e da abertura chinesa, de Kissinger à Coca Cola, as vantagens do capitalismo e da economia de mercado sobre o sistema socialista de produção.
Tivessem lido Zhou Enlai ou Deng Xiaoping saberiam das quatro modernizações chinesas, Agricultura, Indústria, Ciência e Tecnologia e “Defesa Nacional”.
Tão preocupados com a diferença do sistema político chinês em relação ao seu sistema democrático ocidental, os americanos poderiam ter, pelo menos, negociado a quinta modernização, democracia à maneira ocidental, esta sim talvez o maior desafio à competitividade chinesa.
Mas não o fizeram, talvez porque achassem que, mantendo o sistema, o capital correria menos risco, e seu retorno seria maior. Os americanos nunca tiveram problemas em conviver com regimes não democráticos se isso atendesse melhor seus interesses econômicos. De Fulgêncio Baptista a Fidel Castro, os americanos se posicionaram diferentemente, mas qual a diferença fundamental entre um e outro? Apenas a forma como um e outro trataram os interesses americanos!
E assim tem sido, na América Latina, no Oriente Médio, na Ásia ou especificamente na China. Qual a diferença entre Mao Zedong e Deng Xiaoping?
Os americanos, por meio dos dos republicanos Nixon e Reagan, seguidos pelo clã Bush e pelo democrata Bill Clinton, criaram um bicho papão, abriram a caixa de pandora e agora será difícil para seus sucessores reverterem esse quadro enquanto a China e a Ásia tiverem a seu favor os ganhos de produtividade estrutural e o crescimento de mercado decorrentes da urbanização.
É a criatura contra o criador! Os americanos e o Ocidente vão precisar de toda a tecnologia e inovação que puderem desenvolver, mas desta vez não terão a mesma vantagem que a Royal Navy, Marinha Real Britânica, teve quando aportou na China há dois séculos.
Os chineses passaram por um treinamento intensivo em capitalismo, economia de mercado e acumulação de capital. A China se modernizou e forma quase um milhão de engenheiros por ano, algumas dezenas de milhares deles em universidades americanas e europeias de ponta. E tem mais gente fazendo pesquisa na China hoje do que em qualquer parte do mundo. E embora muitos de seus novos milionários estejam deixando o seu país para gozar das suas fortunas no exterior, a diáspora chinesa está voltando para casa muito bem preparada pelo sistema capitalista em busca das oportunidades já não tão abundantes no Ocidente.
Alguém disse que Marx era um excelente filósofo, um mau economista e um péssimo profeta. Mas um dos seus mais aplicados seguidores, Lenin, se revelou pelo menos muito melhor profeta ao dizer que “os capitalistas venderão a corda com qual serão enforcados”! E ainda forneceram o capital, a tecnologia e abriram seu mercado para dar escala a seus carrascos!
A forma como os americanos e muitos europeus reagem à ascensão da China é no mínimo hipócrita. Faça o que eu digo, mas não faça o que eu fiz! Culpar os chineses pelas mesmas coisas que eles fizeram no passado e agora culpá-los também pelas suas próprias mazelas é a mesma reação que sempre criticaram nos latino americanos.
O artigo em questão desse professor universitário americano e a quixotesca reação do Senador Harry Reid aos uniformes Ralph Lauren “made in China” usados pelos seus brilhantes atletas olímpicos nada mais representam do que vestir a carapuça e reconhecer o erro que cometeram ditado pela lógica do mercado e de seu sistema de acumulação, a contradição fundamental do capitalismo tão bem profetizada por Lenin quase um século atrás.
Caro José Carlos: PARABÉNS pelo excelente artigo.
Tenho admiração tanto pelos EUA quanto pela China, e sempre acompanho as movimentações desses dois países e a incrível relação que eles têm (óbvio que me falta experiência e conhecimento, pois ainda tenho 24 anos e um longo caminho pela frente).
Digo, com toda certeza, que este foi o melhor artigo que li sobre a relação entre americanos e chineses, com fatos históricos que eu pouco conhecia e que, agora, irei me aprofundar.
Mais uma vez, PARABÉNS!
Os Estados Unidos foram uma colônia britânica, se libertaram e se tornaram uma grande nação. A China também sofreu, talvez até mais, na mão dos ingleses e japoneses, se libertou e também está se tornando uma grande nação. Realmente são dos países dignos da nossa admiração, cada um a seu modo, excelentes exemplos para países como o Brasil.
Caro Martins,
Parabens pelo excelente artigo. Alias, recomendo a sua leitura ouvindo a mesma aria cantada pelo Andrea Bocelli. Uma duvida: qual seria a principal incompatilidade entre o aumento da produtividade chinesa e a democracia? Por que a quinta modernizacao seria “perigosa”?
Obrigado
André, nada é incompatível com aumento da produtividade. A produtividade é a única solução para o conflito distributivo. Permite a povo melhorar o nível de vida e ao amesmo tempo aos apitastes acumular. A incompatibilidade é entre o sistema de partido único sem representatividade popular e o processo de acumulação. De alguma fora as empresas estatais e os novos capitalistas tentarão controlar o processo a seu favor e não há como o cidadão comum arbitrar nesse processo. A quinta modernização seria perigosa para os que são favorecidos pelo processo atual.
