Folha de S.Paulo

Um jornal a serviço do Brasil

  • Assine a Folha
  • Atendimento
  • Versão Impressa
Seções
  • Opinião
  • Política
  • Mundo
  • Economia
  • Cotidiano
  • Esporte
  • Cultura
  • F5
  • Classificados
Últimas notícias
Busca
Publicidade

Vista Chinesa

por Fabiano Maisonnave

Conheça Os colunistas que fazem a Vista Chinesa

Perfil completo

A pátria em medalhas

Por Vista Chinesa
01/08/12 12:00

Capa do jornal nacionalista chinês “Global Times” com atletas de salto sincronizado sob o título: “Em uníssono”.

Fabiano Maisonnave, de Pequim

Acompanhar os Jogos desde Pequim tem sido uma chatice _se você não for um dos milhões de chineses fascinados com seus atletas.

A chuva de medalhas tem recebido uma cobertura pra lá de patriótica da CCTV, a emissora estatal detentora do direitos de transmissão.

É certo que, em muitos países com mania de grandeza, e o Brasil certamente não está fora, a adrenalina ufanista dispara em tempos olimpícos. Mas aqui o loop de imagens em formato de notícias e replays foca apenas nos, até agora, 13 chineses de ouro. Prata e bronze praticamente não têm espaço. Os dramas da derrota, realidade da maioria dos atletas de qualquer país, são uma nota de rodapé.

Alguma coisa deve estar errada quando já reconheço Yi Siling, vencedora de carabina de ar 10 metros, uma dessas modalidades que quase ninguém sabe que existe.

O que se passa fora do universo dos atletas chineses praticamente não existe. A incrível derrota da Espanha para Honduras no futebol foi contada em segundos _a única imagem que apareceu foi a de um chute errado do lado espanhol. E isso que são dois canais transmitindo 24 horas.

A patriotada continua nos intervalos comerciais: as mesmas imagens de chineses celebrando o ouro (prata e bronze não contam) ressurgem, agora em câmera lenta, ao som da chata e mais do que batida “We are the Champions”. Culpa da Anta, a fornecedora oficial de material esportivo.

A minha impressão é que, ainda embalados pela memória das Olimpíadas de Pequim, os chineses estão celebrando o festival de medalhas como a retomada da mesma festa ufanista de quatro anos atrás.

Formou-se também uma espécie de união nacional em torno da nadadora prodígio Shiwen Ye, 16. Nas redes sociais, centenas de milhares de comentários defenderam a performance da nova recordista mundial, muitos afirmando que as insinuações de doping eram “anti-China”.

A origem de todo esse ouro é a o aparato estatal,  que repete os modelos soviético e cubano, identificando e recrutando crianças que acabam de deixar de engatinhar. Mas também há incentivos pecuniários: o lugar mais alto do pódio rende uma premiação de até R$ 321,5 mil. Capitalismo de Estado.

O sucesso no palco mundial das Olimpíadas só fazem aumentar a assertividade chinesa diante do mundo, apesar da famosa doutrina de Deng Xiaoping pela qual se deve “manter o perfil baixo e nunca liderar” em assuntos externos.

O editorial do jornal estatal “Global Times” desta terça-feira diz que os “Jogos Olímpicos são um evento cíclico no Ocidente. Mas, para os chineses, é um lugar para se comparar com o mundo”. Se o quadro de medalhas for realmente o espelho do planeta, o Narciso chinês se vê muito bonito.

 

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

A China descobre o Brasil: o primeiro capítulo das relações sino-brasileiras

Por Vista Chinesa
27/07/12 13:10

Reprodução do documento de autoria de Li Hongzhang, que negociou o Tratado Sino-Brasileiro de 1881-1882 com a delegação brasileira. No texto,  datado no início de 1882, Li  pede ao imperador autorização para assinar o acordo.

Por Eric Vanden Bussche, de Taipé (Taiwan)

Em 1889, um alto burocrata da corte imperial chinesa, Kang Youwei, não se encontrava muito otimista quanto ao futuro do seu país. Rebeliões internas, crises fiscais e o avanço do imperialismo europeu ameaçavam as instituições da dinastia Qing (1644-1911). Em meio às dúvidas acerca da sobrevivência da China como uma nação, potências européias como a Inglaterra, Rússia e França já discutiam como partilhar o país. Foi nesse contexto que Kang Youwei sugeriu a emigração em massa e a fundação de uma “nova China” no Brasil. Só assim seria possível evitar a extinção do povo chinês e de sua cultura.

