Vista ChinesaVista Chinesa – Vista Chinesa http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br por Fabiano Maisonnave Mon, 18 Nov 2013 13:35:26 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Até logo, China! http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/12/21/ate-logo-china/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/12/21/ate-logo-china/#comments Fri, 21 Dec 2012 13:57:25 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=1111 Continue lendo →]]>

Fabiano Maisonnave, de São Paulo

No final do mês passado, fiz uma viagem de despedida da China. Por dois dias, vaguei pelas terraças de arroz de Longsheng, esculpidas há cerca de 500 anos nas montanhas de Guangxi, região empobrecida do sul.

Trata-se de território iao, minoria que continua cultivando arroz na forma tradicional, embora o turismo atraia milhões por ano. Nas trilhas, mulheres carregando  nas costas arqueadas fardos impossíveis de bambu e madeira. Algumas ofereciam mostrar seus longuíssimos cabelos, marca registrada da minoria, em troca do equivalente a R$ 7.

Cerca de 600 km mais abaixo, percorridos numa noite em ônibus leito (literalmente: o interior são três fileiras de beliche!), e desembarcava em Macau, a ex-colônia portuguesa onde os megacassinos já superam Las Vegas em faturamento, com apostas mínimas em torno de R$ 50 . Nos shoppings, onde, ao contrário dos campos de arroz, não importa se faz chuva ou sol, se oferecem todas as marcas de luxo.

Mesmo para um brasileiro crescido na Belíndia, surpreende os vários países encerrados na China, numa diversidade estonteante.  Certa vez, o historiador Fernando Novais disse que o Brasil acumula séculos, em alusão ao desenvolvimento desigual.  Na China de 5.000 anos de civilização, crescimento de 10% ao ano por três décadas e população de 1,34 bi, essa definição alcança o paroxismo.

Os contrastes (imagem fácil e inevitável) são enormes, mas  é possível ver algum rumo comum. Em toda parte, o sentido de urgência está sempre presente: tanto nas vilas iao, onde os tijolos são carregados em varas de bambu equilibradas no ombro, quanto em Macau, com seus imensos canteiros de obras ostentando nomes da jogatina mundial, o boom da construção civil revela uma confiança no futuro.

Há também os mesmos desafios. O principal deles, arrisco, é a degradação do meio ambiente, que tem desertificado regiões inteiras, contaminado águas e solos e deixado irrespirável o ar das grandes cidades.

O deterioro está diretamente ligado ao dilema da escala: pense que a China soma toda a população norte-americana mais 1 bilhão de pessoas e ainda sobra uma Argentina! É impossível estender o padrão de consumo ocidentalizado, já presente nas grandes cidades, a todo país. Mas também é politicamente injustificável bloquear a maioria da população do acesso às tentadoras benesses.

“Os estrangeiros pensam sobre qualquer coisa na China multiplicando por 1,3 bilhão”, disse um alto funcionário ao jornalista americano James Fallows. “Nós temos de pensar em tudo dividindo por 1,3 bilhão.”

Outro desafio crucial está no regime político. À medida que a China se abre e enriquece, fica mais dificil sustentar um sistema tão fechado. É anacrônico que o governo da segunda economia do mundo protagonize episódios como o exílio do advogado cego Chen Guangcheng e a condenação a 11 anos de Liu Xiaobo, o único Nobel atrás das grades em todo o planeta.

É com a frustração de abandonar a história pela metade que passo a acompanhar a epopeia chinesa à distância -depois de quase três anos na Ásia, voltei para São Paulo.  (Onde, ao contrário da China, posso acessar qualquer site da internet. Só que na China, ao contrário do Brasil, eu usava o meu tablet/computador/smartphone em qualquer lugar, sem medo de assalto.)

Com os olhos mais treinados,  me impressiono com a multiplicação da presença chinesa, dos carros JAC aos computadores Lenovo – o “Made in China” começa a ter marca própria. Por outro lado, é uma pena que a oferta de livros em português ainda seja tão pequena: essa invasão ainda é pouco discutida entre nós.

Voltei com a certeza de que o Brasil e o mundo sofrerão cada vez mais o impacto dessa China diversa e pujante, que abastece a 25 de Março com produtos baratos enquanto catapulta astronautas ao espaço. Mas já fiquei cansativo com as críticas à falta de atenção tupiniquim com o maior desafio do século 21. Este post é para elogiar e agradecer.

Começando pelos meus companheiros do blog Vista Chinesa: ao longo de todo o ano, Eric Vanden Bussche, Marcos Caramuru, José Carlos Martins, Sun Ningyi e Zhou Zhiwei produziram textos incríveis e interagiram com os leitores com uma paciência que muitas vezes me falta. Obrigado.

Vale mencionar várias iniciativas que já vêm rendendo frutos. O Conselho Empresarial Brasil-China agora produz estudos regularmente e é referência obrigatória para entender as relações econômicas bilaterais. Em Xangai e em Pequim, as jovens do Profissionais Brasileiros na China fazem um belo trabalho de organização entre os brasileiros que trabalham por lá. De Pequim, o Radar China traz uma proposta de explicar e analisar o país que tem tudo para dar certo.

