Exportadores de imigrantes ilegais
19/08/12 12:49Por Eric Vanden Bussche, de Taipé (Taiwan)
Há alguns anos, eu estava numa casa de chá em Xuyong, na Província de Sichuan (sudoeste da China), quando uma conversa me chamou a atenção. Cinco senhoras na mesa ao lado falavam com orgulho dos filhos que se encontravam nos EUA. “O meu filho está há mais de dois anos no Texas fazendo dinheiro (zhuanqian),” disse uma. “Tenho dois sobrinhos que estão em Nova York,” disse outra, arrancando olhares de inveja de suas amigas.
Pela conversa e orgulho que essas senhoras demonstravam, parecia que os seus familiares haviam alcançado o seu tão sonhado “American dream”. Mas, ao me interar dos detalhes, descobri que todos esses familiares se encontravam ilegalmente nos EUA. Eles haviam entrado com vistos de turistas para enfrentar uma árdua rotina diária como cozinheiros, operários na construção civil e outros trabalhos braçais. Mas isso não parecia incomodar as senhoras tomando chá naquela tarde em Xuyong. “Graças ao dinheiro que o meu filho me manda, comprei dois apartamentos,” disse uma delas, acrescentando que hoje todos a respeitam. “Antes de meu filho ir aos EUA, eu sempre precisava pedir dinheiro emprestado aos meus familiares e amigas. Hoje são elas que me pedem dinheiro.”
Como muitos pequenos centros urbanos no interior do sul e sudoeste do país, Xuyong se tornou um exportador de imigrantes ilegais. Nessas comunidades, a maioria das pessoas tem um parente ou um conhecido que foi se aventurar como imigrante ilegal nos EUA. “Aqui se mede status social e riqueza pela quantidade de parentes que trabalha ilegalmente no exterior”, me explicou um funcionário do governo. “Somos uma comunidade pobre e, por isso, para melhorar na vida, é necessário ir embora.”
A emigração clandestina de chineses para os EUA começou a ostentar vigor a partir do início da década de 80. Durante as primeiras duas décadas, a maioria dos imigrantes ilegais era proveniente de Fujian, no sul do país. Nesse período, essa Província ganhou fama de exportadora de imigrantes ilegais, a maioria com destino a Nova York. Mas aos poucos essa febre imigratória se espalhou por outras regiões, como Xuyong.
Durante o ápice da imigração chinesa aos EUA, nos anos 90, estima-se que por volta de 50 mil a 100 mil tenham entrado no país ilegalmente por ano, segundo um relatório do Pew Research Center, em Washington. Com o esfriamento da economia após os ataques de 11 de setembro de 2001 e a crise de 2008, esse número sofreu um declínio para 30 mil por ano.
Essa corrente imigratória é controlada pelo crime organizado na China, em especial na Província de Fujian. Mafiosos (chamados de “snakeheads” (cabeças de cobra) pelas autoridades norte-americanas) cobram entre US$ 40 mil e US$ 60 mil para ajudar os imigrantes a chegarem aos EUA. A rota e forma de entrada variam. Alguns entram com passaportes falsos, outros cruzam a fronteira a partir do México e outros chegam escondidos em contêineres de navios. Alguns conseguem até entrar legalmente com vistos de turista emitidos pela Embaixada Norte-americana em Pequim, obtidos graças à apresentação de documentação falsa.
Segundo reportagem do “New York Times”, nos últimos anos essa rede de tráfico de chineses foi obrigada a agir de forma mais criativa para burlar a fiscalização das autoridades norte-americanas. Com o aumento da vigilância nos portos após os ataques de 11 de setembro, o número de imigrantes que entram escondidos em contêineres passou a diminuir substancialmente. Atualmente, uma das rotas preferenciais é a partir do México. Por isso, nos últimos anos, as autoridades norte-americanas têm observado uma maior cooperação entre os “snakeheads” e contrabandistas mexicanos, disse Vincent Picard, porta-voz do Immigration and Customs Enforcement, em entrevista ao “Times”. Segundo a reportagem, o número de chineses presos ao tentarem a travessia do México para o Estado do Arizona também aumentou consideravelmente, de 30 para 332 entre 2008 e 2009.
