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Vista Chinesa

por Fabiano Maisonnave

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Taiwan entra na disputa entre China e Japão

Por Vista Chinesa
28/09/12 16:50

 

Por Eric Vanden Bussche, de Pequim

Na terça-feira passada, ocorreu uma cena inusitada: a Guarda Costeira japonesa lançando canhões de água contra dezenas de pesqueiros taiwaneses que avançaram em águas das ilhas, conhecidas como Diaoyu em chinês e Senkaku em japonês.

Nas duas últimas semanas a disputa entre a China e o Japão em torno das ilhas têm se acirrado, após o governo japonês ter comprado as ilhas de seus ex-proprietários. Embora também reivindique as ilhas, Taiwan sempre preferiu assistir aos desdobramentos dessa disputa de longe, ao invés de se engajar. Protestos violentos antijaponeses, tão comuns nos últimos anos na China, eram raridade em Taiwan. E o governo taiwanês defendia a sua soberania sobre as ilhas perante o Japão de forma tímida, para não aborrecer o seu aliado. Taiwan não passava de um mero coadjuvante num enredo protagonizado pela China e o Japão.

Mas a situação mudou nesta semana. Além do confronto entre os pesqueiros taiwaneses e a Guarda Costeira japonesa, manifestantes saíram às ruas de Taipé para pedir a devolução das ilhas. O presidente de Taiwan, Ma Ying-jeou adotou uma posição mais dura na disputa territorial em comparação àquela de seus antecessores, contribuindo para a escalada das tensões.

Para especialistas como M. Taylor Fravel, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), embora as imagens das embarcações taiwanesas sendo atingidas por canhões de água da Guarda Costeira japonesa sejam “dramáticas,” ele não acredita que o conflito territorial acabe azedando as relações entre Taiwan e o Japão, os dois maiores aliados dos EUA no Extremo Oriente. “Ma (Ying-jeou) está jogando principalmente para um público nacional e não vai querer prejudicar as relações com o Japão”, disse Fravel, em entrevista para a revista “Time.”

Embora Fravel tenha razão, essa posição mais agressiva de Taiwan _impensável até pouco atrás_ reflete uma transformação nas suas relações com a China e o Japão.
Se, durante a Guerra Fria, Taiwan se alinhava automaticamente ao Japão e aos EUA contra a China, hoje há uma maior ambivalência dos taiwaneses no âmbito regional.

A economia de Taiwan encontra-se interligada à da China. Além disso, desde que assumiu o poder, o presidente Ma Ying-jeou tem se dedicado em melhorar as relações políticas com entre Pequim e Taipé. Ma obteve enorme sucesso em apaziguar as tensões que caracterizavam o relacionamento entre ambos os governos. A posição mais crítica de Ma em relação ao Japão faz parte desses esforços.

Será interessante observar os desdobramentos da disputa territorial e o seu impacto nas relações entre Taiwan e o Japão. Não creio que esse conflito irá deteriorar os fortes laços entre Taipé e Tóquio, mas com certeza ocasionará certas mudanças na natureza desse relacionamento.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é semanalmente.
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Mao Zedong assusta o governo chinês

Por Vista Chinesa
25/09/12 12:31

Protesto com cartazes de Mao diante da  embaixada japonesa em Pequim (Reuters – 18.set.2012).

 

Por Eric Vanden Bussche, de Pequim

Uma novidade marcou a mais recente onda de protestos antijaponeses na semana passada: manifestantes desfilando com retratos de Mao Zedong. Isso causou calafrios na cúpula do Partido Comunista chinês (PC).

Pode parecer estranho que a figura do líder revolucionário, um dos fundadores do PC e maior símbolo do atual regime, assuste o governo. O problema é que a figura de Mao indicava que os protestos não tinham como única finalidade expressar o sentimento nacionalista. Ao evocarem Mao, também revelavam o seu descontentamento com os atuais rumos do país.

Desde o final da década de 90, os protestos nacionalistas sempre geraram um enorme desconforto entre as autoridades chinesas. Embora alimente o patriotismo (aiguo zhuyi) como forma de legitimar o seu poder, o regime nunca estimulou tais protestos por temer que a ira dos manifestantes pudesse facilmente se voltar contra o PC.

A cada onda nacionalista, as autoridades se esforçam para evitar que os protestos acabem saindo de seu controle. Há dois anos, durante os protestos antijaponeses em Wuhan, observei policiais implorando aos manifestantes _a maioria universitários_ que voltassem às salas de aula. Isso serviu apenas para exacerbar a ira dos manifestantes, que passaram a acusar os policiais de não possuírem sentimento patriótico.

Ao acompanhar vários desses protestos durante a última década, raramente me deparei com manifestantes evocando o espírito de Mao. Mas os tempos mudaram. A proliferação de seu retrato nos protestos da semana passada reflete uma maior ousadia por parte dos manifestantes em tecer críticas aos crescentes problemas que afligem o país, como o abismo entre os ricos e os pobres e a corrupção.

Para os manifestantes, a maioria nascida após a era maoísta (1949-1976), o líder revolucionário encarnava um regime que combatia o imperialismo com maior dureza que o atual governo e cujas diretrizes socioeconômicas eram mais igualitárias.

Nos protestos que se espalharam por dezenas de cidades no fim de semana passado, também era possível avistar cartazes com mensagens de apoio a Bo Xilai, o ex-secretário do Partido Comunista de Chongqing que resgatara símbolos da era maoísta até ser destituído no início deste ano, em meio a um escândalo de corrupção e assassinato.

Nos anos anteriores, as críticas dos manifestantes contra o regime em geral gravitavam em torno da maneira com que Pequim conduzia a sua política externa. A maioria acreditava que os líderes chineses não demonstravam firmeza ao lidar com países como os EUA e o Japão. “Devemos ser mais agressivos e mostrar a eles (japoneses e norte-americanos) que somos uma potência”, me disse um universitário durante os protestos de 2010. “Só assim seremos respeitados.”

Durante os protestos antijaponeses da semana passada, todavia, a falta de uma posição mais dura do regime na arena internacional era apenas uma dentre várias críticas. Segundo relatos na imprensa norte-americana e europeia, a longa lista de reclamações dos manifestantes pelo país incluía os privilégios da elite política, o aumento da corrupção e a falta de democracia.