Na área cultural, parabéns a Anamaria Boschi, aos Brasileiros em Pequim (Brapeq) e a Fernanda Ramone por produzirem festivais de cinema fantásticos em terras chinesas, arrancados a fórceps da burocracia estatal brasileira e da draconiana censura local.

Os correspondentes brasileiros somos poucos e ótimos amigos. Claudia Trevisan, do “Estado de S.Paulo”, nossa decana, tem a competência e a generosidade dos grandes. Edgar Alencar, do Sportv, o caçula, protagonizou a ótima sacada de explicar essa potência olímpica que no fundo adora o futebol como nós.

E tem os diplomatas. Além do embaixador Caramuru, há outros picados pela mosca azul da China que foram ótimos interlocutores nestes anos de luta. Que o Itamaraty saiba aproveitá-los da melhor forma.

Em comum a esse “bando de loucos” que se dedica a entender a China e a aproximá-la do Brasil, a certeza de que o sentido de urgência asiático não espera ninguém.

Agradeço finalmente ao jornal Folha de S.Paulo pela incrível oportunidade de reportar de Pequim e aos leitores que, durante o ano, transformaram o Vista Chinesa num dos blogs mais lidos do Folha.com.

No PS, mil gracias a Paula Ramón, minha companheira que aguentou o mau humor das inúmeras noites maldormidas e ainda saiu com o mandarim tinindo.

Zai Jian!

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Sobre as vantagens de ser comunista http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/11/13/sobre-as-vantagens-de-ser-comunista/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/11/13/sobre-as-vantagens-de-ser-comunista/#comments Tue, 13 Nov 2012 16:23:10 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=1091 Continue lendo →]]>  

Funcionárias do 18o. Congresso do Partido Comunista brincam com policial na entrada do Grande Salão do Povo, em Pequim (Divulgação – Diário do Povo – 7.nov.2012).

Fabiano Maisonnave, de Pequim 

Um dos  homens mais ricos da China, o dono da empresa de maquinário pesado Sany, Liang Wengen,  deu uma explicação nem um pouco marxista sobre por que queria entrar no Partido Comunista: aumentar  suas chances de namorar mulheres bonitas.

“Se você é jovem e é membro do partido, é mais fácil encontrar namorada. A maioria dos membros do partido, em comparação com os que não são membros do partido, encontram mulheres mais bonitas. As mulheres chineses gostam muito dos membros do partido. Por quê? Porque os membros do partido têm ideais. É por isso que, desde pequeno, queria entrar no partido”, disse, numa entrevista no sábado.

Depois, mais sério, disse que o partido está acima de tudo: “A minha propriedade, mesmo a minha vida, pertence ao partido. Isso é a qualidade que um comunista deve ter.”

Apesar das tentativas na  juventude, Liang só conseguiu se filiar em 2004, dois anos depois que o partido passou a aceitar empresários.

Liang tem sido considerado o maior exemplo da integração do setor privado ao partido. Ele é um dos cerca de 30 empresários entre os 2.200 delegados do 18. Congresso do Partido Comunista, que termina nesta quarta, e está cotado para chegar ao Comitê Central, elite do partido, com apenas 371 membros.

O empresário  é dono da sexto fortuna da China, com US$ 5,9 bilhões, segundo a lista Forbes China.  Sua empresa, a Sany,  já tem uma fábrica no Brasil e emprega cerca de 60 mil funcionários em todo o mundo.

PS: já ser mulher e comunista não é fácil: apenas 25% dos filiados são do sexo feminino. No Politburo, há apenas uma mulher entre os 25 integrantes.

 

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Tezza na China http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/11/13/tezza-na-china/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/11/13/tezza-na-china/#comments Tue, 13 Nov 2012 10:32:46 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=1085 Continue lendo →]]> Fabiano Maisonnave, de Pequim

Na semana passada, a capital chinesa teve o privilégio de receber o escritor curitibano Cristovão Tezza, a convite do Itamaraty. Foram duas palestras a um público de estudantes  de português, que descobriram um motivo a mais para aprender a língua.

Nesta terça-feira, Tezza publicou uma crônica sobre os seus dias na China.  Se o leitor deste blog quiser um texto de quem sabe observar como poucos, basta clicar aqui.

 

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O que os chineses dizem sobre a transição http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/11/12/o-que-os-chineses-dizem-sobre-a-transicao/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/11/12/o-que-os-chineses-dizem-sobre-a-transicao/#comments Mon, 12 Nov 2012 07:56:20 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=1076 Continue lendo →]]>

Biografias de Mao e de Steve Jobs na livraria do Museu Nacional da China, na praça da Paz Celestial, em Pequim (Fabiano Maisonnave – 4.nov.2012).

Fabiano Maisonnave, de Pequim

Ao contrário de um período eleitoral, não é nada fácil discutir a transição política chinesa. Só para ter uma ideia, o governo censurou buscas até com o termo “Congresso do Partido Comunista” (“shibada”) no weibo (versão chinesa do Twitter, que registra mais de 300 milhões de usuários).

Está proibido inclusive o apelido dado pelos internautas, “Esparta”_ uma brincadeira com a semelhança sonora de ambas palavras em mandarim e também uma alusão às medidas de segurança draconianas.

