Por onde andará o camarada Xi Jinping?
17/09/12 15:11Por José Carlos Martins, de Londres
Nas últimas duas semanas, a China e o mundo assistiram ao intrigante desaparecimento do provável herdeiro do poder na China, o camarada Xi Jinping. Após sua última aparição, em 1˚ de setembro, quando falou aos alunos de uma escola do Partido, Xi deixou de frequentar o noticiário oficial da China e teria faltado a três compromissos importantes com enviados de governos estrangeiros.
Como os olhos do mundo estão voltados para a sucessão do poder, que deverá ocorrer no próximo mês, esse súbito desaparecimento do homem que deverá ser eleito secretário-geral do Partido Comunista e, por consequência, presidente da China, despertou as mais diversas interpretações e especulações tanto nas mídias sociais chinesas como na imprensa especializada do exterior.
Muitas hipóteses foram aventadas, desde uma simples contusão quando praticava esportes até um atentado contra a sua vida, passando por um acidente de carro, por uma reviravolta no processo de escolha do novo líder e até um ataque cardíaco ou mesmo um diagnóstico de câncer no fígado.
Ao acompanhar o desenrolar desse acontecimento que chamou atenção do mundo inteiro não pude deixar de pensar em uma canção do final da década de 1990 do cantor e compositor Zeca Baleiro, sobre o desaparecimento repentino do ator e comediante inglês Stephen Fry, ocasionado pelo seu desapontamento com críticas negativas sobre sua participação um espetáculo teatral.
A canção carinhosa de Zeca Baleiro, inspirada em uma notícia que ele havia lido no jornal Folha de S.Paulo, perguntava melancolicamente: “Por onde andará Stephen Fry, por onde andará Stephen”? Não resisti e por duas semanas, enquanto acompanhava no noticiário a corrente de comentários e especulações sobre o paradeiro do camarada Xi Jinping, cantarolei comigo mesmo a adaptação dessa canção:
Por onde andará o camarada Xi, por onde andará o camarada Xi? Ninguém sabe do seu paradeiro, ninguém sabe para onde ele foi, para onde ele vai. Conrade Xi maybe felling all alone. Conrade Xi, never do this again, come back home! Se correr o bicho pega, camarada Xi. Se ficar, o bicho “come”!
O processo de escolha dos líderes chineses não é transparente para os chineses nem para o resto do mundo. O modelo político chinês não tem nada a ver com os modelos políticos ocidentais e não é a intenção deste artigo tratar dessa questão. A forma de governo na China é um assunto que deve ser endereçado pelos próprios chineses, que podem comparar sua situação com o resto do mundo e seus modelos políticos alternativos e a partir daí tirarem suas próprias conclusões.
Para quem não é chinês, o fundamental é a importância e a qualidade dessa escolha, seja lá qual for o método utilizado para isso. Se os chineses estão acostumados com a falta de transparência desse processo, o mundo, não. Ainda mais considerando a importância que a China atingiu nessa nova etapa da economia mundial.
Uma enquete realizada por um blog chinês sobre o motivo do desaparecimento do camarada Xi demonstra claramente a percepção de gravidade desse fato. Cerca de 40% das respostas indicam como possibilidade uma doença séria; 35%, que o desaparecimento estaria relacionado à disputa pelo poder; 14% atribuem o desaparecimento a algum escândalo; e apenas 11% a alguma contusão ou doença menos importante.
No último sábado pela manhã, o camarada Xi reapareceu em traje informal visitando uma feira sobre a popularização da ciência na Universidade Agrícola de Beijing. Aparentando boa disposição, caminhou ao lado de outras autoridades e conversou com crianças que realizavam testes de qualidade em leite. Alguns anos atrás, a adição excessiva de melamima em leite infantil ocasionou intoxicação de milhares de bebês e a morte de seis deles.
Embora a expectativa seja de que os rumores diminuam, fica um ponto de interrogação sobre as razões desse desaparecimento. A falta de esclarecimento pelo sumiço do futuro líder abre espaço para especulações sobre a efetiva transferência de poder a ser confirmada no 18˚ Congresso do Partido Comunista da China, no próximo mês, em data ainda a ser divulgada. Se o afastamento não foi por doença grave e se uma contusão menor do futuro líder não pode ser divulgada, fica no ar a possibilidade da ausência ter sido ocasionada por um fato político maior.
Seja por uma razão ou por outra, é muito importante que tenhamos uma transição sem maiores sobressaltos, assim como foi a transição anterior, de Jiang Zhemin para Hu Jintao. Como já comentei em um artigo anterior, entre a posse de Hu Jintao, em 2004, e a ascendência provável de Xi Jinping, em 2012, assistimos o nascimento de uma nova China, que passou a ser a maior nação industrial, a maior nação exportadora e a segunda maior economia do mundo.