Desde o final dos anos 90, os chineses passaram a enxergar os protestos nacionalistas como uma forma de ventilar as suas críticas ao regime. Mas o descontentamento com o governo era geralmente expressado com certa timidez e abafada pelo fervor nacionalista. Ao evocarem o espírito de Mao durante os protestos da semana passada, os nacionalistas chineses indicaram que estão dispostos a demonstrar o seu descontentamento de forma mais aberta.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é semanalmente.
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A marcha militar das crianças chinesas

Por Vista Chinesa
24/09/12 15:44

Fabiano Maisonnave, de Pequim

Crianças se preparam para marchar portando armas de brinquedo, em Sanlitun, bairro nobre de Pequim (Fabiano Maisonnave/Folhapress – 21.set.2012).

Meses atrás, meu colega e amigo Fábio Seixas contou a impressionante história de uma escola infantil do Rio de Janeiro que incluiu, na grade obrigatória, aulas de defesa pessoal (jiu-jitsu) para crianças de até 3 anos. O relato me voltou à cabeça na sexta-feira passada, quando topei com pré-adolescentes aprendendo a marchar com armas de brinquedo.

Vi a cena quando passava de bicicleta no bairro nobre e ocidentalizado de Sanlitun: num calçadão, seis filas com dez crianças cada uma marchavam carregando rifles de plástico em mãos e com um lenço vermelho no pescoço. O exercício era acompanhado por instrutores que corrigiam a postura  das crianças com precisão de centímetros. Completavam a cena bandeiras da China perfiladas e o som de vitrola do Hino Nacional.

A imagem de crianças marchando com armas na mão  já é em si bastante anacrônica. Mais ainda se diante de uma fileira de carrões importados, entre SUVs e picapes, e de uma luxuosa concessionária da Bentley.

Neste destaque da foto anterior, criança sem arma.

Uma chinesa de meia-idade para quem mostrei as imagens nunca havia visto algo parecido. Ela associou ao clima de guerra contra o Japão. Já o meu companheiro de blog Eric Vanden Bussche disse que são exercícios comuns nas escolas, mas no pátio interno.

Seja qual for o motivo, é triste ver crianças sendo treinadas para a violência na escola, não importa se o jiu-jitsu carioca ou marchas militares de Pequim.

No caso do Brasil, revela um Estado incapaz de proteger seus cidadãos, mesmo os mais inocentes. Na China, é sintoma de um perigoso ambiente belicista, que não condiz com uma das maiores e mais integradas economias do mundo.

PS: um pequeno vídeo da marcha que eu fiz com um smartphone pode ser visto aqui.

 

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A mancha de Nanquim

Por Vista Chinesa
19/09/12 18:03

 

Estátuas na entrada do memorial do massacre de Nanquim. (Fabiano Maisonnave/Folhapress – 18.set.2012).

Fabiano Maisonnave, de Nanquim

Na Folha desta quarta (19), há uma reportagem assinada por mim sobre o  Memorial das Vítimas do Massacre de Nanquim pelos Invasores Japoneses. A visita coincidiu com o aniversário do início da ocupação japonesa, em 18 de setembro 1931. Infelizmente, acabei expulso do local pela polícia, simplesmente por ser jornalista estrangeiro.

Meses atrás neste blog, Eric Vanden Bussche também escreveu sobre o memorial.

 

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Por onde andará o camarada Xi Jinping?

Por Vista Chinesa
17/09/12 15:11

O vice-presidente, Xi Jinping, participa de evento em universidade de Pequim, na primeira aparição em público em duas semanas (Foto: Xinhua – 15.set.2012).

Por José Carlos Martins, de Londres

Nas últimas duas semanas, a China e o mundo assistiram ao intrigante desaparecimento do provável herdeiro do poder na China, o camarada Xi Jinping. Após sua última aparição, em 1˚ de setembro, quando falou aos alunos de uma escola do Partido, Xi deixou de frequentar o noticiário oficial da China e teria faltado a três compromissos importantes com enviados de governos estrangeiros.

Como os olhos do mundo estão voltados para a sucessão do poder, que deverá ocorrer no próximo mês, esse súbito desaparecimento do homem que deverá ser eleito secretário-geral do Partido Comunista e, por consequência, presidente da China, despertou as mais diversas interpretações e especulações tanto nas mídias sociais chinesas como na imprensa especializada do exterior.

Muitas hipóteses foram aventadas, desde uma simples contusão quando praticava esportes até um atentado contra a sua vida, passando por um acidente de carro, por uma reviravolta no processo de escolha do novo líder e até um ataque cardíaco ou mesmo um diagnóstico de câncer no fígado.

Ao acompanhar o desenrolar desse acontecimento que chamou atenção do mundo inteiro não pude deixar de pensar em uma canção do final da década de 1990 do cantor e compositor Zeca Baleiro, sobre o desaparecimento repentino do ator e comediante inglês Stephen Fry, ocasionado pelo seu desapontamento com críticas negativas sobre sua participação um espetáculo teatral.

A canção carinhosa de Zeca Baleiro, inspirada em uma notícia que ele havia lido no jornal Folha de S.Paulo, perguntava melancolicamente: “Por onde andará Stephen Fry, por onde andará Stephen”? Não resisti e por duas semanas, enquanto acompanhava no noticiário a corrente de comentários e especulações sobre o paradeiro do camarada Xi Jinping, cantarolei comigo mesmo a adaptação dessa canção:

Por onde andará o camarada Xi, por onde andará o camarada Xi? Ninguém sabe do seu paradeiro, ninguém sabe para onde ele foi, para onde ele vai. Conrade Xi maybe felling all alone. Conrade Xi, never do this again, come back home! Se correr o bicho pega, camarada Xi. Se ficar, o bicho “come”!

O processo de escolha dos líderes chineses não é transparente para os chineses nem para o resto do mundo. O modelo político chinês não tem nada a ver com os modelos políticos ocidentais e não é a intenção deste artigo tratar dessa questão. A forma de governo na China é um assunto que deve ser endereçado pelos próprios chineses, que podem comparar sua situação com o resto do mundo e seus modelos políticos alternativos e a partir daí tirarem suas próprias conclusões.

Para quem não é chinês, o fundamental é a importância e a qualidade dessa escolha, seja lá qual for o método utilizado para isso. Se os chineses estão acostumados com a falta de transparência desse processo, o mundo, não. Ainda mais considerando a importância que a China atingiu nessa nova etapa da economia mundial.

