"Dez mil Mo Yan não equivalem a um (Liu) Xiaobo”
17/10/12 10:37Por Eric Vanden Bussche, de Kunming (sudoeste da China)
Desde o anúncio de que o escritor Mo Yan ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, na quinta-feira passada (11), o weibo _versão chinesa do Twitter_ foi inundado com comentários ridicularizando a sua escolha.
“Quando ouvi a notícia, achei que fosse uma piada,” escreveu um internauta. “Não li os seus livros. Não gosto de seu estilo. Mas ele é aceito pelos líderes do país, então vamos ver o que o ‘Diário do Povo’ [jornal oficial do regime] dirá amanhã sobre a sua escolha.”
Esse comentário sintetiza bem o sentimento dos chineses em relação ao “primeiro escritor de nacionalidade chinesa” a receber o prêmio. A maioria já ouviu falar dele, mas o seu estilo não agrada muito ao paladar literário dos seus conterrâneos. Certa vez, perguntei a uma amiga, doutora em literatura chinesa na Universidade de Pequim, se valia a pena ler alguma obra dele. “Tenho os livros dele em casa, mas cada vez que começo a ler algum, não consigo passar das primeiras páginas’”, me respondeu.
Poucos chineses já se deram o trabalho de ler Mo Yan. Além de seu estilo não agradar a muitos, ele é visto como serviçal do governo chinês. Não é à toa que a avalanche de comentários e discussões sobre o Prêmio Nobel adquiriu um caráter mais político do que literário.
O internauta Nie Zichan descreveu de forma bem-humorada e astuta as diversas reações registradas no weibo nas horas que se seguiram após a divulgação da notícia. Segundo ele, os comentários iniciais parabenizando o escritor cederam espaço para ridicularizações de suas obras e as discussões sobre literatura rapidamente se transformaram em debates agressivos sobre política.
Muitas das críticas não eram dirigidas tanto a Mo Yan, tendo como alvo principal o regime chinês, que no passado acusou o Ocidente de utilizar o Prêmio Nobel para interferir em assuntos internos do país. Isso ocorreu com a entrega do prêmio para opositores do regime como o Dalai Lama, em 1989, e Liu Xiaobo, em 2010.
Em 2000, o regime também não comemorou a decisão da academia sueca em conceder o Prêmio Nobel de Literatura a Gao Xingjian, escritor chinês que se exilou na França. Em outubro daquele ano, o Ministério das Relações Exteriores enxergou a decisão como um “complô político” contra o país. O “Diário do Povo” caracterizou a academia como “uma organização reacionária dos pés à cabeça, que sempre foi anti-revolucionária e hostil…ao povo chinês.”
Por considerar Gao um “traidor da pátria” (como me disse certa vez um burocrata), a mídia chinesa tem tratado Mo Yan como o “primeiro escritor de nacionalidade chinesa” (Zhongguoji zuojia) a receber o prêmio.
Vários internautas utilizaram esse histórico de tensão entre o Partido Comunista chinês (PC) e o Prêmio Nobel para tecer duras críticas ao regime. “Dez mil Mo Yan não equivalem a um [Liu] Xiaobo, que consegue penetrar diretamente na alma da nação,” alfinetou um internauta, acrescentando que “Mo Yan não demonstra responsabilidade social e é apenas um escritor que se concentra em realizar os seus próprios prazeres.”
Outro internauta, que se identifica como Ping’er Lizhuang, escreveu que: “A China originalmente receberia o Prêmio Nobel da Paz, mas os EUA provocaram a disputa das ilhas Diaoyu [que Pequim disputa com Tóquio], então para dar “face” à China, eles deram o prêmio de literatura para Mo Yan. É um prêmio de consolação.”
Uma entrevista que Mo Yan concedeu à rede de televisão Phoenix logo após o anúncio do prêmio serviu para elevar o tom das críticas políticas e reforçar a sua imagem de poodle do PC. Nela, o escritor afirmou que “Essa é uma época em que há liberdade de expressão” na China.
Reagindo a essa afirmação, o internauta Zhao Chu escreveu: “Que mentira! Como é possível afirmar isso num país onde vencedores do prêmio são vítimas de ostracismo ou colocados na cadeia e onde um número enorme de comentários é apagado no weibo. Como que um vencedor de um Prêmio Nobel tem a coragem de dizer algo tão sem vergonha assim?”
Alguns chineses associavam a premiação ao aumento do prestígio e “soft-power” da China na esfera internacional.