Mesmo assim, há provavelmente milhões de comentários, principalmente em fórus de discussão. Abaixo, alguns enviados ao editor-chefe do “Financial Times” em mandarim, Zhang Lifen, depois que ele pediu, via weibo, perguntas ao Partido Comunista:

Ainda que se trate de uma amostra pequena e enviesada, chama a atenção o número de comentários sobre corrupção, numa ano marcado pelo escândalo Bo Xilai. Não foi por acaso que Hu Jintao usou tons dramáticos ao abordar o problema, na semana passada.

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VelhomasnãoInútil: Este velho companheiro tem uma pergunta: quanto custa as taxas anuais de filiação pagas pelos mais de 80 milhões de membros do Partido no país? A arrecadação total e os gastos podem ser publicados durante o Congresso?

 MundoUniversoVasto: Publiquem as finanças pessoais dos altos funcionários, prendam os criminais e corruptos e comecem um sistema democrático! O país só quer essas três coisas!

ShenzhenHugang: Uma pergunta: como eliminar a corrupção num sistema de partido único?

 XuShaolin: Apenas quero saber por que vocês tiveram de fechar as feiras matinais perto de algumas áreas residenciais por causa de um congresso? Vocês não podem ouvir o pessoal mais velho praguejando por causa disso? Se você tratar as pessoas comuns como ladrões, qual o sentido desse tipo de encontro?

PepinoDesidratado: Como um membro do partido, espero que as atividades do partido não perturbem a vida das pessoas não filiadas e não quero que nossas atividades sejam financiadas por contribuintes de fora do partido. Essas duas esperanças podem ser satisfeitas?

 WangYuanchengr: Quando os altos funcionários divulgarão suas finanças pessoais?

ZhouBuchen: Quando os bilhões de camponeses terão um atendimento à saúde realmente igualitário?

 SonhoBêbadoPerambulando: Quando as maçanetas dos táxis serão reinstaladas? Eu me sinto mareado.

 EstradadasLuzesdoEntardecer: Eu pergunto onde é o meu distrito. Quem me representa?

 Maobaochun: Removam o bloqueio da internet.

 Hongliholly: Nada a perguntar, porque a resposta será falsa mesmo.

Daxue0755: Diga ao porta-voz: na verdade, sabemos tudo. Se você não acredita, me pergunte.

 

 

 

 

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O Partido Comunista dominou o meu PC http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/11/08/o-partido-comunista-dominou-o-meu-computador/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/11/08/o-partido-comunista-dominou-o-meu-computador/#comments Thu, 08 Nov 2012 06:25:07 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=1059 Continue lendo →]]>

Porta sem maçaneta de um táxi de Pequim. Só baixar esta foto do email para o computador consumiu 17 minutos (foto de 7.nov.2012).

Fabiano Maisonnave, de Pequim

A tirada acima é de uma espirituosa e afiada amiga brasileira de Pequim. Há vários dias, o acesso à internet na China está mais demorado do que na época do acesso discado, principalmente para sites estrangeiros. No último fim de semana, Gmail e Google ficaram inacessíveis, pelo menos daqui de casa.

A censura chinesa está conseguindo bloquear até os serviços de VPN, pelos quais é possível driblar a “Great Firewall of China”, fazendo o acesso à internet parecer de outra parte do planeta. A empresa que uso, Witopia, disse que não há nada o que fazer, paciência.

Alguns sites de notícias foram bloqueados recentemente. A agência de notícias Bloomberg está inacessível desde junho, depois de uma cuidadosa reportagem mostrando que a família do futuro líder máximo chinês, Xi Jinping, tem uma fortuna de US$ 376 milhões em empresas que dependem de decisões do Estado (queria colocar o link aqui, mas não consigo).

O mesmo acontece com o “New York Times” desde que revelou, quase duas semanas atrás, que a família premiê Wen Jiabao acumulou fortuna de US$ 2,7 bilhões de forma semelhante à relatada pela Bloomberg no caso de Xi.

Mas não é só a internet que está bloqueada _as janelas dos táxis também! Por determinação do governo, as empresas que operam as frotas arrancaram as manivelas das portas traseiras, supostamente para evitar a distribuição de panfletos. No caso dos botões, o bloqueio é com fita adesiva.

As regras de segurança aqui na capital incluem outras medidas draconianas: a venda de facas de cozinha foi suspensa, e é preciso preencher um formulário e apresentar documentos para comprar brinquedos voadores.

Claro que não há nenhum problema com os sites da imprensa estatal, como a agência de notícias Xinhua e o canal estatal CCTV, com a grandiosa cobertura do 18o. Congresso do Partido Comunista, a razão dessas medidas todas.

 Um comentarista conhecido na internet chinesa, Yao Bo, escreveu em seu microblog: “O pessoal encarregado do [jornal] ‘Diário do Povo’ e da CCTV está com medo de panfletos. O pessoal encarregado dos agentes policiais, militares e paramilitares está com medo de faca de cozinha. O pessoal encarregado de veículos blindados está com medo de táxis perto dos centros políticos. O pessoal encarregado dos caças de combate invisíveis está com medo de aviões de brinquedo e balões. Mano, estou vivendo dentro de ‘Alice no País das Maravilhas’?”.