Por que Kang Youwei escolhera o Brasil, um país que ele nunca visitara? Segundo o historiador Mao Haijian, a atração de Kang pelo Brasil pode ser explicada pelos estreitos laços de amizade que cultivava com comerciantes chineses em Macau responsáveis pelo transporte de emigrantes ao continente americano. Ao defender o seu projeto, Kang destacava as terras férteis do vasto território brasileiro, a riqueza natural do rio Amazonas e, principalmente, aquilo que enxergava como o principal atrativo: uma população de apenas oito milhões, o que permitiria ao país absorver as levas de imigrantes que construiriam uma nova China.

A ideia de estabelecer uma China nos trópicos nunca chegaria a ser concretizada, mas marcaria uma mudança de atitude do império Qing em relação ao Brasil.

Historiadores chineses e brasileiros insistem em marcar a chegada de trabalhadores chineses ao Rio de Janeiro em 1810 como o início das relações entre ambos os países. Na verdade, as raízes dos contatos sino-brasileiros se encontram no comércio marítimo português nos séculos 17 e 18. Embora a Coroa portuguesa proibisse o comércio entre Macau, no sul da China, e o Brasil, navios portugueses que chegavam aos portos de Salvador, Recife e Rio de Janeiro abasteciam o mercado com sedas, porcelanas e até braços chineses. Segundo o acadêmico Charles Boxer, há indícios documentais que apontam a participação de trabalhadores chineses na extração de ouro em Minas Gerais durante o século 18.

Os chineses também se beneficiaram desse comércio. Navios portugueses que aportavam em Macau traziam produtos como mamão, mandioca, cacau, goiaba e borracha.

Mas a corte Qing nunca demonstrara muito interesse em aprofundar essa relação. Os poucos escritos que circulavam na China sobre o Brasil _em sua maioria traduções de enciclopédias geográficas européias_ caracterizavam o país como uma região exótica e primitiva, onde peixes gigantes serviam como o principal meio de locomoção e as mulheres preferiam cobrir o seu corpo com os seus longos cabelos em vez de roupas.

Esse desinteresse ficou evidente em 1879, época em que o Brasil resolveu enviar uma missão diplomática à China para negociar o estabelecimento de relações formais entre ambos os impérios. Essa missão diplomática, liderada por Eduardo Calado e Artur Silveira da Mota, tinha como objetivo principal a negociação de um tratado que assegurasse a emigração de chineses para suprir a carência de braços nas lavouras de café.

Mas mesmo antes da partida da missão, diplomatas chineses na Europa tentaram persuadir os representantes brasileiros a abandonarem a ideia, pois não havia nenhum interesse da corte Qing na negociação de um tratado. Além disso, a corte Qing não estava disposta a estimular a emigração de seus súditos ao Brasil, temendo que eles fossem sujeitos às mesmas condições deploráveis de trabalho que em outros países do continente americano.

A missão brasileira resolveu ignorar as resistências do governo chinês e seguiu rumo à cidade portuária de Tianjin, próxima à capital, Pequim. Ela foi recebida por Li Hongzhang, um dos ministros mais influentes da corte Qing. Em seu relato desse primeiro encontro, os enviados brasileiros enfatizaram a sua surpresa com a falta de conhecimento do ministro chinês sobre o Brasil: “A nós o que causou admiração foi a ignorância completa do vice-rei em matéria de geografia; pois entre muitas questões pueris que propôs, relativamente aos nossos limites, perguntou se o Brasil era banhado pelo mar.” Segundo os diplomatas, Li Hongzhang não perdeu a oportunidade de comparar ambos os países e assinalar a superioridade da China em certas áreas. Devido aos maus-tratos que os trabalhadores chineses sofriam em Cuba e no Peru, Li Hongzhang também se opunha à emigração dos súditos de seu império para as lavouras de café.

A missão brasileira conseguiu, após longas negociações e graças à interferência da Inglaterra, assinar um tratado estabelecendo relações formais com a corte Qing. A forte oposição de Li Hongzhang e outros ministros da corte, porém, frustrou as repetidas tentativas brasileiras de incluir no tratado uma cláusula estimulando a emigração de trabalhadores chineses.

A posição da dinastia Qing em relação ao Brasil, entretanto, passou por uma transformação com a visita do militar Fu Yunlong ao Brasil, em 1889. O militar havia sido enviado ao Japão e ao continente americano pelo Zongli Yamen (o órgão do governo Qing responsável pelas relações exteriores) para coletar informações sobre esses países. Após permanecer no Brasil durante um mês (de 7 de março a 5 de abril de 1889), Fu Yunlong preparou um relatório que enterrou as resistências da corte Qing em relação à emigração de coolies chineses ao país. Para Fu, os trabalhadores chineses no país se dedicavam ao cultivo do chá e, ao contrário dos coolies no Peru e em Cuba, não sofriam maus-tratos. Ele enfatizou as oportunidades que o Brasil oferecia aos imigrantes: a abundância de terras virgens e minas a serem exploradas.