“Agora que nosso país está se tornando mais forte, o Ocidente está compreendendo o nosso país de forma mais profunda e correta. O reconhecimento das obras de Mo Yan mostra que eles [ocidentais] também estão aos poucos entendendo a China,” argumentou um internauta que se identifica como LeonarDuo. Outro escreveu que “O prêmio é uma prova que as ilhas Diaoyu pertencem à China.”
Lao Chunyan, apresentadora do noticiário da CCTV, assinalou que, “sem uma China forte…o prêmio não seria concedido a Mo Yan.”
Seu ufanismo, entretanto, gerou uma onda de críticas ácidas. Um internauta que se identifica como sunhocking respondeu com a seguinte pergunta: “Você é uma jornalista famosa. O que a escolha de Mo Yan tem a ver com a força de uma nação?”
Outra internauta ridicularizou a lógica de Lao: “Isso quer dizer, então, que na época que Rigoberta Menchu venceu o Prêmio Nobel da Paz, a Guatemala era uma nação tão forte e poderosa quanto os EUA? Segundo sua lógica, os prêmios de literatura não são vencidos por autores, mas por organizações como o PC, que são tão fortes que a academia sueca se sente obrigada a conceder o prêmio a autores patrocinados por elas.” Outro internauta lembrou que o Dalai Lama também venceu o prêmio: “Isso quer dizer que em 1989 o Tibete era mais poderoso que o PC!”,
Vários internautas analisaram a escolha como uma mudança de estratégia do Ocidente em relação ao regime chinês. “Eles (membros do comitê do Prêmio Nobel) esperavam ajudar dissidentes a influenciarem os destinos da China,” escreveu Xu Zidong, referindo-se à escolha de Liu Xiaobo em 2010. “Mas eles não obtiveram os resultados que desejavam… Então resolveram premiar um escritor que é reconhecido pelo regime para aumentar a influência do Prêmio Nobel na China.”
Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é semanalmente.
Que o cidadão comum chinês tem extrema reserva em relação aos seus governantes, não resta nenhuma dúvida. Eu, por exemplo, me vejo nessa condição tranquilamente.
Mas o que me diverte é que, a partir disso, o establishment ocidental, na forma dos think tankers, dos pundits, etc., alguns de forma velada, outros mais abertamente queiram ‘cooptar’ chineses para derrubar os comunistas para instalar em seu lugar marionetes cujas cordas possam ser manipuladas por americanos e europeus!
Quando penso no Ocidente melífluo e com voz ativa na política chinesa, me vem a memória Lord Elgin, o incêndio do Palácio dos Imperadores, os vários tesouros da história chinesa, saqueados e desta forma, descaradamente exibidos em museus europeus.
Assim sendo, por pior que sejam os atuais plutocratas de Pequim, mas se tiver que escolher entre ser colonizado (da forma usual dos séculos passados ou de uma forma mais sutil como se verifica atualmente nos Estados-satélites asiáticos dos EUA) por estrangeiros ou por esta corja vermelha, ainda prefiro os últimos.
Os royalties das traduções de Mo Yan passarão para a Academia Sueca.
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1171164-membro-da-academia-sueca-e-tradutor-de-mo-yan-instituicao-nega-conflito.shtml
Membro da Academia Sueca é tradutor de Mo Yan; instituição nega conflito
A Academia Sueca rejeitou nesta quinta-feira (18) o fato de que um de seus membros estivesse “impedido” de participar da decisão sobre o Prêmio Nobel de Literatura 2012 devido a um possível conflito de interesses, por ser tradutor do ganhador, o chinês Mo Yan.
“Deveriam ler Mo Yan em vez de impulsionar essas discussões”, disse o secretário permanente da Academia, Peter Englund.
Diversos meios de comunicação tinham sustentado que na decisão da Academia a favor de Mo Yan tinha sido essencial o trabalho do sinólogo e acadêmico Göran Malmqvist, de 88 anos.
Malmqvist, como tradutor de Mo Yan, poderia ver-se beneficiado indiretamente pelo prêmio devido à maior circulação das obras do autor chinês.
De acordo com Englund, Malmqvist só traduziu Mo Yan por incumbência da Academia e os possíveis royalties dessas traduções passarão para a instituição.
Eric,
Por viverem em uma ditadura, censura rigorosa, os chineses tem a paranóia em saber o que está por trás dos acontecimentos ?
relacionar prêmio nobel de literatura, conferida por uma universidade da escandinávia com disputa de ilhas entre China, Japão e Taiwan !
Abs.