 

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O "século asiático", a Austrália e o Brasil http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/31/o-seculo-asiatico-a-australia-e-o-brasil/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/31/o-seculo-asiatico-a-australia-e-o-brasil/#comments Wed, 31 Oct 2012 11:25:12 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=1051 Continue lendo →]]>

Propaganda de restaurante no centro de Sydney, Austrália, onde se lê: “República da China em breve” (Fabiano Maisonnave/Folhapress – 28.mar.2012).

Fabiano Maisonnave, de Pequim

A Austrália acaba de divulgar um ambicioso plano de longo prazo intitulado “Austrália no Século Asiático”, em que estabelece diretrizes para se beneficiar do dinamismo econômico da região, principalmente a China. A iniciativa deveria ser estudada pelo Brasil, onde a compreensão da ascensão asiática ainda engatinha _ou nem isso.

Entre os 25 “objetivos nacionais” listados pelo relatório estão o de que, em 2025, um em cada três executivos das 200 maiores empresas da Austrália possua um conhecimento profundo da Ásia e o de que todas as crianças em idade escolar tenham a possibilidade de aprender uma língua da região.

O estudo, apresentado pessoalmente pela premiê Julia Gillard dias atrás, recomenda ainda que o país tenha uma política de atração de turistas asiáticos e se prepare para o aumento da demanda por comida e educação.

O relatório tem sido criticado na Austrália por ser muito vago ou de difícil implementação. Mas a sua simples existência desatou um grande debate na imprensa local sobre o papel do país no chamado “século asiático”.

Há motivos de sobra para fazermos o mesmo. Brasil e Austrália têm relações bastante parecidas com a China, como ressalta o diplomata Oswaldo Biato Jr., em seu ótimo livro “Parceria Estratégica Sino-Brasileira”. Trata-se do principal parceiro comercial de ambos os países pelo mesmo motivo: a demanda chinesa por recursos naturais, principalmente minério de ferro _aliás, os australianos são a principal concorrência da Vale.

A diferença, sugere Biato Jr., é que a Austrália se vê muito mais cômoda com essa posição e tem se diversificado mais rapidamente, partindo do pressuposto da “inevitabilidade” do crescimento chinês. Um exemplo é o setor de serviços, sobretudo o educacional: há cerca de 90 mil chineses estudando no país, segundo números oficiais.
Agindo assim, a Austrália se sente mais segura em lidar com a China. Em 2005, por exemplo, reconheceu o país como economia de mercado após consultas prévias com o empresariado e outros setores.

Já no Brasil, o presidente Lula reconheceu a China como economia de mercado preliminarmente, em 2004, o que se provou precipitado, tamanha a reação do empresariado, principalmente a Fiesp. Com isso, a decisão nunca foi ratificada e acabou abrindo um flanco onde os chineses vêm pressionando o Brasil.

“Qualquer decisão do Brasil de estabelecer uma presença de maior relevo na China, corolário natural do desejo de diversificar sua presença comercial para além do setor de commodities, envolveria diversas medidas, algumas de caráter logístico, outras ligadas à necessidade de dar maior peso político à atuação brasileira no país, como vêm fazendo, por exemplo, Canadá e Austrália”, recomenda Biato Jr., no livro publicado em 2011.

“Uma visão de longo prazo dessas relações, compatível com o caráter estratégico da nossa parceria, exigiria ainda desenvolver iniciativas tendentes a fazer surgir no Brasil especialistas em temas chineses e em divulgar melhor na China a realidade brasileira”, completa o diplomata, que serviu em Pequim.

Isso, claro, não está ocorrendo. Para o Brasil, a China continua um ilustre desconhecido, em meio à indigência das universidades, à visão para dentro de grande parte do empresariado e ao frágil recurso ao protecionismo do governo. Com o  perdão do lugar-comum, é um clássico exemplo de “decifra-me ou devoro-te”.

 

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Por que a China não tem Gangnam Style? http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/29/por-que-a-china-nao-tem-gangnam-style/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/29/por-que-a-china-nao-tem-gangnam-style/#comments Mon, 29 Oct 2012 11:36:34 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=1039 Continue lendo →]]>

Fabiano Maisonnave, de Pequim

A pergunta acima foi o tema desta segunda-feira do programa “Dialogue”, do canal estatal CCTV, e vem se repetindo no país desde que o vídeo do cantor sul-coreano PSY tomou o mundo de assalto. Por que a China, com uma população 27 vezes maior, nunca foi capaz de produzir algo semelhante?

O debate revela uma das maiores frustrações da recente ascensão chinesa no cenário mundial _ela não veio acompanhada de um aumento do seu “soft power”. Isso apesar de várias iniciativas milionárias: em dez anos, por exemplo, a China abriu 400 unidades do Instituto Confúcio pelo mundo afora, inclusive no Brasil, para o ensino da língua e divulgação cultural. O próprio canal da CCTV em inglês é outro exemplo do esforço enorme, sem muito resultado.

Não é por acaso, portanto, que o Gangnam Style tenha sido discutido durante meia hora em um programa que geralmente aborda temas bem mais sérios de política externa.