A China detém o maior contingente populacional do mundo e é uma potencia em ascensão. A importância de sua liderança não é apenas para os chineses, mas para todos os cidadãos do mundo que têm suas vidas afetadas pelas decisões que serão tomadas pelo líder supremo do Império do Meio.
Daí nossa preocupação com Xi Jinping, que esperamos esteja preparado para conduzir os destinos dessa extraordinária nação num momento de grandes incertezas nas principais economias mundiais. A China, como a nova locomotiva da economia mundial, tem uma grande responsabilidade não somente perante os cidadãos do seu país como também perante todos os cidadãos que esperam dos principais líderes mundiais decisões acertadas que favoreçam os seus conterrâneos e a todos nós.
Por isso, torço pelo camarada Xi. Se o problema que ocasionou seu desaparecimento foi de saúde, que seja simples e que ele se restabeleça prontamente para assumir o seu cargo em perfeitas condições. Se o problema foi político, vamos esperar que as divergências sejam resolvidas e que uma liderança inconteste assuma os destinos da nação chinesa. O mundo e a China de hoje não podem superar seus problemas sem uma liderança forte e duradoura nesse país. O novo líder na China não é somente o líder dos chineses, mas um líder mundial com responsabilidades sobre toda a humanidade.
Já que a Europa e o Japão, conforme temos visto, carecem de lideranças afirmativas nesse momento de dificuldades na economia mundial, e os Estados Unidos caminham para uma divisão política independente do resultado da eleição, é fundamental que pelo menos a China eleja seus novos dirigentes de forma organizada e que eles possam continuar tomando as decisões acertadas para o contínuo crescimento da nação chinesa. Isso é bom para a China e para todos os cidadãos do mundo.
O maior desafio deste mundo em crise é a emergência de líderes universais que, além da preocupação com seus conterrâneos, demonstrem uma genuína preocupação com os destinos da humanidade. Essa geração de líderes que temos visto assumir o poder nas diversas nações tem pautado sua ação muito mais pelos problemas locais do que pelos problemas maiores da humanidade.
Nas últimas décadas de crescimento mundial com a globalização das economias e a integração dos mercados, assistimos à universalização dos problemas. A solução provavelmente irá depender de mais globalização e integração dos mercados, conduzidos por lideranças cosmopolitas. A tentação de resolver cada um seus problemas por meio do isolacionismo, do protecionismo e de políticas mercantilistas é um grande retrocesso que só alimentará a espiral recessiva da economia mundial.
A pobreza é ainda o maior mal da humanidade, que aflige três quartos da população mundial situada nos países em desenvolvimento. Não podemos deixar que os problemas de endividamento e de falta de responsabilidade na gestão das economias desenvolvidas venham a contaminar o círculo virtuoso de distribuição de renda a nível mundial ocasionado pela ascendência da China.
Na China, mais do que em qualquer outra nação do mundo, precisamos de uma liderança comprometida com a eliminação da pobreza e das desigualdades entre os povos. Divergências à parte, acredito que essas aspirações são mais fortes na China do que em qualquer outro país do mundo. Por isso a importância de termos nesse país uma liderança comprometida com os avanços sociais. Nessa nova etapa da sociedade chinesa, quando mais uma transição no poder se aproxima, como cidadão do mundo e sempre otimista quanto aos destinos da humanidade, desejo ao camarada Xi muito sucesso e que realmente exerça seu poder para benefício de todos aqueles que necessitam e que acreditam num mundo melhor.
Por isso, como disse Zeca Baleiro, mutatis mutandis, “camarada Xi, nunca mais faça isso, volte para casa. Se correr o bicho pega, camarada Xi. Se ficar, o bicho come.”
José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada a cada 14 dias.
“mais do que em qualquer outra nação do mundo, precisamos de uma liderança comprometida com a eliminação da pobreza e das desigualdades”
* José Carlos Martins
———————————————–
“na cidade de Macheng, fotos dos estudantes e de seus pais carregando suas mesas e cadeiras para a escola, com os livros, provocaram uma enorme revolta na internet, o fosso na área de educação está se tornando uma questão cadente na China”
*Thomas Friedman NYT
http://www.nytimes.com/2012/09/16/opinion/sunday/friedman-the-talk-of-china.html?pagewanted=all
Abs.
Os novos lideres chineses estão lendo Alexis de Tocqueville um grande analista da revolução francesa e americana que disse que as revoluções e revoltas acontecem não quando a situação das pessoas está ruim mas sim quando ela começa a melhorar. A China está exatamente nesse momento, certo?
José Carlos,
também torço pelo camarada Xi.
que ele possa diminuir os privilégios da elite burocrática e possa oferecer a todos os chineses as mesmas oportunidades de ascenção social, educação e acesso ao melhores empregos.
Abs.
Adriano
Pois é, camarada Adriano. A natureza do governo chinês é tal que a sua permanência no poder depende dos resultados que eles entregam a maior parte de sua população carente. A China melhorou muito mas as desigualdades aumentaram.