O sistema chinês de conquista de medalhas está perdendo apoio
16/08/12 08:08
Nota do editor: devido ao intenso debate sobre o modelo chinês de preparação olímpica na semana passada, o blog convidou o jornalista esportivo chinês David Yang a escrever um artigo sobre o assunto.
Por David Yang, de Chengdu (sudoeste da China)
Talvez porque Pequim tenha sediado os Jogos há quatro anos, as Olimpíadas de Pequim estiveram no centro do noticiário de quase todos os jornais chineses. As reportagens cobriam desde histórias heróicas até decisões de árbitros controvertidas para atletas chineses. Mas um tópico estava ausente: a discussão do sistema esportivo chinês inspirado no estilo soviético.
O sistema de esportes chinês é popularmente conhecido como ju guo tizhi, ou “o regime esportivo de toda a nação”, pelo qual os atletas são selecionados com pouquíssima idade na maioria dos esportes e colocados para treinar em milhares de escolas de esportes amadoras em todo o país, fundadas pelos cofres públicos. Quando certo nível esportivo é alcançado, os atletas muitas vezes assistem a poucas aulas para ter mais tempo de treinamento. E seus colegas da mesma idade, por sua vez, têm negadas as chances de prática esportiva.
As escolas de esportes são famosas por sua capacidade de ajudar atletas em modalidades que exigem métodos de treinamento repetitivo e são negligenciadas por potenciais atletas ocidentais. Veja-se o levantamento de peso, por exemplo, em que a China colheu cinco ouros e duas pratas nos Jogos Olímpicos. A China agora tem mais de cem bases de treinamento de levantamento de peso, enquanto que em muitos países não é fácil sequer encontrar cem atletas levantadores de peso. Os melhores atletas nessas escolas serão alçados às cerca de 30 equipes provinciais (estaduais) e, em última instância, à equipe nacional.
A ascensão a equipes nacionais a partir de escolas de esportes locais leva de sete a oito anos. E não é de graça. Alguns calcularam que, para ganhar uma medalha de ouro em Atenas-2004, o governo chinês investiu mais de 600 milhões de yuan [R$ 190,6 milhões] com atletas, oito vezes mais do que os Estados Unidos e 37 vezes mais do que o Japão. O sistema era tão controvertido que o Departamento de Propaganda do Partido Comunista da China decidiu escondê-lo de praticamente todo o noticiário esportivo.
“Todo o regime de esporte nacional é utilitarista, e é tão falho quanto o nosso sistema educacional”, escreveu o colunista Lian Peng, em seu microblog. “O governo gasta centenas de milhões de yuan todos os anos com atletas de elite e faz vistas grossas para a cultura do esporte entre os cidadãos.”
Esse post foi retuitado mais de mil vezes na internet por cidadãos cada vez mais conscientes dos gastos governamentais com seus impostos.
Em setembro do ano passado, a revista “Sports Illustrated China” realizou uma pesquisa com 500 chineses em mais de dez cidades sobre sua visão com relação à situação esportiva do país. Desses, 60,4% opinaram que a educação esportiva vem sendo bastante negligenciada, e 21,2% dos entrevistados disseram ser irrealista e mesmo uma extravagância perguntar sobre o tema.
Os líderes autoritários chineses provavelmente querem manter o status quo. Na medida em que a equipe olímpica chinesa fomentar, como tem feito, o orgulho nacional dentro da China, o sistema justifica sua legitimidade e ajuda a manter o país unido.
Muitos chineses estão cansados dessa situação. Quando Li Na, uma tenista que abandonou o regime de treinamento desenhado para ela pelo sistema, se tornou o primeiro asiático a vender um torneio simples do Grand Slam (Aberto da França 2011), Liu Yandong, um membro do Politburo, rapidamente cumprimentou a “camarada” Li via internet. Em reação, internautas expressaram um forte descontentamento por ele ter relacionado a tenista, muitas vezes elogiada por ter rompido com o sistema, com o aparato estatal e a linguagem partidária.
Mas o sistema ficará menos competitivo à medida que os jovens chineses estiverem menos inclinados ao chi ku, (“comer amargo”) em suas práticas esportivas profissionais e quando a economia lhes oferecer melhores oportunidades? Essa tendência ainda não se manifestou, haja vista que a Equipe Chinesa ficou em segundo lugar no quadro de medalhas de Londres.
Ou essa mudança ocorrerá organicamente, quando a classe media urbana e os jovens chineses tiverem mais consciência sobre a importância da prática esportiva?
O skate é um esporte que floresceu organicamente com a introdução da cultura pop depois da política de abertura de Deng Xiaoping. E é um esporte que os líderes esportivos do país ignoram porque não é uma modalidade olímpica.
No dia 28 de julho, um dia depois da abertura dos Jogos Olímpicos, um evento de skate em Xian foi reprimido pela polícia local sob a justificativa de falta de autorização. Dois skatistas foram detidos durante uma noite e só deixaram a prisão depois de pagar uma “penalidade” de 30 mil yuan (R$ 9.530).
“Somos um exemplo vivo do desperdício de dinheiro nos Jogos de Pequim”, comentou Dickid, um elogiado promotor da cultura de rua. “A organização classificou o skatismo de ilegal. O esporte que amamos não tem nenhuma relação com as Olimpíadas”
De fato, eventos de skate e BMX, segundo um organizador, são constantemente interrompidos em quase todas as cidades, pois os governos locais têm medo de que qualquer evento com jovens possa acabar com a harmonia.
A mudança no esporte na China deve realmente ser uma decisão de cima para baixo. Os líderes chineses têm de entender que, ao reformar o regime de inspiração soviética, estarão ao mesmo tempo liberando o potencial de 1,3 bilhão de atletas, capazes de obter mais glórias não apenas para o país como também pelo amor ao esporte e para o seu próprio bem-estar.
David Yang, jornalista, escreve para a Sports Illustrated China e para o blog China Sports Review.
Excelente artigo.
É curioso que a República Democrática Popular da Coreia um dos países mais pobres do mundo tenha conseguido 4 medalhas de ouro e 2 bronze;
enquanto a República da China um dos países mais prósperos tenha conseguido 1 prata e 1 bronze
Abs.
Muito bom artigo escrito por um chinês. A China abraçou o mercado na sua economia com excelente resultados. Agora deve fazer isso nos esportes. Preparar suas escolas e suas universidades para incentivar os esportes e atrair e desenvolver talentos esportivos numa perspectiva de mercado e de profissionalização. Desenvolver o interesse do povo pelos espetáculos esportivos e permitir a remuneração dos seus atletas. Esse é a grande razão do sucesso americano nos esportes. Assim como os chineses foram pragmáticos em substituir o modelo soviético pelo americano na economia, devem agora fazer o mesmo nos esportes.
Que ótimo poder ter uma perspectiva chinesa do assunto. Ninguém duvida que o esporte exige anos de prática dura para render medalhas, mas é uma boa reflexão que o resultado pode ser muito mais efetivo se os atletas tem poder de decisão em a sua profissão, e se a escolha não é só um serviço para a pátria