Quando comecei a ver o programa, achei que seria mais um desses debates oficiosos. Mas, para minha surpresa, um dos participantes, o professor Fu Jun, da Escola de Governo Universidade de Pequim, tocou na ferida quando foi questionado sobre a falta de um “PSY chinês”:

“A cultura chinesa tende a ser conformista, em vez de romper com o establishment. E, para ser criativo, a chave é romper com o establishment. Ou usar a palavra ‘liberdade’. Livre do establishment ou das convenções sociais, de forma a ter algo novo. Isso é muito importante. Não é que ninguém na China pensa dessa forma, (…) mas a natureza particular da educação chinesa é mais treinamento. E eu faço uma distinção entre educação e treinamento.”

Só faltou a Fu Jun mencionar Ai Weiwei, o irreverente artista chinês mais conhecido do mundo, que passou quase três meses na cadeia no ano passado e praticamente vive numa prisão domiciliar justamente por “romper com o establishment”.

Ai Weiwei, aliás, é o autor de uma paródia engraçadíssima de PSY, em que ele faz a tal dança com algemas nas mãos. O vídeo, claro, está proibido na China.


Outro vídeo, bem menos divertido, foi patrocinado pelo Centro de Pesquisa do Panda, uma entidade estatal, que contratou a multinacional Ogilvy para superproduzir a paródia. Comparar as duas iniciativas é uma ótima ilustração do argumento de Fu Jun.

A minha impressão é de que ainda vai demorar muito pra China exercer seu “soft power”. Além de todas as dificuldades internas para os artistas, as tentativas estatais terão pouco alcance enquanto o regime continuar produzindo ícones da repressão como Dalai Lama, Liu Xiaobo, Ai Weiwei ou, mais recentemente, o advogado cego Chen Guangcheng.

Enquanto o regime autoritário não se abrir, não haverá um PSY chinês. Mesmo um Michel Teló fica difícil.

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Homem de Ferro, a serviço do Partido Comunista http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/23/homem-de-ferro-a-servico-do-partido-comunista/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/23/homem-de-ferro-a-servico-do-partido-comunista/#comments Tue, 23 Oct 2012 08:30:54 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=1023 Continue lendo →]]>

Anúncio em Pequim da coprodução sino-americana para o Homem de Ferro 3 (Divulgação – 18.abr.2012).

 

Fabiano Maisonnave, de Pequim

O jeitão independente e politicamente incorreto de Tony Stark é a marca dos primeiros dois filmes do Homem de Ferro. Mas, na próxima sequência, tudo o que o personagem de Robert Downey Jr. fizer terá de passar antes pelo crivo do Partido Comunista da China.

A coprodução do “Homem de Ferro 3” entre Disney e a chinesa DMG é apenas um exemplo da onda inédita de projetos entre Hollywood e o gigante asiático. Aliança que envolve interesses conflitantes e dá ao governo chinês potestade para revisar roteiros.

Para os americanos, é a chance de avançar mais sobre o país que, até 2020, deve ultrapassar os EUA como o maior mercado cinematográfico do mundo.

Já os chineses, ansiosos por aumentar seu “soft power”, vêem uma oportunidade para aprender e se tornar um importante polo exportador mundial, eventualmente competindo com Hollywood.

“A China e os Estados Unidos cozinham juntos com o objetivo de amanhã abocanhar para si o maior pedaço da torta”, resume o espanhol Pello Zúñiga, jornalista radicado em Pequim e especializado na indústria cultural chinesa.

Uma das iniciativas mais ambiciosas é a da DreamWorks. Em agosto, anunciou-se a criação da joint venture Shanghai Oriental DreamWorks, com 55% do capital nas mãos de três empresas estatais chinesas. A meta é produzir até três filmes por ano e empregar 2.000 pessoas.

Um deles é a sequência de “Kung Fu Panda”. O terceiro filme da série deve ficar pronto em 2016, ano em que também será inaugurado um grande complexo turístico com salas de cinema e outras atrações, orçado em US$ 3,2 bilhões.

Dois dias dois, também em agosto, foi a vez de James Cameron anunciar outra joint venture com empresas estatais chinesas, para produzir equipamentos para filmagens em 3D. O valor do acordo não foi revelado.

“É para fazer Hollywood acordar e cheirar o café”, disse Cameron ao jornal britânico “Financial Times”. “Eles [chineses] vêem o 3D como o futuro, igual a nós.”

A lógica dos acordos é parecida à de outros setores que o governo chinês considera estratégicos para fazer a economia do país passar de manufatura barata para produtos mais sofisticados.

Assim como fez a Embraer quando abriu sua fábrica de aviões aqui, o maior acesso de Hollywood ao promissor mercado chinês tem como contrapartida a criação de joint ventures com empresas locais para transferência de tecnologia.

Para Hollywood, a coprodução tem duas grandes vantagens. A mais importante é ficar fora da cota de 34 produções estrangeiras por ano (recentemente, a China permitiu mais 14 produções, desde que em 3D, para cumprir com determinação da Organização Mundial do Comércio).

Outra diferença é o salto na porcentagem de arrecadação da bilheteria, de 25% (produção estrangeira) para cerca de 40% (local).