Uma enquete realizada por um blog chinês sobre o motivo do desaparecimento do camarada Xi demonstra claramente a percepção de gravidade desse fato. Cerca de 40% das respostas indicam como possibilidade uma doença séria; 35%, que o desaparecimento estaria relacionado à disputa pelo poder; 14% atribuem o desaparecimento a algum escândalo; e apenas 11% a alguma contusão ou doença menos importante.

No último sábado pela manhã, o camarada Xi reapareceu em traje informal visitando uma feira sobre a popularização da ciência na Universidade Agrícola de Beijing. Aparentando boa disposição, caminhou ao lado de outras autoridades e conversou com crianças que realizavam testes de qualidade em leite. Alguns anos atrás, a adição excessiva de melamima em leite infantil ocasionou intoxicação de milhares de bebês e a morte de seis deles.

Embora a expectativa seja de que os rumores diminuam, fica um ponto de interrogação sobre as razões desse desaparecimento. A falta de esclarecimento pelo sumiço do futuro líder abre espaço para especulações sobre a efetiva transferência de poder a ser confirmada no 18˚ Congresso do Partido Comunista da China, no próximo mês, em data ainda a ser divulgada. Se o afastamento não foi por doença grave e se uma contusão menor do futuro líder não pode ser divulgada, fica no ar a possibilidade da ausência ter sido ocasionada por um fato político maior.

Seja por uma razão ou por outra, é muito importante que tenhamos uma transição sem maiores sobressaltos, assim como foi a transição anterior, de Jiang Zhemin para Hu Jintao. Como já comentei em um artigo anterior, entre a posse de Hu Jintao, em 2004, e a ascendência provável de Xi Jinping, em 2012, assistimos o nascimento de uma nova China, que passou a ser a maior nação industrial, a maior nação exportadora e a segunda maior economia do mundo.

A China detém o maior contingente populacional do mundo e é uma potencia em ascensão. A importância de sua liderança não é apenas para os chineses, mas para todos os cidadãos do mundo que têm suas vidas afetadas pelas decisões que serão tomadas pelo líder supremo do Império do Meio.

Daí nossa preocupação com Xi Jinping, que esperamos esteja preparado para conduzir os destinos dessa extraordinária nação num momento de grandes incertezas nas principais economias mundiais. A China, como a nova locomotiva da economia mundial, tem uma grande responsabilidade não somente perante os cidadãos do seu país como também perante todos os cidadãos que esperam dos principais líderes mundiais decisões acertadas que favoreçam os seus conterrâneos e a todos nós.

Por isso, torço pelo camarada Xi. Se o problema que ocasionou seu desaparecimento foi de saúde, que seja simples e que ele se restabeleça prontamente para assumir o seu cargo em perfeitas condições. Se o problema foi político, vamos esperar que as divergências sejam resolvidas e que uma liderança inconteste assuma os destinos da nação chinesa. O mundo e a China de hoje não podem superar seus problemas sem uma liderança forte e duradoura nesse país. O novo líder na China não é somente o líder dos chineses, mas um líder mundial com responsabilidades sobre toda a humanidade.

Já que a Europa e o Japão, conforme temos visto, carecem de lideranças afirmativas nesse momento de dificuldades na economia mundial, e os Estados Unidos caminham para uma divisão política independente do resultado da eleição, é fundamental que pelo menos a China eleja seus novos dirigentes de forma organizada e que eles possam continuar tomando as decisões acertadas para o contínuo crescimento da nação chinesa. Isso é bom para a China e para todos os cidadãos do mundo.

O maior desafio deste mundo em crise é a emergência de líderes universais que, além da preocupação com seus conterrâneos, demonstrem uma genuína preocupação com os destinos da humanidade. Essa geração de líderes que temos visto assumir o poder nas diversas nações tem pautado sua ação muito mais pelos problemas locais do que pelos problemas maiores da humanidade.

Nas últimas décadas de crescimento mundial com a globalização das economias e a integração dos mercados, assistimos à universalização dos problemas. A solução provavelmente irá depender de mais globalização e integração dos mercados, conduzidos por lideranças cosmopolitas. A tentação de resolver cada um seus problemas por meio do isolacionismo, do protecionismo e de políticas mercantilistas é um grande retrocesso que só alimentará a espiral recessiva da economia mundial.

A pobreza é ainda o maior mal da humanidade, que aflige três quartos da população mundial situada nos países em desenvolvimento. Não podemos deixar que os problemas de endividamento e de falta de responsabilidade na gestão das economias desenvolvidas venham a contaminar o círculo virtuoso de distribuição de renda a nível mundial ocasionado pela ascendência da China.

Na China, mais do que em qualquer outra nação do mundo, precisamos de uma liderança comprometida com a eliminação da pobreza e das desigualdades entre os povos. Divergências à parte, acredito que essas aspirações são mais fortes na China do que em qualquer outro país do mundo. Por isso a importância de termos nesse país uma liderança comprometida com os avanços sociais. Nessa nova etapa da sociedade chinesa, quando mais uma transição no poder se aproxima, como cidadão do mundo e sempre otimista quanto aos destinos da humanidade, desejo ao camarada Xi muito sucesso e que realmente exerça seu poder para benefício de todos aqueles que necessitam e que acreditam num mundo melhor.

Por isso, como disse Zeca Baleiro, mutatis mutandis, “camarada Xi, nunca mais faça isso, volte para casa. Se correr o bicho pega, camarada Xi. Se ficar, o bicho come.”

José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada a cada 14 dias.

 

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O peculiar protesto antijaponês em Pequim

Por Vista Chinesa
15/09/12 12:12

Imagem de Mao e bandeira rabiscada em protesto contra o Japão, em Pequim (foto: Kali Lan).

Fabiano Maisonnave, de Pequim

No genial romance “Irmãos” (2005), do chinês Yu Hua, um novo-rico decide se unir a um dos protestos cíclicos contra o Japão e ordena que seu chofer destrua a marteladas um Toyota Crown novinho em folha. Quando alguém lhe explica que o carro é produzido por uma joint venture com uma empresa chinesa, a solução foi rápida: “Destrua 50%”.

A raiva contra o vizinho continua. Neste sábado (15), a Embaixada do Japão em Pequim foi novamente alvo da fúria nacionalista. Desta vez, por causa da recente aquisição, pelo governo japonês, das desabitadas ilhas Senkaku (chamadas de Diaoyu pelos chineses), que estavam em mãos privadas.