Mas a partir desse período, o governo brasileiro passou a reavaliar os seus esforços diplomáticos no Extremo Oriente. A ascensão do Japão como potência regional e os obstáculos enfrentados até então para a contratação de trabalhadores chineses levaram o Brasil a redirecionar as suas atenções em direção a Tóquio.

Estima-se que apenas 2.000 trabalhadores chineses tenham chegado ao Brasil durante o século 19, um número irrisório se comparado às centenas de milhares de japoneses que desembarcaram em São Paulo entre 1908 e o início da Segunda Guerra Mundial.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.
Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Nem dilúvio limpa o ar de Pequim

Por Vista Chinesa
26/07/12 12:27

À esquerda, São Paulo num dia de inversão térmica; à direita, Pequim num dia normal (fotos: Rivaldo Gomes 27.ago.2010/Folhapress (esq.) e Fabiano Maisonnave 29.jul.2010/Folhapress).

Fabiano Maisonnave, de Pequim

A pior parte de viver em Pequim é respirar. Aos que me perguntam se o ar daqui é tão poluído quanto o de São Paulo, respondo sem o risco de exagero: os piores dias na capital paulista, aqueles de inverno com inversão térmica, são praticamente iguais aos melhores dias de Pequim.

Viver nestas condições transforma o simples ato de abrir a janela do apartamento em uma difícil decisão.  Nestes dias quentes de verão, em meio a uma grave crise de bronquite, não sei o que é pior: ligar o ar condicionado ou substituí-lo pela brisa poluída?

No inverno, quando a maioria dos dias é de temperaturas negativas, o dilema se transfere para o banheiro: é melhor deixar a janela aberta e enfrentar o ar gelado e podre  ou se encerrar com o terrível fedor que emana do ralo e que nem três encanadores conseguiram consertar?

Em pouco mais de dois anos aqui, acho que o problema está piorando. Fiquei ainda mais convicto  depois que Pequim submergiu sob a chuva mais forte a atingir a cidade em 60 anos, no último sábado.

O dilúvio de 16 horas ininterruptas deixou 77  mortos, provocou o cancelamento de mais de 500 voos e deixou um prejuízo de US$ 800 milhões, segundo números oficiais. Numa reação parecida à que se vê em São Paulo, nas horas seguintes, a enxurrada foi de críticas na internet contra o despreparo da cidade em lidar com a situação.

Para o bem ou para o mal _afinal, sou repórter_, desembarquei em Pequim algumas horas depois do dilúvio, no domingo de manhã. Ainda sem saber das notícias, pude ver várias ruas alagadas e sujas da janela do trem suspenso que liga o aeroporto à cidade (para inveja de São Paulo: apenas R$ 8 por uma viagem de 40 minutos). No alto, um raro e belo céu azul.

Depois de ver as imagens da enchente, a tragédia não me pareceu tão grande em comparação ao que estou acostumado no Brasil e em outras situações de enchente pela China. Sendo a capital do país, é natural mesmo que a repercussão seja maior, ainda mais porque muitos acham que a Pequim já é uma cidade de “classe mundial” após as Olimpíadas de quatro anos atrás.

O que me surpreendeu mesmo foi o pouco impacto que a chuva teve na poluição aérea, que aqui só alivia temporariamente depois de uma chuva torrencial ou de um vento forte.

De acordo a medição feita pela Embaixada dos EUA em Pequim, a qualidade do ar só permaneceu boa até as 14h da segunda-feira. Ou seja, a pior chuva em 60 anos só conseguiu manter Pequim saudável por dois dias. Desde terça-feira, o céu cinza se instalou novamente (e nesta quinta-feira está particularmente feio, num tom marrom brilhante).

Para quem mora aqui,  é mais do que lugar-comum falar mal do ar pequinês. Ver o céu azul é uma exceção em meio a sequências longas de dias cor de chumbo. Os mais assustados usam máscaras, os abastados compram purificadores e outros tantos acabam abandonando o país, principalmente quem tem filho pequeno e um passaporte estrangeiro.

O governo chinês reconhece o problema, mas tem pouco espaço de manobra. Com 70% da matriz energética movida a carvão e milhões de trabalhadores em fábricas altamente poluentes, qualquer medida mais radical teria um profundo impacto na economia.