Por outro lado, trabalhar com Hollywood é a chance do cinema chinês para aprimorar a qualidade dos filmes, que hoje arrecadam relativamente pouco e pecam, segundo Zúñiga, principalmente no roteiro, na direção artística e na atuação.

Bruce Willis faz par romântico com a atriz chinesa Summer Qing, na recém-estreada coprodução futurista “Looper” (Foto de divulgação).

Quantidade a China já tem: só no ano passado, foram lançadas cerca de 500 produções locais, mais de uma por dia.

Mas, para os estúdios americanos, a contrapartida pode ser difícil: antes de ser rodado, o roteiro precisa ser revisado e aprovado pela Administração Estatal de Rádio, Filme e Televisão (Sarft, na sigla em inglês).

A Sarft tem parâmetros draconianos para cenas de sexo e violência, além, é claro, para temas políticos. No ano passado, por exemplo, “Tropa de Elite 2” teve 24 minutos cortados.

Já o documentário “Uma Noite em 67”, sobre os festivais de música da Record, foi censurado, provavelmente pelas duas ou três referências à ditadura militar.

“Em casa, você está apenas preocupado com um grupo de pessoas: o consumidor”, explicou, em entrevista ao jornal “Wall Street Journal”, o americano Dan Mintz, presidente da DMG Entertainment, empresa privada de entretenimento chinesa. “Na China, você tem de ser bom em lidar ao mesmo tempo com o governo e com o consumidor.”

ENTREVISTA: Parcerias ocorrem num momento em que a censura endurece, diz produtor

As parcerias entre Hollywood e a China ocorrem num momento em que aumentam as restrições para a produção de entretenimento no país, afirma Robert Cain, presidente da Pacific Bridge Pictures e há 20 anos atuando como consultor e produtor de projetos entre China e Estados Unidos.

Cain prevê que será um grande desafio criar roteiros que, ao mesmo tempo, conciliem as exigências da censura, as características do mercado chinês e o público mundial. A seguir, a entrevista concedida por telefone:

Essa abertura para  Hollywood ocorre num momento em que a censura restringe produções estrangeiras, principalmente na TV. Recentemente, o líder máximo do país, Hu Jintao, escreveu que a China tem de lutar contra a influência cultural ocidental. Como explicar isso?

Tenho de acrescentar que as regras que estão impondo não almejam apenas o entretenimento estrangeiro como também aumentam as restrições sobre o que os produtores locais podem fazer. É uma contradição, porque está cada vez mais difícil criar produtos de entretenimento na China. Mas também estamos num momento particularmente delicado, haverá a troca da liderança do país nos próximos meses. Espero que o ambiente fique mais relaxado a partir do ano que vem.

Qual o impacto dessas restrições nos roteiros das coproduções?

É um grande desafio desenvolver um roteiro que possa satisfazer não apenas as exigências de coprodução que a China tem como também as restrições da censura e ainda ser um sucesso comercial local e no restante do mundo, tudo ao mesmo tempo. Isso é bastante complicado. E há muitos poucos escritores na China que podem escrever filmes comercialmente competitivos. Portanto, realmente cabe aos produtores estrangeiros desenvolver os roteiros e vir à China com propostas que possam funcionar como coprodução.

Qual é a importância do recente anúncio de ampliar a cota de filmes estrangeiros para 14 produções adicionais 3D?

Foi muito importante por duas razões. Há o fato relevante de que a China deseja cumprir com suas obrigações sob o acordo da OMC. E foi uma forma de tirar a OMC, e especialmente os EUA, de suas costas, por violar esse termos. E obviamente é importante porque quase dobrou a cota de filmes importados. Isso traz mais competição ao mercado e teoricamente mais faturamento em bilheteria.

 

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"Dez mil Mo Yan não equivalem a um (Liu) Xiaobo” http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/17/dez-mil-mo-yan-nao-equivalem-a-um-liu-xiaobo/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/17/dez-mil-mo-yan-nao-equivalem-a-um-liu-xiaobo/#comments Wed, 17 Oct 2012 10:37:25 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=1016 Continue lendo →]]>

Livros de Mo Yan expostos na Feira de Frankfurt, Alemanha (Johannes Eisele – France Presse/11.out.2012).

Por Eric Vanden Bussche, de Kunming (sudoeste da China)

Desde o anúncio de que o escritor Mo Yan ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, na quinta-feira passada (11), o weibo _versão chinesa do Twitter_ foi inundado com comentários ridicularizando a sua escolha.

“Quando ouvi a notícia, achei que fosse uma piada,” escreveu um internauta. “Não li os seus livros. Não gosto de seu estilo. Mas ele é aceito pelos líderes do país, então vamos ver o que o ‘Diário do Povo’ [jornal oficial do regime] dirá amanhã sobre a sua escolha.”

Esse comentário sintetiza bem o sentimento dos chineses em relação ao “primeiro escritor de nacionalidade chinesa” a receber o prêmio. A maioria já ouviu falar dele, mas o seu estilo não agrada muito ao paladar literário dos seus conterrâneos. Certa vez, perguntei a uma amiga, doutora em literatura chinesa na Universidade de Pequim, se valia a pena ler alguma obra dele. “Tenho os livros dele em casa, mas cada vez que começo a ler algum, não consigo passar das primeiras páginas’”, me respondeu.