Pela manhã, alguns milhares de chineses, quase todos jovens, foram até a representação diplomática, vigiados por centenas de policiais, incluindo a unidade de elite (chamada de Swat) e a tropa de choque.

A impressão era de que havia um acordo tácito entre manifestantes e os agentes de segurança: os policiais não coibiram uma chuva de objetos lançada contra a embaixada, mas a “munição” usada era leve.

Em vez de pedras e coquetéis molotov, como no mundo árabe, foram ovos, garrafas plásticas de água e frutas. A entrada ficou toda suja, mas aparentemente sem maiores danos materiais.

Nas cerca de duas horas em que estive lá, o ambiente entre os manifestantes era bastante tranquilo. Em dois anos e meio na China, poucas vezes havia sido tão fácil fotografar e fazer entrevistas. “Queremos demonstrar desde Pequim como nos sentimos a respeito disso. Ainda que não possamos dizer ao governo o que fazer, eles deveriam insistir para recuperar as ilhas”, disse uma guia de turismo Ting (só deu o sobrenome), de 26 anos.

(Relatos de agência de notícias afirmam que houve pedras lançadas e uma tentativa de invasão. Se ocorreu, foi no início do protesto.)

Por volta do meio-dia, a polícia decidiu dispersar a multidão ocupando a frente da embaixada. Os manifestantes saíram pacificamente, mas marcharam, escoltados, duas vezes em círculo diante do prédio, lançando mais garrafas e ovos em casa passagem. Parecia coreografado.

Manifestante chinês participa de manifestação com abrigo do Palmeiras, em Pequim (Fabiano Maisonnave/Folhapress).

A compra das ilhas foi a solução encontrada pelo governo nacional japonês para evitar a compra da área pelo prefeito ultranacionalista de Tóquio, Shintaro Ishihara. Ele havia iniciado uma campanha para adquirir o arquipélago e prometia povoá-lo.

Na prática, a compra não muda nada, já que as ilhas estavam alugadas pelo governo japonês, e a região continua sob administração de Tóquio.
O governo chinês sabe disso, mas preferiu incentivar o nacionalismo, principalmente por meio da cobertura raivosa feita pela imprensa estatal.

Nesta semana, o jornal “Notícias da Noite de Pequim” chegou a defender o uso de armas nucleares: “Simplesmente, pule para o prato principal e jogue uma bomba atômica. É mais simples”, afirma um comentário no microblog da publicação, sem nenhum respeito pelos horrores sofridos em Hiroshima e Nagasaki.

O ambiente nacionalista também vem colocando em risco dezenas de milhares de japoneses que vivem e trabalham na China. Em Xangai, o consulado japonês reportou seis ataques a cidadãos japoneses, nenhum com gravidade. Num deles, um grupo de chineses jogou macarrão no rosto de um e quebrou os óculos de outro.

E não faltam relatos idênticos ao do livro de Yu Hua, donos de carros de marcas japonesas destruindo o próprio patrimônio. Se a ideia é ferir os japoneses, na prática é um tiro no pé.

Há muitos chineses críticos dos protestos nacionalistas. No weibo (microblog chinês), um caricaturista anônimo ironiza a estranha prática de queimar carros de marcas japonesas. .Um samurai aperta um “botão”, localizado no arquipélago em disputa, provocando a capotagem de carros na China.

 

Faixa lembra os crimes de guerra cometidas por tropas japonesas durante a ocupação (1931-1945) (Fabiano Maisonnave/Folhapress).

Mãe leva criança de colo para protestar contra o Japão (foto: Kali Lan).

 

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A Revolução Cultural em imagens inéditas

Por Vista Chinesa
14/09/12 11:38

O governador de Heilogjiang, Li Fanwu, tem o cabelo cortado por adolescentes da Guarda Vermelha após ser acusado de tentar se parecer a Mao. A foto foi tirada numa praça de Harbin, capital dessa Província (Li Zhensheng – Contact Press Images/12.set.1966).

Por Fabiano Maisonnave, de Pequim

A Revolução Cultural (1966-76), ocorrida apenas uma geração atrás, é um dos momentos mais violentos e tristes da história chinesa. Apesar de recente, são raras as imagens daquele período por causa do esforço do Partido Comunista, no poder então e agora, em minimizar milhões de mortes e de vidas destroçadas injustamente pela campanha ultraesquerdista de Mao para eliminar inimigos internos.

Um dos poucos registros fotográficos que sobreviveram são obra de Li Zhensheng, hoje com 72 anos, na fria cidade de Harbin (nordeste), onde hoje existe uma pequena comunidade brasileira trabalhando na fábrica da Embraer.

Li trabalhava como fotógrafo para um jornal local. Com um aguçado senso de história, ele escondeu negativos por mais de 20 anos. O acervo agora vem sendo publicado em livros e exposições no exterior. Mas seu trabalho continua censurado na China, onde as escolas ensinam ódio ao Japão pelos seus crimes de guerra na ocupação enquanto ignoram os dezenas de milhões de mortos pela Grande Fome e pela Revolução Cultural.

Nesta semana, a repórter-fotográfica Sim Chi Yin publicou uma entrevista com Li junto com uma série de 20 impressionantes fotos inéditas, incluindo descrições detalhadas.

“Quando a Revolução Cultural começou, quando Mao a anunciou, todos estavam animados, inclusive eu”, conta Li. “Depois, era como um cavalo que havia perdido as rédeas.”

Kang Wejie, de cinco anos, defensora de “aprender e aplicar o pensamento de Mao”, dança para militantes na praça da Guarda Vermelha, em Harbin. (Li Zhensheng – Contact Press Images/28.abr.1968)

“Contrarrevolucionários” e supostos criminosos prestes a ser fuzilados; à esquerda, guarda vermelho tenta separar dois amantes condenados à morte, Cui Fengyuan e Guan Jingxian (Li Zhensheng – Contact Press Images/5.abr.1968).

 

 

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Plágio e fraude nas universidades chinesas

Por Vista Chinesa
07/09/12 13:19

 

Caricatura de Fang Zhouzi publicada no jornal “China Daily”; ele ganhou fama nacional ao revelar casos de plágio no mundo acadêmico.