Essa onda de imigrantes clandestinos mudou a face de Nova York. Nas últimas três décadas, o mandarim e o dialeto de Fujian substituíram o cantonês como a “língua oficial” do bairro de Chinatown, onde estão concentrados esses imigrantes, a maioria trabalhando em restaurantes ou tecelagens. “Até o início da década de 90, oferecíamos sermões apenas em inglês e cantonês”, me disse o padre Raymond Nobiletti, responsável por uma igreja na Mott Street, em Chinatown. “Há alguns anos percebemos a necessidade de oferecermos também sermões em mandarim. Os chineses passaram a lotar a Igreja.” Nobiletti, que aprendeu o cantonês em Hong Kong, estima que por volta de 800 a 900 chineses, a maioria ilegais, assistam aos sermões em mandarim aos domingos.
Kenneth J. Guest, antropólogo do Baruch College e autor de “God In Chinatown,” estima que por volta de 40% dos imigrantes ilegais chineses se encontrem em Nova York. Mas a preferência por essa metrópole tem resultado num excesso de mão de obra clandestina nos últimos anos. Chineses recém-chegados aos EUA têm encontrado grandes obstáculos para conseguirem trabalho nos restaurantes de Chinatown.
“Quando cheguei aqui, era impossível encontrar trabalho,” disse Lin Qingxian, um chinês que conheci quando eu morava em Nova York. Pressionado pela família, Lin abandonara o seu emprego estável numa agência bancária em Fujian para tentar a sorte nos EUA. Ele entrou no país pela fronteira com o México e seguiu rumo a Nova York. “Morar em Nova York deixaria os meus pais orgulhosos, então resolvi me estabelecer na cidade.” Mas, ao chegar, as únicas ofertas de emprego se encontravam em buffets chineses nos Estados do centro-oeste, como Kansas e Nebraska, lugares que Lin nem sequer sabia que existiam. “Arrumar um emprego num restaurante ou numa fábrica de tecidos aqui é quase impossível para recém-chegados sem experiência e sem fluência na língua,” me disse. Sem dinheiro e devendo cerca de US$ 60 mil a mafiosos de Fujian, Lin seguiu para o Kansas. Após alguns meses em Kansas, ele conseguiu, por meio da ajuda de um amigo, arrumar um emprego na construção civil em Nova York.
A atração dos imigrantes chineses por Nova York não se explica apenas pelos melhores salários. “Trabalhar aqui nessa cidade nos dá a sensação de que vencemos na vida”, disse Lin. Ele também reclamou que se sentia isolado no Kansas, onde há poucos chineses. “Para que serve fazer tanto dinheiro se no lugar onde mora ninguém entende
você?”
Segundo o sociólogo Ko-lin Chin, autor de “Smuggled Chinese: Clandestine Immigration to the United States” (chineses contrabandeados: imigração clandestina para os Estados Unidos), a crescente popularidade de restaurantes chineses no centro-oeste dos EUA tem absorvido o excesso de mão de obra clandestina de Nova York. “Quando um chinês abre um restaurante em Detroit, por exemplo, a primeira coisa que ele faz é ligar para uma agência de empregos em Chinatown,” me explicou.
A maioria dos imigrantes ilegais com os quais conversei em Nova York planejava abrir os seus próprios negócios nos EUA. Mas nem todos estavam tão otimistas quanto ao seu futuro. Um deles, Hong Benzhong, um ex-soldado que chegou aos EUA nos anos 90, se mostrava frustrado com a sua situação e não acreditava que sua vida melhoraria no futuro. “Passei anos cortando verduras e esfregando o chão de cozinhas”, disse, acrescentando que estava cansado dessa vida e também não aguentava mais morar num quarto minúsculo sem janela com outras seis pessoas. Ele esperava, entretanto, que seus esforços permitiriam aos seus filhos subir na vida. “É por isso que continuo trabalhando, para dar aos meus filhos um futuro melhor.”