A aposta, parece, é seguir o caminho de países ricos, como o Reino Unido e o Japão: crescer e poluir primeiro para limpar depois. Mas, dada a escala chinesa, com seu 1,35 bilhão de habitantes, a dúvida é se o país _e o planeta_ terão tanta flexibilidade desta vez.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

A crise mundial e a "recessão" chinesa

Por Vista Chinesa
24/07/12 14:48

Charge do caricaturista norte-americano Dwayne Powell.

 

Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro

O grande crescimento da economia chinesa, particularmente nos últimos quatro anos, tem representado um forte contraste com o desempenho econômico das tradicionais potências mais desenvolvidas. Nesse curto espaço de tempo de alto crescimento chinês e estagnação das principais economias, a China atingiu sua posição de segundo maior PIB, maior nação industrial e maior exportadora de bens e serviços em termos mundiais. Mantido esse cenário, em alguns anos mais a China deverá atingir também a posição de principal economia mundial.

Visto anteriormente à crise de financeira de 2008 como algo inédito e admirável, como exemplo de transformação de modorrentas economias socialistas de planejamento central em dinâmicas economias de mercado, o crescimento chinês passou a merecer recentemente a atenção de governos, da opinião pública e da imprensa mundial muito mais pelas suas mazelas do que pelas suas virtudes.

Competição desleal baseada em subsídios governamentais, artificialismo da moeda, condições de trabalho escravagistas, depredação ambiental e outras acusações têm sido uma constante na avaliação do desempenho China no comércio mundial.

Economia insustentável baseada em elevadas taxas de investimento, gastos exagerados em infraestrutura, alta dependência do comércio exterior e taxas de juros artificiais direcionadas por interesses particulares ou corporativos são outras acusações a respeito das deficiências do modelo econômico chinês.

Tudo isso sem contar as constantes críticas ao sistema de partido único, desrespeito aos direitos individuais e de etnias minoritárias, falta de representatividade popular e práticas antidemocráticas de governo a nível interno.

Ambições hegemônicas em nível regional e mais especificamente em relação a determinadas ilhas do mar do Sul da China são as mais novas acusações imputadas aos chineses nesse verdadeiro rosário de pedras atiradas contra o telhado muitas vezes realmente de vidro dessa nova potência emergente.

Embora muitas dessas acusações sejam reincidentes e estejam presentes há muito tempo, elas têm aumentado em número e intensidade nos últimos quatro anos como consequência das dificuldades que as tradicionais economias desenvolvidas têm encontrado para se livrar de suas mazelas, contrapostas à aparente pujança do crescimento chinês.

Nos últimos meses, com o agravamento dos problemas econômicos na Europa e a falta de dinamismo da economia americana, tem crescido na imprensa ocidental a menção aos eventuais problemas econômicos enfrentados pela China.

A contaminação da economia chinesa via queda das exportações para os países mais desenvolvidos e o natural cansaço de sua economia depois de décadas de crescimento acelerado vêm se somar a um cenário mundial preocupantemente pessimista.

Embora o crescimento chinês de 7,6% neste ano seja ainda extraordinariamente alto para os padrões verificados em outras economias desenvolvidas, sua queda de um patamar superior a 10% recebe mais atenção do que o crescimento absoluto em si.

Parece existir nos meios jornalísticos, na imprensa especializada do Ocidente e mesmo em alguns países emergentes certa satisfação na divulgação de notícias negativas sobre o desempenho da economia chinesa. Não se pode negar uma mudança do cenário econômico chinês, e o objetivo deste artigo é apresentar algumas razões para esse menor desempenho recente.

Preocupados com a elevação da inflação e com a especulação imobiliária, desde o final de 2010, o governo chinês vinha adotando uma série medidas na área monetária e de regulamentação para controlar o processo inflacionário e colocar um fim na especulação imobiliária. A demora na obtenção de resultados levou a um exagero na dose das medidas anti-inflacionárias, que se revelaram posteriormente de difícil reversão.

Aumento da taxa de juros, restrições ao crédito, redução nos investimentos em infraestrutura, maior regulamentação do setor imobiliário foram algumas dessas medidas adotadas pelo governo chinês nesse período na tentativa de conter a inflação e reduzir o superaquecimento de sua economia.

Embora tenham atingido os objetivos de contenção inflacionária, essas medidas tiveram como consequência a redução do nível de crescimento econômico maior do que a expectativa das autoridades econômicas chinesas. Mesmo com a reversão de muitas delas, a resposta da economia chinesa não tem sido aquela esperada.

A redução do dinamismo das exportações como consequência da deterioração das economias ocidentais tem sido outro fator que vem afetando o crescimento da economia chinesa. O crescimento das exportações, juntamente com a taxa de investimento ao redor de 50% do PIB, têm sido os dois fatores que historicamente mais vêm contribuindo para o crescimento da economia chinesa.