Poucos chineses já se deram o trabalho de ler Mo Yan. Além de seu estilo não agradar a muitos, ele é visto como serviçal do governo chinês. Não é à toa que a avalanche de comentários e discussões sobre o Prêmio Nobel adquiriu um caráter mais político do que literário.

O internauta Nie Zichan descreveu de forma bem-humorada e astuta as diversas reações registradas no weibo nas horas que se seguiram após a divulgação da notícia. Segundo ele, os comentários iniciais parabenizando o escritor cederam espaço para ridicularizações de suas obras e as discussões sobre literatura rapidamente se transformaram em debates agressivos sobre política.

Muitas das críticas não eram dirigidas tanto a Mo Yan, tendo como alvo principal o regime chinês, que no passado acusou o Ocidente de utilizar o Prêmio Nobel para interferir em assuntos internos do país. Isso ocorreu com a entrega do prêmio para opositores do regime como o Dalai Lama, em 1989, e Liu Xiaobo, em 2010.

Em 2000, o regime também não comemorou a decisão da academia sueca em conceder o Prêmio Nobel de Literatura a Gao Xingjian, escritor chinês que se exilou na França. Em outubro daquele ano, o Ministério das Relações Exteriores enxergou a decisão como um “complô político” contra o país. O “Diário do Povo” caracterizou a academia como “uma organização reacionária dos pés à cabeça, que sempre foi anti-revolucionária e hostil…ao povo chinês.”

Por considerar Gao um “traidor da pátria” (como me disse certa vez um burocrata), a mídia chinesa tem tratado Mo Yan como o “primeiro escritor de nacionalidade chinesa” (Zhongguoji zuojia) a receber o prêmio.

Vários internautas utilizaram esse histórico de tensão entre o Partido Comunista chinês (PC) e o Prêmio Nobel para tecer duras críticas ao regime. “Dez mil Mo Yan não equivalem a um [Liu] Xiaobo, que consegue penetrar diretamente na alma da nação,” alfinetou um internauta, acrescentando que “Mo Yan não demonstra responsabilidade social e é apenas um escritor que se concentra em realizar os seus próprios prazeres.”

Outro internauta, que se identifica como Ping’er Lizhuang, escreveu que: “A China originalmente receberia o Prêmio Nobel da Paz, mas os EUA provocaram a disputa das ilhas Diaoyu [que Pequim disputa com Tóquio], então para dar “face” à China, eles deram o prêmio de literatura para Mo Yan. É um prêmio de consolação.”

Uma entrevista que Mo Yan concedeu à rede de televisão Phoenix logo após o anúncio do prêmio serviu para elevar o tom das críticas políticas e reforçar a sua imagem de poodle do PC. Nela, o escritor afirmou que “Essa é uma época em que há liberdade de expressão” na China.

Reagindo a essa afirmação, o internauta Zhao Chu escreveu: “Que mentira! Como é possível afirmar isso num país onde vencedores do prêmio são vítimas de ostracismo ou colocados na cadeia e onde um número enorme de comentários é apagado no weibo. Como que um vencedor de um Prêmio Nobel tem a coragem de dizer algo tão sem vergonha assim?”

Alguns chineses associavam a premiação ao aumento do prestígio e “soft-power” da China na esfera internacional.

“Agora que nosso país está se tornando mais forte, o Ocidente está compreendendo o nosso país de forma mais profunda e correta. O reconhecimento das obras de Mo Yan mostra que eles [ocidentais] também estão aos poucos entendendo a China,” argumentou um internauta que se identifica como LeonarDuo. Outro escreveu que “O prêmio é uma prova que as ilhas Diaoyu pertencem à China.”

Lao Chunyan, apresentadora do noticiário da CCTV, assinalou que, “sem uma China forte…o prêmio não seria concedido a Mo Yan.”

Seu ufanismo, entretanto, gerou uma onda de críticas ácidas. Um internauta que se identifica como sunhocking respondeu com a seguinte pergunta: “Você é uma jornalista famosa. O que a escolha de Mo Yan tem a ver com a força de uma nação?”

Outra internauta ridicularizou a lógica de Lao: “Isso quer dizer, então, que na época que Rigoberta Menchu venceu o Prêmio Nobel da Paz, a Guatemala era uma nação tão forte e poderosa quanto os EUA? Segundo sua lógica, os prêmios de literatura não são vencidos por autores, mas por organizações como o PC, que são tão fortes que a academia sueca se sente obrigada a conceder o prêmio a autores patrocinados por elas.” Outro internauta lembrou que o Dalai Lama também venceu o prêmio: “Isso quer dizer que em 1989 o Tibete era mais poderoso que o PC!”,

Vários internautas analisaram a escolha como uma mudança de estratégia do Ocidente em relação ao regime chinês. “Eles (membros do comitê do Prêmio Nobel) esperavam ajudar dissidentes a influenciarem os destinos da China,” escreveu Xu Zidong, referindo-se à escolha de Liu Xiaobo em 2010. “Mas eles não obtiveram os resultados que desejavam… Então resolveram premiar um escritor que é reconhecido pelo regime para aumentar a influência do Prêmio Nobel na China.”

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é semanalmente.