Por Eric Vanden Bussche, de Pequim

No ano passado, um professor de biologia de uma universidade de Wuhan passou a almejar o posto de chefe de departamento. Para isso, entretanto, seria necessário publicar um artigo numa revista científica no exterior. Esse professor então teve a ideia de pedir ajuda a um velho amigo, cuja filha havia se doutorado em biologia na Austrália. O diálogo entre ambos _presenciado por mim_ revela o preocupante estado do ensino superior na China.

“Será que a sua filha poderia me ajudar a publicar um artigo em inglês numa revista acadêmica na Austrália ou EUA?” perguntou o professor de biologia.

“Quando você me entregar o artigo, pedirei a minha filha para traduzi-lo ao inglês e encaminhá-lo a uma publicação científica norte-americana,” respondeu o seu amigo.

Mas a expressão no rosto do professor de biologia demonstrava certa inquietação. “É melhor que sua filha escreva o artigo. Se quiser, ela pode escrever sobre suas próprias pesquisas”, disse o professor de biologia. “Eu nunca redigi um artigo científico na minha vida e já não entro num laboratório há décadas.” Para convencer o seu amigo, ele prometeu uma generosa quantia em dinheiro.

Apesar dos investimentos do governo chinês em suas universidades e na contratação de professores e pesquisadores de renome internacional, o caso que acabo de relatar não é uma exceção e revela como o ensino superior do país ainda tem um árduo caminho a percorrer até conseguir oferecer cursos com a mesma qualidade das universidades norte-americanas e europeias.

Casos de fraude e plágio não são novidade na China. Segundo um artigo no “Epoch Times”, entre 2008 e 2010, 31% dos artigos na “Revista de Ciências da Universidade de Zhejiang”, uma das publicações acadêmicas de maior prestígio do país, continham trechos e ideias sem as devidas citações.

O jornal também assinalou que uma um terço dos 6.000 cientistas que responderam a uma enquete realizada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia da China admitiram que já plagiaram, fabricaram e falsificaram resultados.

E um estudo recente da Universidade de Wuhan mostra que acadêmicos chineses _como o professor de biologia que citei no início do meu texto_ compram artigos para aumentar a sua lista de publicações. Segundo o estudo, o negócio de compra e venda de artigos e teses movimenta milhões dólares por ano.

O cientista Fang Shimin _mais conhecido como Fang Zhouzi_ tem provocado arrepios no meio acadêmico chinês por se dedicar em revelar tais casos. Durante a última década, ele expôs mais de mil. Seus esforços lhe renderam uma extensa lista de inimigos, que o acusam de macular a imagem acadêmica do país.

Em 2011, a revista “Legal Weekly” publicou um artigo de quatro páginas criticando Fang, no qual colegas dele afirmavam que ele não era “uma pessoa adequada para ser um amigo”. E há dois anos, Fang chegou a ser agredido fisicamente com um martelo por três homens contratados por Xiao Chuanguo, um pesquisador de renome da Universidade de Ciência e Tecnologia de Huazhong, em Wuhan, centro-oeste da China.

Fang havia enfurecido Xiao ao tecer duras críticas sobre os métodos e resultados de suas pesquisas na área de medicina. Alguns meses após o ataque _que rendeu a Xiao uma pena de prisão de cinco meses_, o presidente da Universidade de Centro-Sul em Changsha disse aos participantes da reunião anual da Associação Chinesa de Ciência e Tecnologia: “Estamos numa época perigosa para defender a ética acadêmica”.

Os casos de fraude e plágio revelam um grave problema das universidades chinesas: a falta de inovação e criatividade. Muitos dos professores universitários que conheço, tanto na área de humanas quanto ciências exatas e biológicas, culpam o sistema educacional, que enfatiza a memorização e não estimula os alunos a desenvolverem a um senso crítico.

Até mesmo professores de renome com doutorados obtidos em universidades de elite na Europa e EUA se envolveram em escândalos. É o caso da estrela do Instituto de Antropologia da Universidade de Pequim, Wang Mingming, doutor pela Universidade de Londres. Em 2002, ele foi acusado de plagiar vários trechos de “Antropologia Cultural”, do professor da Universidade de Vermont (EUA) William A. Haviland. Aliás, estima-se que um terço de uma obra de Wang fora extraída do livro do antropólogo norte-americano.

Wang pediu desculpas e, como punição, acabou sendo proibido temporariamente de orientar alunos de pós-graduação, uma punição bastante leve se levarmos em conta que nos EUA e na Europa ele seria obrigado a encerrar a sua carreira acadêmica. Mas na China, onde há uma maior tolerância com casos de plágio e fraude, seus alunos na época publicaram uma carta aberta defendendo o seu orientador e acusaram o denunciante de tentar manchar a reputação da universidade. Wang continua lecionando na Universidade de Pequim até hoje e ainda é prestigiado no meio acadêmico.

Essa tolerância com tais deslizes é preocupante. Até mesmo Fang Zhouzi, que escolheu como sua missão de vida denunciar acadêmicos desonestos, mudou seu discurso quando a revista “Legal Weekly” acusou sua esposa Liu Juhua de plágio em sua dissertação de mestrado. Ao defender a sua esposa, Fang argumentou que as universidades chinesas não ensinam aos seus alunos como citar obras e por isso uma tese não deveria ser uma exigência para alunos de graduação e mestrandos.

Muitos culpam o modo de funcionamento do sistema universitário chinês. As instituições de ensino superior são controladas por burocratas do Partido Comunista chinês (PC), e a ascensão profissional, na maioria das vezes, ainda é determinada por critérios políticos, e não acadêmicos.

Para piorar a situação, desde a década de 90 o governo chinês tem priorizado números sobre qualidade acadêmica. O sucesso na educação superior é medido não a partir da inovação ou qualidade, mas pelo número de alunos e quantidade de publicações dos professores.

Nas últimas duas décadas, houve um aumento significativo de vagas nas universidades. Mas os críticos assinalam que isso resultou numa perda de qualidade do ensino, pois o número de professores não acompanhou o ritmo. Segundo o “Epoch Times”, entre 1999 e 2004 o número de alunos triplicou enquanto o de professores apenas duplicou.

E a ênfase das universidades no número de publicações de seus acadêmicos tem estimulado o plágio, a compra de artigos e a fabricação e falsificação de dados. Atualmente muitas universidades oferecem contratos de três anos ao seu corpo docente e estipulam um número mínimo de artigos que precisam ser produzidos durante esse período. Quem não atingir a quota não consegue renovar o seu contrato. Uma professora da Universidade Normal de Pequim me explicou que, com a adoção de tal sistema, ninguém se importa mais com o conteúdo e o valor da pesquisa. “Os acadêmicos chineses hoje estão publicando milhares de artigos por ano que ninguém vai ler,” me disse essa professora. “É um gasto de papel.”