A combinação da crise mundial sobre as exportações e o efeito das medidas anti-inflacionárias sobre a taxa de investimento são hoje os principais fatores que vêm ocasionando essa mudança no comportamento recente da China.

Os esforços para aumentar o consumo interno das famílias têm sido expressivos e têm mostrado bons resultados, mas não de forma suficiente para contrabalançar as perdas verificadas no setor exportador e nos investimentos.

Esse fenômeno era de certa maneira esperado, pois, enquanto o setor exportador representa um efeito exógeno sobre a economia, a elevação do consumo interno é muito mais dependente de mudanças estruturais profundas, como a questão da previdência social, que dá mais tranquilidade para as pessoas consumirem e mudarem hábitos arraigados, como a elevada propensão a poupar dos chineses. Essas mudanças se encontram em andamento, mas, dada a sua natureza estrutural, levarão mais tempo para mostrar seus efeitos positivos.

Nesse meio tempo, os problemas vêm se tornando mais aparentes, aumentando a repercussão mundial de suas consequências não somente em termos do suposto encerramento do ciclo benigno do crescimento chinês como também um suposto inicio de um período de decadência antes de atingir seu apogeu.

Acredito que nem uma coisa nem outra sejam verdadeiras. O ciclo de crescimento da economia chinesa ainda não se encerrou, e o que estamos vendo é apenas uma redução no seu nível como consequência de um ajuste natural em que a redução mais rápida dos investimentos e das exportações como proporção do PIB não é imediatamente compensada pelo crescimento do consumo interno.

Nesse processo de ajuste com crescimento do consumo interno, será inevitável a adoção de medidas sociais importantes como a introdução de um sistema previdenciário que garanta assistência médica, hospitalar e aposentadoria para todos os chineses.

Também é possível que o tradicional superávit comercial da China em relação ao resto do mundo se reduza de forma mais acentuada ou mesmo seja eliminado, o que traria uma grande contribuição na redução dos desequilíbrios do comércio mundial.

Muito mais do que uma decadência, acredito que a economia chinesa possa estar entrando num processo ainda mais virtuoso, com expansão do consumo interno, melhoria do nível de vida dos chineses e redução dos impactos negativos que o modelo anterior de crescimento ocasionava sobre o comércio mundial.

O melhor balanceamento interno da economia, com aumento relativo do consumo das famílias e das importações e redução do investimento e das exportações como proporção do PIB, irão permitir à economia chinesa continuar crescendo de forma saudável e reduzir os desequilíbrios internacionais ajudando na recuperação da economia ocidental.

Esses ajustes não evitarão que a China atinja uma posição de liderança na economia mundial, como consequência de sua grande população e da melhoria no seu padrão de vida que, em última análise, é o objetivo maior de todo processo de desenvolvimento econômico.
Muito mais do que um problema para os chineses e para o mundo, enxergo o processo atual que se verifica na China como um ajuste benigno não somente para os chineses como também para o resto do mundo. Se essa visão é correta ou não, como sempre, caberá à história responder.

José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada a cada 14 dias, às quartas-feiras. Excepcionalmente, sai nesta terça-feira.

 

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

O exílio no purgatório chinês

Por Vista Chinesa
20/07/12 12:03

Sala de aula restaurada da antiga Universidade Nacional Associada do Sudoeste, em Kunming, sudoeste da China (Foto Eric Vanden Bussche 14.jul.2012).

Por Eric Vanden Bussche, de Kunming (sudoeste da China)

A eclosão da guerra entre a China e o Japão, em 1937, mudou a vida dos intelectuais nos centros urbanos do norte do país. Os campi das três universidades de maior prestígio do país – Pequim, Qinghua e Nankai – sofreram com os bombardeios. A Universidade de Nankai, em Tianjin, que na época servia de epicentro do movimento estudantil antijaponês, acabou sendo reduzida a ruínas, seu prédios queimados pelas tropas invasoras.

Não havia outra alternativa senão fugir. Mas para onde? As tropas japonesas avançavam rapidamente pelos centros urbanos na costa leste, devorando o território chinês e destruindo qualquer tipo de oposição. Foi nesse contexto que 800 acadêmicos e estudantes das universidades de Pequim, Qinghua e Nankai foram forçados a seguir rumo a Kunming, capital da Província de Yunnan, no sudoeste do país, onde fundaram a Universidade Nacional Associada do Sudoeste (Xinan Lianhe Daxue), em 1938.