EUA: ensinam e defendem com unhas e dentes o Capitalismo e Livre Mercado; pregam e amamentam a Globalização, mas se prendem ao ego do Patriotismo Hipócrita, embalsamado e submergido na delícia da gordura de interesses próprios.
sensacional. os estado unidenses se acham o umbigo do mundo, tomara que a ficha deles caia logo.
VESTI LA GIUBA,,,, NAO E UMA ARIA,,, E UMA FALA DA OPERA,,, PAGLIASSI,,,, RSSSS
E SIGINIFICA,,,VESTE A ROUPA DE PALHAÇO…. POIS NAO IMPORTA O Q ACONTECE AO PALHAÇO,,,, NO PICADEIRO ELE TEM Q VESTIR A SUA VESTIMENTA,,,,RS
O blog mantém a explicação.
Caro Jean Pierre, Vesti la Giubba é uma ária da ópera Il Pagliacci de Leoncavallo, que descreve o estado de espírito do palhaço que tem que vestir sua indumentária e fazer a plateia rir, embora por dentro estivesse chorando após saber que sua amada esposa o traíra. O show tem de continuar. No filme “Os Intocáveis”, com Sean Conery e Kevin Coster, essa ópera é cantada enquanto uma série de assinatos são cometidos a mando de Al Capone, que ao final da ária chora e limpa suas lágrimas com um guardanapo. Imperdível! A expressão também é usada para demonstrar ironia e satirizar alguma situação bizarra.
Excepcional! Extraordinário ponto de vista, patente a uma nova liderança mundial. Mas, não haverá mais uma super-potência suprema neste planeta, como houve no passado.
excelente materia, trouxe luz brilhante ao meu conhecimento quanto ao desenvovimento chines, e, por ironia do destino, como bem explicou,o tiro saiu pela culatra, ganancia do capitalista americano, desindustrializacao e
desemprego foi o que sobrou para os ianques.
Esse Sr. é admirador do socialismo Chinês, só que ele esquece que a bolha que apareceu na America e Europa que foi mais profunda no setor imobiliário e financeiro, tambem pode aparecer e desenvolver em qualquer parte no mundo inclusive na China; as nacões devem estar com seu sistema financeira muito bem blindado para resistir o pior.
Caro Shmuel, a China é governada pelo Partido Comunista mas sua economia, além das empresas estatais, têm muito pouco a ver com o socialismo. É uma economia capitalista de mercado. Quanto às bolhas financeiras, toda economia está sujeita a esse fenômeno. A desaceleração atual da economia chinesa decorre das medidas adotadas pelos chineses para evitar isso. Realmente, tenho grande admiração pela China e pelo pragmatismo dos seus lideres que, apesar de comunistas, abraçaram um sistema econômico que realmente funciona, a economia de mercado.
Logo, são comunistas por tradição e não por essência.
Os soviéticos já não eram comunistas, que dirá os chineses de hoje.
Pragmaticamente a função dos comunistas não é mais acabar com o capitalismo mas sim aperfeiçoar o capitalismo. O comunismo como sistema economico não funcionou em lugar nenhum.
Meu amigo Jose Carlos, primeiro quero demonstrar minha admiracao pelo seu conhecimento sobre a China.
Nao sou comunista nem outro sistema, mas sempre que a palavra comunismo eh mencionada, sinto que algo de ruim, diabolica e pejorativa eh atribuido a mesma, estou certo ?
Não da minha parte, Lucas. O comunismo foi uma opção política e social que emergiu como consequência das contradições internas do sistema capitalista. As condições de vida dos trabalhadores industriais na Europa, sujeitos ao processo de acumulação capitalista, no século 19 eram tão extremas que criaram condições para surgimento de movimentos sociais procurando soluções alternativas entre elas o comunismo.Embora cheio de boas intenções, o sistema economico baseado na ditadura do proletariado, planejamento central, controle estatal dos meios de produção, eliminação da iniciativa privada e da propriedade privada se revelou iineficaz e gerou distorções ainda maiores no sistema político. O comunismo na sua forma pura fracassou onde foi implantado. A social democracia foi uma alternativa ao comunismo pois mantém os alguns objetivos sociais do comunismo e as vantagens do sistema capitalista. Os chineses estão tentando trilhar um caminho semelhante mantendo a hegemonia do Partido Comunista. A questão para a China é compatibilizar uma contradição fundamental do seu sistema, pois o processo de acumulação capitalista e a economia de mercado não são compatíveis no longo prazo com a estrutura de partido único e decisões políticas centralizadas. Isso gera tensões que não sào dissipadas pelo sistema político (alternância no poder, representatividade, leis e regras estáveis). Mas eu acredito que os chineses, com seu pragmatismo, irão superar essa dificuldades e evoluir seu sistema político para acomodar essas tensões.