Há dois anos, o premiê Wen Jiabao defendeu uma reestruturação das universidades chinesas para que deixem de ser uma repartição pública e se transformem em centros de pesquisa. A mensagem que ele queria transmitir era clara: a China precisa melhorar a qualidade de ensino e pesquisa em suas universidades para se consolidar como potência mundial. Para isso, é necessário que essas instituições sejam comandadas por acadêmicos em vez de burocratas. Mas a ideia do premiê Wen Jiabao acabou sendo alvo de críticas, em especial dos reitores, que na China gozam de um status semelhante a ministro de Estado.

Muitos acadêmicos chineses com os quais conversei acreditam que será muito difícil transformar o atual sistema educacional. Eu concordo com eles e me pergunto como a falta de inovação no meio universitário afetará o futuro do país.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.
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Rio-2016: o que podemos esperar? Uma visão chinesa.

Por Vista Chinesa
03/09/12 13:42

Marisa Monte se apresenta no encerramento dos Jogos de Londres (Reuters – 13.ago.2012).

Por Zhou Zhiwei, do Rio de Janeiro

Assim que o prefeito do Rio de Janeiro recebeu a bandeira do Comitê Olímpico Internacional (COI), os “8 minutos do Rio de Janeiro” entraram no palco, simbolizando o início da contagem regressiva para as próximas Olimpíadas. O que 2016 nos trará? Temos quatro anos pela frente, tempo suficiente para cultivar a esperança e a imaginação.

Em outubro de 2009, quando o Rio ganhou os Jogos Olímpicos 2016, falei numa entrevista: “Objetivamente falando, tanto o ‘software’ como o ‘hardware’ do Rio não se comparam com outras cidades candidatas. A cidade é fraca em termos de transporte, segurança, estrutura e construção de estádios. No entanto os Jogos Olímpicos do Rio serão uma festa tipicamente brasileira.”

Para avaliar os Jogos, é preciso levar muitos fatores em conta. Mas o que mais importa são a preparação e a organização.

Sobre o preparo, o mundo não vê o Brasil não com muita esperança. Em primeiro lugar, sendo um país em desenvolvimento, será que o Brasil tem economia forte para realizar com sucesso uma edição dos Jogos Olímpicos? Essa pergunta já foi levantada muitas vezes. Estou confiante quanto a isso. De acordo com a tendência da economia brasileira nestes anos, mesmo que o Brasil tenha sofrido com a crise financeira internacional e a crise da dívida europeia, a macroeconomia, em geral, vem melhorando desde 2003. Após um crescimento estável por dez anos, a demanda do mercado de trabalho vem se mantendo forte.

Com mais uma série de políticas em prol dos mais pobres, o Brasil já tem uma estrutura de classe média na sociedade. Além disso, o consumo interno tem sido o motivo principal do crescimento econômico do Brasil. Especialmente nos últimos dois anos, a demanda nacional tem contribuído com 80% do PIB, o que contradiz a noção de que o avanço econômico do Brasil depende da exportação de commodities.

O comércio de recursos naturais e de produtos agrícolas ocupa aproximadamente 50% do superávit comercial brasileiro. No entanto a exportação na área de comércio exterior tem uma ocupação apenas de 10%. Obviamente, o julgamento de que o Brasil depende muito das exportações é errado.

Os fatores mencionados acima também são as razões vitais para entender por que o Brasil tem enfrentado bem os ataques contínuos das crises vindas de fora. Além disso, com uma macroeconomia estável, o governo brasileiro começou a planejar melhor um desenvolvimento econômico de prazo médio e de prazo longo. Ao mesmo tempo, o Brasil tomou a iniciativa de resolver os “problemas históricos”, tais como os impostos e taxas de juros altos, os elevados “spreads” bancários e a falta de estrutura, que limitam o avanço da sociedade brasileira por muito tempo.

Embora algumas medidas não tenham alcançados os objetivos, pelo menos o Brasil está andando, em vez de ficar estagnado. Com a descoberta de potencial de campos de petróleo no fundo do mar, a economia brasileira possui mais uma “garantia”. Partindo de previsão das grandes agências de avaliação, o Brasil manterá, nos próximo quatro anos, um crescimento econômico de 3% a 4%.

Durante a preparação dos Jogos, de 2008 até 2011, o Reino Unido atravessou a crise financeira internacional e a crise da dívida europeia com uma queda acumulada de 2,5% do PIB. Diante disso, provavelmente o Brasil não terá problema em termos econômicos para sustentar os Jogos Olímpicos.

Acredito que o maior problema do Rio-2016 seja as construções para os Jogos. Talvez todos tenham se acostumado com o jeito de Londres _completar apressadamente as construções pouco antes da cerimônia de abertura. Mas, para o Brasil, precisamos de mais paciência. Comparando com Londres, que tem realizado vários eventos esportivos de primeiro nível, o Rio de Janeiro não tem histórico parecido.

Apesar de o Brasil ter realizado os Jogos Pan-Americanos, não há muitos estádios de primeiro nível (claro, menos os campos de futebol). Vendo o resultado do Brasil nesta última edição dos Jogos (3 ouros, 5 pratas e 9 bronzes), podemos concluir que muitos esportes não são populares entre os brasileiros, resultando na falta de bons locais de prática. Isso significa que o Rio ainda precisa construir novos estádios esportivos e instalações auxiliares. É bem diferente de Pequim e de Londres, onde houve reforma ou ampliação dos centros esportivos.

Para o Brasil, o mais incerto é o período de construção desses grandes estádios. Em fevereiro, tive sorte de ser professor visitante no Rio de Janeiro e experimentei o Carnaval brasileiro. No meio da “passarela do samba”, aprendi a história da sua construção, desenhada por Oscar Niemeyer. O desenho original é composto por duas arquibancadas simétricas nos dois lados da passarela. Para transformar esse desenho em realidade, foram 30 anos.

Obviamente, ao contrário do Sambódromo, o prazo para a conclusão das obras para os Jogos é fixo. Por isso, a falta de eficiência deixa as pessoas desconfiadas com a preparação do Brasil para 2016.