Hoje, a universidade não existe mais. Um ano após o final da Segunda Guerra Mundial, os acadêmicos regressaram a Pequim. Mas o Partido Comunista chinês (PC) fez questão de preservar o antigo portão da universidade e uma de suas salas de aulas, além de construir um memorial dedicado aos seus alunos. Na história oficial, essa universidade representou um marco na resistência estudantil à ocupação japonesa. Apesar dos constantes bombardeios japoneses e das condições inóspitas – na época, Yunnan era considerada uma das regiões mais atrasadas do país –, acadêmicos de maior renome da China se esforçaram em dar continuidade aos seus projetos intelectuais e científicos para promover o desenvolvimento do país.

Alunos da universidade em foto sem data tirada durante a Segunda Guerra Mundial (reprodução).

Eu não discordo dessa visão. A universidade chegou a formar futuros líderes acadêmicos e cientistas de renome, incluindo Yang Zhening e Li Zhengdao, que viriam a receber os prêmios Nobel de Física. E as condições na época realmente eram deploráveis, com constante falta de energia elétrica e racionamento de alimentos, levando estudantes famintos a brigarem por comida. Não é à toa que os professores e alunos (a maioria provenientes de famílias bem abastadas antes da guerra) enxergavam a sua estadia em Kunming como uma espécie de exílio no purgatório.

Ao caminhar pelo memorial que o governo chinês ergueu para relembrar esse episódio de sua história no antigo câmpus, porém, tive a sensação de que talvez fora deixado de lado o maior legado da universidade. Embora a instituição tenha sido fundamental em manter viva a pesquisa acadêmica durante a guerra, ela também marcou uma profunda transformação na maneira como os comunistas passaram a enxergar e lidar com a diversidade, redefinindo a China como um país multiétnico.

Durante a primeira metade do século 20, aqueles que pregavam a revolução na China nunca se preocuparam muito em levar em consideração a diversidade étnica na construção de um novo Estado nacional. Zou Rong, um dos revolucionários que lutavam para derrubar a dinastia imperial manchu no início dos anos 1900, defendia uma China livre de etnias “estrangeiras”. A China, na visão dele, deveria ser apenas dos han (etnia da maioria dos chineses) e os manchus, expulsos.

Esse sentimento foi responsável pelo massacre de milhares de manchus durante a sangrenta revolução de 1911, que inaugurou a República. Nas décadas seguintes, debates sobre questões étnicas eram marcados pela superficialidade e não tiveram grande impacto nos meios políticos, pois a nata da intelectualidade se encontrava nos centros urbanos da costa leste, regiões predominantemente han.

Isso mudou com a fuga desses acadêmicos a Yunnan durante a Segunda Guerra Mundial.  Embora Yunnan fosse parte do território chinês, a Província parecia um país estrangeiro para esses intelectuais, que sofreram um enorme choque cultural e social. Com centenas de grupos étnicos espalhados por seu terreno montanhoso, a Província cultivava laços mais fortes com o Sudeste Asiático do que com o resto da China.

Os acadêmicos que chegaram a Kunming em 1938 acreditavam que sua missão, ao estabelecer a Universidade Nacional Associada do Sudoeste, seria não apenas a de resistir à invasão de seu país, como também construir os alicerces para um futuro Estado nacional chinês moderno, livre de qualquer interferência estrangeira. Nesse sentido, ao se exiliarem em Yunnan, esses alunos e intelectuais se confrontaram com um novo desafio: como incluir os miao, yi, lolo e demais grupos étnicos, muitos dos quais se encontravam na Província há séculos, mas que não necessariamente se consideravam chineses, num Estado nacional moderno? O que significava ser “chinês”? Era possível para um miao assumir a identidade chinesa?

Esse desafio não existia nos centros urbanos como Pequim, Tianjin e Xangai. Mas, ao vivenciarem a heterogeneidade nas ruas de Kunming, esses acadêmicos se deram conta que seria necessário repensar a composição étnica do país. Nos anos seguintes, Yunnan passaria a se tornar um laboratório de construção de um Estado nacional multiétnico que se consolidaria nas décadas seguintes. Nesse sentido, as discussões e pesquisas realizadas durante a Segunda Guerra Mundial por acadêmicos como Fei Xiaotong serviram de alicerces para a formulação de políticas governamentais em relação às minorias étnicas após a tomada de poder pelo PC em 1949.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.
Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

A China e a importância do contato sobre o contrato

Por Vista Chinesa
18/07/12 10:50

Participantes da tradicional Feira de Cantão, em Guangzhou, no sul da China (Reuters – 17.out.2011).

Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai

Uma revista em inglês de Xangai publicou há duas semanas um artigo interessante de capa, cujo tema é o que pensam os chineses dos ocidentais aqui.  O artigo não é exatamente um desagravo.  Mas os chineses sabem que os ocidentais reclamam frequentemente do comportamento das pessoas e de várias peculiaridades da vida local.  A bem da verdade, nisso a China não é muito diferente de outros lugares.  O esporte preferido de estrangeiros no mundo inteiro é falar dos problemas e desconfortos do local onde estão vivendo.

