Movendo-se em ondas, empresariado chinês se afasta dos Brics
13/08/12 12:24
Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai
Na China, tem-se frequentemente a impressão de que os diversos segmentos da atividade empresarial privada movem-se em ondas. Para onde vai uma empresa, vão as demais. Há sempre muita competição e muita imitação.
Em outros países, é verdade, os empresários respondem a estímulos gerados pelos mercados ou pelos governos de forma mais ou menos semelhante. Aqui, além da reação comum aos estímulos, há uma tendência irresistível ao comportamento padronizado. É raro encontrar, por exemplo, um grande grupo que não tenha um pé no segmento da construção. É raro ver uma grande empresa investir num determinado país sem que os seus concorrentes o sigam. Basta olhar o mercado de automóveis chineses no Brasil. De repente, tornou-se alvo de um bom número de marcas.
Dá-se, no setor real, o comportamento de manada tão característico do setor financeiro. Como o mercado é gigantesco, quando uma iniciativa empresarial é bem-sucedida, multiplicam-se as empresas que entram nela. Os que entram mais tarde, fazem-no frequentemente sem economicidade. Mas entram assim mesmo. A concorrência pesada e sem critério passa a operar em desfavorecimento de todos. Os mais fracos começam a quebrar. Em seguida, dá-se um esforço de consolidação. Sobrevivem os melhores, não necessariamente os maiores.
Há dias, um banqueiro em Xangai me deu explicações filosóficas para essa realidade. O mundo econômico, chinês, disse-me ele, funciona de acordo com a lógica de Lao Tzu, mestre do taoísmo, segundo o qual tudo no universo está permanentemente sujeito às variações da natureza. As coisas devem acontecer livremente, sem análises profundas. O próprio Lao Tzu nem mesmo escreveu suas ideias para que elas não se transformassem em dogmas.
Em outras palavras, é melhor deixar o empreendedorismo livre, para acertar e para errar. O cenário sempre se acomodará por si só.
Meu interlocutor mencionou que, dada a permanente tendência das empresas a fazer o que outras fazem _ainda que incorrendo em erro_, as instituições financeiras confiam pouco nos números que lhes são trazidos pelos clientes. O seu banco, complementou, busca sempre avaliar a qualidade pessoal dos empresários que o procuram, sua capacidade de sobrevivência quando algo começa a funcionar mal. Suas agências mandam relatórios à matriz descrevendo as características de personalidade dos dirigentes das empresas. Os banqueiros aproximam-se dos dirigentes para conhecer os seus hábitos e relatam naturalmente o que acham, sem qualquer medo de estar violando a privacidade individual. Uma prática ao extremo da norma “conheça o seu cliente”, que é hoje obrigatória nos bancos do mundo inteiro, para levar os gerentes de agências a identificar operações que denotem lavagem de dinheiro.
Digressões à parte e descontados os exageros, há sempre o que observar no comportamento empresarial coletivo.
A propósito, o jornal “China Daily” de 9 de agosto noticiou o resultado de um estudo da Ernest & Young segundo o qual 32% dos empresários chineses acreditam que, nos próximos três anos, as melhores oportunidades de investimento fora da China estarão na Europa. Em seguida, viriam o Oriente Médio e o norte da África, com 29% das preferências, e os Estados Unidos, com 22%.
Há dois ou três anos, quem encontrasse um empresário chinês disposto a investir no exterior ouviria certamente uma profissão de fé nas oportunidades dos Brics. Agora, os Brics estão em baixa, e a Europa, em alta. Segundo a Ernest and Young, investimentos externos em energia e recursos naturais deixaram de representar o alvo dos que procuram oportunidades. Tecnologia, agricultura e propriedade são as escolhas do momento.
Os empresários avaliam que, com o PIB crescendo a taxas mais baixas, as necessidades de alguns recursos primários serão menores. Daí o desinteresse momentâneo relativo pelos Brics.
Ao lado disso, os que numa primeira instância procuraram os Brics e outros países de renda média começaram a entender as dificuldades. Em países como o Brasil e a Argentina, as oportunidades em agricultura se escassearam com as limitações à compra de terras. E as oportunidades em mineração são inviáveis quando as empresas não controlam a logística.
A estratégia agora, no segmento primário, é buscar economias onde há mais liberdade para atuar: África, principalmente. Na boa lógica de Lao Tzu, diria o banqueiro, os empresários vão à cata de locais onde há menos regras.
Mas quem vai ao exterior já está, por princípio, além dos ensinamentos do mestre taoista. Lao Tzu acreditava que as pessoas prefeririam morrer mil vezes a sair de suas casas. Do que se narra de suas reflexões, as pessoas olhariam seus vizinhos e seriam olhados por eles, ouviriam sons maravilhosos da vizinhança, mas nunca se deslocariam até lá.
O empresário chinês moderno pode seguir Lao Tzu em casa. Mas sabe bem que é inevitável se internacionalizar. Aparentemente, por longo período, vai se mover em bandos, atrás da oportunidade do momento. Agora, tudo indica, é a vez da Europa.
Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias.
O taoísmo é admirável enquanto tentativa de interpretação da natureza em todas as suas dimensões, porém seu maior expoente ao se declarar inimigo de todo aperfeiçoamento técnico e complicação das relações sociais não se deu conta de que, precisamente, não era da nossa natureza permanecer numa bucólica sociedade campestre. Acho que Lao delineou uma possibilidade de permanência, como de fato ocorreu com muitas espécies, mas seguramente não com a nossa. A discussão aqui, obviamente, é ampla e passa pelas ciências naturais.
Por isso acho sim pertinente um aporte da filosofia chinesa a uma interpretação da dinâmica da economia de mercado. Embora o pensamento chinês seja sempre referenciado nos meios acadêmicos por primar antes pela intuição básica das coisas do que pela análise detalhada das mesmas, sempre costumar jogar interessantes luzes sobre temas que ainda estamos muito longe de aclarar. A economia, muito especialmente.
Na analise de marcos caramuru os chineses irão investir na europa, oriente medio ,norte da africa e nos eua.O que esperar de um país comunista politico com um pe no capitalismo de mercado que não valoriza seus entes do BRICS.Vão investir nos EUA QUE É SINOFOBICO AOS CHINESES tanto na area comercial/financeira quanto militar.Se confucio vivo estivesse certamente iria opinar contra as diretrizes dos chineses.\pobre brasil que depende das exportaçoes de materias primas primarias. Se um chines pegar uma gripe vamos morrer de H1n1.
Caro Marcos, muito interessante sua análise. Porque não a América do Norte? Faria muito mais sentido considerando-se a diáspora chinesa, o livre mercado, o comércio já existente, o acesso a tecnologia de ponta, energia mais barata, o mercado consumidor enorme, o volume de títulos americanos que a China detém. O único fator restritivo que eu vejo é a crescente sinofobia dos americanos. Os americanos tendem a ver como ameaça toda nação cujo crescimento desafie sua hegemonia. Os russos, os alemães e os japoneses já exerceram esse papel desafiador no imaginário americano. estariam os chineses temendo esse comportamento hostil dos americanos ao optar pela Europa?
José Carlos