Quanto à organização de Jogos, acredito que o Brasil deva ter alguns planos práticos. Provavelmente o Brasil pode aprender com as experiências de Pequim e Londres, já que o Ministério do Esporte brasileiro formou uma comissão especializada em estudar a organização das últimas edições. Contudo o Brasil é muito diferente da China e até do Reino Unido, e o grande poder dos sindicatos pode virar um problema para a organização dos Jogos.

Em junho, antes da abertura da Rio +20, os funcionários do Itamaraty subitamente declararam a greve por tempo indeterminado, deixando o governo federal brasileiro desacreditado. Além disso, os servidores públicos federais entraram em greve por tempo indeterminado no dia 7 de agosto, desejando um aumento de salário antes de o governo formular o Orçamento do ano, três semanas depois. A greve se espalhou de alguns Estados para todo o país, envolvendo 28 setores, ou aproximadamente 370 mil pessoas.

Tomo a greve da Polícia Federal como exemplo. Até 23 de agosto, a PF já mantinha a greve por 15 dias, não atendendo ao pedido de passaportes dos cidadãos e o registro de estrangeiros. Durante esse período, a PF apenas atendeu a “passaportes urgentes”, que apenas servem em viagens para tratamento de doença grave e exigem uma série de documentos médicos e de trabalho. Em resposta, a presidente Dilma Rousseff expressou que o Brasil mandaria parte de Exército para assumir a função da PF no futuro, evitando a possibilidade de estagnação ocorrer na Copa de 2014 ou no Rio-2016.

Apesar de o Rio- 2016 ter entrado em fase de contagem regressiva, o anfitrião ainda não começa a contar as horas, pois o primeiro evento que o país vai enfrentar será a Copa de 2014. Comparando com o período de 30 anos de construção do Sambódromo, uma preparação de quatro anos não é longa.

Afirma-se que os sucessos da realização dos Jogos Olímpicos de Pequim e da Exposição Mundial de Xangai podem ser símbolos da China como um país realmente em desenvolvimento.

Agora o Brasil também está se firmando, para qual o país ainda receberá a avaliação de vários “professores”. E apenas ganhará uma nota boa se conseguir agradar a esses “professores”. Os brasileiros, sempre com seu estilo casual, parecem ainda não ter passado por uma experiência séria como essa.

Acredito que neste “exame de graduação” com relação ao seu status internacional, o Brasil fará o máximo para mostrar a sua melhor face. Por outro lado, quatro anos é um tempo longo, durante qual o país ainda passará por uma troca de governo federal e duas mudanças de governos municipais. Essa remodelação política tende a exercer uma influência grande nos Jogos.

Com certeza, os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro se realizarão como esperado em 2016, pois isso não é apenas um projeto nacional, mas também um projeto do Comitê Olímpico Internacional. Ninguém quer falhar. Além disso, as paisagens lindas, as mulheres bonitas e as comidas deliciosas do Brasil certamente darão um toque especial ao Rio-2016. Em vez de comentários exigentes, adotemos a atitude casual, como a dos brasileiros, para sentir seu estilo _o sabor especial que cada país sede dá aos Jogos Olímpicos.

Tradução de Sun Ningyi.

 

Zhou Zhiwei é especialista em Brasil do Instituto da América Latina da Academia Chinesa de Ciências Sociais e secretário-geral do Centro de Estudos Brasileiros. Foi pesquisador visitante de relações internacionais na USP e no BRICS Policy Center da PUC-RJ. As suas principais áreas incluem estudo sintético do Brasil, política externa, estratégia internacional do Brasil, relações bilaterais e integração latino-americana. Atualmente, é professor visitante do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.
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As cidades-fantasmas chinesas

Por Vista Chinesa
28/08/12 08:05

Shopping center vazio na cidade de Dongguan, no sul da China (Divulgação – 13.fev.2010).

 

Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro

Em recente artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, Fabiano Maisonnave, correspondente da Folha em Pequim, abordou a existência de cidades-fantasmas na China. Enormes complexos urbanos, construídos com toda a modernidade e infraestrutura se encontram desabitados e são usados como exemplo de desperdício de capital e como consequência, de uma suposta bolha imobiliária chinesa.

Os exemplos de cidades-fantasmas no nosso imaginário estão quase sempre associados à decadência econômica de uma região ou mesmo ao esgotamento de uma riqueza ou fonte de trabalho que justifique as pessoas permanecer morando nessas áreas. Acidentes naturais ou mesmo provocados pelo homem como o acidente nuclear de Chernobyl, bases militares abandonadas são outros exemplos comum de cidades-fantasmas. O caso chinês representa um exemplo único onde essas cidades se tornam fantasmas mesmo antes de serem ocupadas.

Inegavelmente, esses complexos urbanos desocupados são testemunhas de falhas do planejamento chinês e representam uma forma de desperdício, considerando o fato de que, construídos há alguns anos, esses complexos ainda não cumpriram seu objetivo, que seria abrigar populações rurais que se deslocam para as cidades. Gostaria de abordar esse tema pelo ângulo econômico e também sob o ângulo da eficiência das políticas publicas chinesas.
Sob o ponto de vista econômico, é fato que essas distorções só foram possíveis face ao primitivismo do mercado financeiro chinês, que monopoliza a poupança privada e permite uma alocação menos eficiente do capital por não oferecer aos poupadores chineses outras opções de investimento.

Essa falta de alternativas para aplicação da imensa poupança gerada pelos chineses tem criado, além dessas cidades-fantasmas, algumas centenas de milhares de residências e apartamentos desocupados por toda a China. O desenvolvimento do “shadow lending”, mecanismo pelo qual as pessoas aplicam seus recursos a taxas de juros muito maiores aquelas obtidas no sistema financeiro emprestando diretamente a tomadores finais e o investimento direto em atividades produtivas são outras distorções que têm origem nesse primitivismo do mercado financeiro chinês. Na impossibilidade de comprar ações de setores em franca expansão, muitos chineses, apoiados pelas autoridades provinciais, também optaram por investir diretamente na expansão da capacidade produtiva do país.

A indústria da construção na China é sem dúvida hipertrofiada para os padrões ocidentais, mas, do ponto de vista nacional, é uma maneira eficiente de fixar a poupança no próprio país em obras de infraestrutura e residências para uma população de mais de 1,3 bilhões de pessoas. Sabemos pela análise de outros países que a inexistência de mecanismos e instituições sólidas para absorção da poupança leva à fuga de capitais para outros países, como o exemplo da América Latina o bem demonstra.