Xangai tem uma paixão e uma mágoa antiga com os de fora.  Os estrangeiros sempre deram à vida local um toque de internacionalização que leva os xangaineses a se sentirem à frente de pessoas de outras partes da China.   Mas a cidade tem feridas do passado.  Da metade do século 19 até o final da Segunda Guerra, ela foi dividida em concessões estrangeiras, como se boa parte dela não pertencesse aos seus habitantes nativos.   Foi nesse período que se postou, em uma das entradas da concessão inglesa, a famosa placa que até hoje é motivo de inconformidade. Dizia: “Proibida a entrada de chineses e cachorros”.  Mais insultante, impossível.

Pois o artigo da revista, entre muitos comentários pertinentes, contém uma observação interessante de um empresário local. Ele diz mais ou menos o seguinte: “Tenho sócios ocidentais e me dou bem com eles. Mas ouço meus amigos chineses dizerem  frequentemente que os estrangeiros se comportam nos negócios como verdadeiros marcianos. Tenho de concordar.”   Gostemos ou não, essa é a imagem que os chineses têm de nós.

Os ocidentais frequentemente também se sentem em Marte quando entabulam entendimentos de negócios com os chineses. Muitos  brasileiros  pedem-me para detalhar quais são os grandes pontos a serem notados. Seleciono três que me  parecem particularmente relevantes.

O primeiro, a importância da confiança pessoal. Nas práticas ocidentais, preço e qualidade definem uma boa compra ou venda. Na era da internet, os negócios muitas vezes prescindem dos contatos pessoais.  A troca de e-mails é mais que suficiente. Na China, não é assim. Para fazer um bom negócio, é preciso estabelecer uma relação pessoal com os interlocutores ou parceiros.  E, sobretudo, sentar à mesa de refeição.  Os bons negócios selam-se num  jantar.

Outro dia, casualmente, perguntei a um chinês: você bebe? Ele me respondeu: só a trabalho.  Isso dá uma idéia de como é importante o convívio social-profissional.   Beber com clientes, fornecedores ou parceiros potenciais, ainda que não se aprecie a bebida,  é obrigatório. Fumar com eles, quando se tem o hábito, também pode contar ponto.  Mas  não é obrigatório. Você pode até se posicionar na mesa do lado dos que não fumam e todos o entenderão.

O segundo ponto a notar  tem a ver com o ritmo do que é trazido à tona.  No Ocidente, numa boa reunião de trabalho, frequentemente alguém define os temas em jogo e eles são resolvidos em ordem.  Na China, os temas aparecem pouco a pouco,  nunca de uma vez só.  Às vezes, nem aparecem, apesar de serem importantes.  Você os descobre de repente.    Muitas vezes, tudo parece resolvido, até que alguém lança uma questão, uma dúvida, um problema que estremece as bases todo o entendimento alcançado até então.  A cultura oriental é assim.  As pessoas são educadas para não se mostrar por inteiro.  E transferem esse comportamento para o mundo das idéias e dos entendimentos comerciais. Há sempre espaço para que algo novo venha à tona.  Não se surpreenda.

O terceiro está no valor dos contratos. No Ocidente, somos todos reféns dos advogados.  Os contratos estão acima de qualquer entendimento verbal ou da lógica intuitiva. Na China, não.  Os advogados aparecem no fim de tudo e o que escrevem  tem valor apenas relativo. É muito comum os contratos chineses serem emendados à mão e assinados como se fossem texto limpo.  São esquecidos no momento seguinte à assinatura.

O que são os contratos? São os documentos que registram a obrigação de cada uma das partes e, sobretudo, as providências a serem seguidas se e quando uma das partes não cumprir o pactuado.  Na China, se houver confiança, as desavenças são resolvidas por entendimento, independentemente de quem tenha razão nos termos do que foi contratado.

Em outras palavras, os contratos valem pouco, os contatos valem muito.  Um “erre” a menos faz um oceano de diferença.  Levantar a letra do contrato como forma de obter algum resultado é recurso de ultimíssima instância, quando o relacionamento no curto e no longo prazo já é dado como perdido.    E, se for inevitável tal extremo, a idéia prevalecente é submeter a controvérsia a uma terceira parte, a um árbitro consensuado.  Essa é uma prática herdada da vida familiar chinesa.  Quando os familiares divergem, escolhem alguém poderoso na família para decidir a causa.