 

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China, parceira pouco entusiasmada de Chávez http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/06/998/ http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/2012/10/06/998/#comments Sat, 06 Oct 2012 21:20:25 +0000 http://vistachinesa.blogfolha.uol.com.br/?p=998 Continue lendo →]]> 20121007-074157.jpg
Por Paula Ramón, de Olgii (Mongólia)

Em 38 anos de relações diplomáticas entre China e Venezuela, Caracas realizou sete visitas presidenciais a Pequim. Seis delas ocorreram a partir de 1999, o começo da gestão Hugo Chávez. Desde então, a balança comercial cresceu de US$ 1,9 bilhão para US$ 10,3 bilhões em 2010, ano em que o país caribenho se converteu no Estado recipiente do empréstimo mais alto emitido por entidades bancárias chinesas, cerca de US$ 20 bilhões.

A explicação desse aumento vertiginoso está nos empréstimos chineses com pagamento em petróleo, que já somam US$ 38 bilhões. Na base desse esquema está o Fundo Misto Sino-Venezuelano, criado em 2008 para obras de infraestrutura e até a compra de um satélite.

Mas esse intercâmbio comercial não é proporcional ao interesse chinês de investir na Venezuela, na opinião de Wang Peng, da Academia de Ciências Sociais da China, o “think tank” mais influente do país. Especialista em Venezuela, Wang afirma que as circunstâncias do país, que, por 12 anos, tem sido cenário de experimentação política, econômica e social do chamado socialismo bolivariano, estão afugentando os investidores chineses.

A afirmação contrasta com um Chávez que, em seu terreno, sempre se mostra confiante na fortaleza dos nexos estabelecidos com a China, país que, em seu discurso, ainda chama de “a nação de Mao Zedong”. De fato, suas descrições da China, após visitas à capital asiática, parecem tão pouco ajustadas à realidade que boa parte dos venezuelanos se surpreende ao escutar que Pequim está abarrotada de carros Audi e lojas Chanel.

Mais além disso, Chávez acelerou a relação comercial. No começo de sua gestão, em 1999, a balança com a China fechou em déficit de US$ 1,3 bilhão. Quatro anos depois, a situação se reverteu numa espécie de ponto sem retorno, com a ressalva de que os envios venezuelanos praticamente se resumem a petróleo.

Para colocar em números, basta olhar as cifras de 2008, ano en que o intercâmbio alcançou o máximo histórico de US$ 9,6 bilhões. As exportações venezuelanas somaram US$ 6,5 bilhões, mas apenas US$ 270 milhões eram de exportações não petroleiras, segundo o Banco de Comércio Exterior da Venezuela.

Ao todo, o petróleo representou 78,3% das vendas venezuelanas a China entre 2007 e 2009, de acordo com a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). O país passou a exportar anualmente 1,2 milhão de toneladas de petróleo no início da gestão Chávez para 20 milhões uma década depois.

Alguns economistas venezuelanos têm criticado constantemente essa variação alegando que, além de crescente, essa aliança comercial nos términos estabelecidos não é favorável para a Venezuela. Pelo contrário, está se transformando numa camisa de força. A pergunta é se o país realmente tem capacidade para diversificar a balança e se a China está interessada em algo além do petróleo.

O analista chinês joga por terra as especulações e sentencia que os investidores chineses não têm interesse em fincar pé em terras bolivarianas. Afirma que o incremento da violência, as regras do jogo econômico e o ambiente político radicalizado e intolerante explicam a situação. Wang inclusive acredita que outorgar empréstimos ao governo Chávez é “um pouco arriscado, embora muito lógico proque o governo chinês quer assegurar o petróleo”.

De fato, entre 1990 e 2009 o investimento direto chinês na Venezuela foi de apenas US$ 240 milhões, segundo a Cepal. No Peru, país com dimensões semelhantes, o investimento vindo de Pequim alcançou US$ 2,3 bilhões. “Os riscos políticos na Venezuela são muito altos”, afirma Wang. “O governo [Chavez] está tentando centralizar o poder para controlar a economia. As empresas estrangeiras não podem obter dólares ou transferir seus lucros aos países de origem. As divergências políticas são fortes entre o partido governista e os da oposição. A situação doméstica realmente preocupa o investidor chinês”.

Wang também descarta a possibilidade _aventada por Chavez em sua aproximação inicial_ de que a China se transforme no padrinho político venezuelano em sua luta “contra o império”, numa relação similar entre a da URSS com Cuba na Guerra Fria. “A China compreende que uma parceria baseada na lógica política prejudicaria seus intereses no longo prazo, porque uma mudança de governo poderia arruinar toda a cooperação alcançada previamente. Então, na opinião de Pequim, os acordos entre China e Venezuela são altamente comerciais”.

Henrique Capriles Radonski, o opositor de Chávez neste domingo (7), se diz favorável a continuar a aproximação com Pequim, mas adverte que revisará os acordos em vigor. Caso haja incompatibilidade con o marco legal venezuelano, afirma, os acordos serão rediscutidos. Capriles adianta que os acordos creditícios sobre a garantia de envios petroleiros, por exemplo, contradizem o marco legal venezuelano.

Paula Ramón é jornalista venezuelana.

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