O extraordinário excedente econômico gerado pela China (excedente econômico é o produto de um país que excede seu consumo) tem de ser aplicado no investimento local ou no comércio exterior. A falta de mecanismos financeiros e a crescente dificuldade que a China vem enfrentando para alocar seu excedente econômico no comércio exterior levaram o direcionamento de recursos para obras de infraestrutura faraônicas ou mesmo para a construção das cidades-fantasmas como as mencionadas neste artigo.

Do ponto de vista puramente econômico, não obstante a ineficiência por trás desse fenômeno, deve-se mencionar que tudo isso vem sendo feito e construído com recursos do próprio país e à custa da própria sociedade chinesa, não representando endividamento em relação ao exterior, a exemplo do endividamento americano ou europeu. O potencial estrago de investimentos menos eficientes feitos com recursos próprios é muito menor do que aqueles realizados com recursos externos.

Excluído o aspecto negativo acima mencionado, relacionado à questão econômica, defendo a tese de que do ponto de vista social e de políticas publicas, esses exemplos mostram o lado positivo do processo de urbanização chinês. Primeiro, por construir previamente as residências e toda a infraestrutura urbana para abrigar esse movimento migratório. Segundo, por evitar ocupá-las enquanto os empregos para as populações oriundas do campo não forem criados.

Comparando com os exemplos de urbanização ocorridos na América Latina, incluindo o Brasil, nem as residências com a necessária infraestrutura foram construídas previamente nem os empregos de qualidade para contemplar esse fluxo migratório foram criados. Como consequência, o que vimos foi um processo de favelização e aumento do subemprego. O maior produto do processo de urbanização desenfreada na América Latina e no Brasil não foram as cidades-fantasmas à moda chinesa, mas favelas, pobreza e criminalidade.

Que algumas cidades e milhares de residências não tenham sido ocupadas e que os empregos para seus moradores ainda não tenham sido criados é uma pequena distorção que não podem de nenhuma maneira ser apresentado como sinal de falha ou fracasso do modelo econômico chinês como muitos querem fazer parecer.

Todo fato merece uma análise por óticas diferentes, e a minha interpretação da existência de algumas cidades-fantasmas na China é mais positiva do que negativa. O mesmo processo que criou essas cidades desabitadas gerou condições adequadas de vida e emprego para milhões de pessoas que viviam no campo numa economia de subsistência e em condições de vida pré-históricas.

Nos últimos 30 anos, a China mudou mais de 400 milhões de pessoas do campo para as cidades. Isso é mais do que toda a população da Europa ou dos Estados Unidos, que tiveram mais de dois séculos para proceder a essa mudança.

Algumas cidades-fantasmas que foram construídas antecipadamente não invalidam a dimensão da tarefa executada pelos chineses que representou o maior êxodo rural da história da humanidade. Certamente ainda há muito a fazer uma vez que nos próximos 20 anos outros 400 milhões de chineses deverão migrar do campo para cidade.

Como contraponto a essa situação temos que considerar a situação que enfrentamos em muitas cidades da América Latina, África, Índia e outros países asiáticos onde esse processo migratório do campo para as cidades tiveram como consequência o nascimento de milhares de favelas onde milhões de pessoas vivem em péssimas condições de urbanização e em um subemprego estrutural sem solução.

Essa situação também se verificou nas grandes cidades dos países desenvolvidos em algum momento de sua história. Quem não leu “Os Miseráveis”, de Victor Hugo ou não assistiu às “Gangues de Nova York”? Ou quem não leu sobre guetos das grandes cidades europeias criados em torno das fábricas que se seguiram ao fenômeno da Revolução Industrial?
Minha visão, sempre compreensiva em relação às mazelas dessa nação que tanto admiro, vê na existência de algumas cidades-fantasmas na China apenas uma pequena distorção nessa grandiosa obra, ainda mais significativa que a construção da Grande Muralha, que foi deslocar mais de 400 milhões de pessoas do campo para as cidades.

Com relação ao fato dessas cidades representarem algum sinal de bolha imobiliária, acredito que estejamos muito longe disso. Essas construções foram financiadas pela poupança chinesa que atinge hoje mais de 51% do Produto Interno Bruto do país, e não pelo fundo de pensão dos funcionários de alguma pequena cidade na Noruega como foi o caso da bolha imobiliária americana.

Certamente representam alguma forma de alocação inadequada de capital, mas em nada se compara aos movimentos especulativos e as artimanhas financeiras que verificamos no Ocidente anteriormente à grande crise de 2008, que acabou por comprometer bancos europeus e arrastar o mundo todo para uma crise comparável à Grande Recessão de 1929 e que até agora ainda não se resolveu.

Diferentemente da crise que afeta o Ocidente e que teve seu epicentro na crise imobiliária americana, o problema das cidades-fantasmas chinesas será resolvido naturalmente. A carência habitacional na China atinge hoje mais de 40 milhões de residências e milhões de pessoas que migraram do campo para a cidade ainda vivem em acampamentos industriais, longe de suas famílias por falta de habitações.

O maior problema que se esconde atrás dessas cidades-fantasmas é o fato de que os empregos que justificariam sua população não foram criados na velocidade necessária. Sem trabalho de qualidade, a vida nas cidades não se justifica e é natural que essas residências e infraestrutura fiquem desocupadas até que essa condição seja atendida.

Escrevi boa parte deste artigo em uma das minhas viagens na volta da Europa para o Brasil. Desembarcando no aeroporto do Galeão, no caminho para minha casa na zona sul do Rio, passei pelo Complexo da Maré, onde mais de 150 mil pessoas vivem em habitações de segunda qualidade, sem saneamento básico e sem as mínimas condições de urbanização, sem empregos de qualidade e em meio a elevados índices de criminalidade.

Pensei que talvez não fosse de todo mal se o Brasil, a exemplo da China, tivesse algumas cidades-fantasmas desocupadas. Seria um pequeno preço a pagar se com isso tivéssemos colocado um fim nessa imensa dívida social de nossas grandes cidades que são as favelas, o subemprego e as péssimas condições de vida que oferecemos aos nossos irmãos brasileiros menos favorecidos pelo nosso sistema político-econômico.

Olhando por esta perspectiva talvez seja mais fácil aceitar como um mal menor essa distorção do modelo econômico e das políticas públicas de inclusão social na China.

José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada a cada 14 dias.

 

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