De uma maneira geral, os chineses e os brasileiros se entendem com facilidade.  Nem nós nem eles somos excessivamente rígidos na reflexão e nas atitudes.  Acostumados a realidades difíceis, somos pouco dogmáticos. Contornamos os problemas  com uma boa dose de flexibilidade.  Há, é verdade, um “gap” cultural que se impõe inevitavelmente.  Mas ele não é intransponível.  Precisa apenas ser encarado com naturalidade e bom senso.

No Brasil, diz o dito “amigos, amigos, negócios à parte”.  Na China, as amizades conduzem comumente a um negocinho.  Bons amigos sempre encontram uma associação, um risco a tomar juntos.  E nisso selam definitivamente a amizade.   Quando se desentendem sobre dinheiro, é para sempre.

Mas os chineses também sabem transformar bons negócios em boas amizades.  Para eles, as duas coisas andam juntas.  Quem entender isso já estará no meio do caminho para operar bem aqui.

Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias. Excepcionalmente nesta semana o artigo saiu publicado na terça.

Nota do editor do blog: devido a um curto período de férias e a uma inesperada ausência de internet, o blog ficou desatualizado por alguns dias. Peço desculpas pela falta de aviso prévio.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

As "cidades de chocolate" e o racismo na China

Por Vista Chinesa
06/07/12 08:32

 

Por Eric Vanden Bussche, de Wuhan (China)

Em meados do mês passado, o nigeriano Celestine Elebechi se envolveu numa discussão acalorada com um motorista chinês em Guangzhou, no sul da China. Uma multidão se aglomerou em torno deles e, segundo relatos nas mídias sociais, alguns que assistiam ao bate-boca passaram a agredir fisicamente o nigeriano.

Policiais resolveram intervir e levaram-no para a delegacia, onde algumas horas depois Elebechi viria a, “de repente, perder a consciência” e morrer, de acordo com um comunicado emitido pelas autoridades locais. A sua morte serviu de estopim para uma manifestação reunindo centenas de africanos que protestavam contra a discriminação racial na metrópole chinesa.

Esse episódio expôs as frágeis relações raciais no país, em especial em Guangzhou, onde se estima que haja por volta de 100 mil africanos, a maioria concentrada em distritos apelidados pelos chineses de “cidades de chocolate”. Muitos africanos radicados na China reclamam que são ignorados por vendedores em lojas, enfrentam dificuldades em arrumar taxis na rua e frequentemente ouvem gozações a respeito da cor de sua pele.

O racismo continua sendo tabu, um tema que as autoridades preferem ignorar para não atrapalhar os seus interesses político-econômicos na África como também para mostrar que a China é um país pluralista, onde várias etnias e raças convivem em harmonia. No final dos anos 80, o então chefe do Partido Comunista chinês (PC), Zhao Ziyang, afirmava com orgulho que a discriminação racial existia “em todos os lugares do mundo, exceto na China”. Essa visão persiste entre os chineses até hoje, talvez pela ausência de uma discussão séria no país sobre relações raciais.

O acadêmico Frank Dikotter mostra que, na história da China, raça sempre esteve associada à classe social. Na época imperial, os “intelectuais de rosto branco” (baimian shusheng) encarnavam o ideal de beleza masculina, enquanto os camponeses eram identificados pela pele escura. Com a chegada dos europeus e de seu “racismo científico” no século 19, os chineses passaram a enxergar a geopolítica internacional a partir de uma hierarquia racial, na qual as nações europeias seriam os bastiões do progresso. Por sua vez, a África, povoada por negros “preguiçosos e intelectualmente inferiores”, era caracterizada como a terra do atraso, incapaz de qualquer tipo de desenvolvimento.

A revolução comunista de 1949, porém, tratou de enterrar essa visão geopolítica e erradicar a associação entre raça e classe social. O universalismo da era maoísta considerava a África, a América do Sul e o Sudeste Asiático como um terreno fértil para o fervor revolucionário. Mas, com a morte de Mao Zedong e a abertura econômica do final dos anos 70, as velhas ideias sobre raça e status social ganharam força novamente. Pele branca voltou a ser sinônimo de beleza. E africanos passaram novamente a serem vistos com desconfiança.

Essa mudança pôde ser observada de forma mais nítida no âmbito universitário. As faculdades se transformaram em palco de conflitos entre chineses e africanos em Xangai, Tianjin, Hangzhou e até Pequim. No início de julho de 1979, violentos confrontos entre estudantes chineses e africanos numa universidade de Xangai deixaram 24 chineses e 50 estrangeiros feridos, entre os quais 16 precisaram ser hospitalizados. Os chineses reclamaram que não conseguiam se preparar para os seus exames por causa do barulho no dormitório dos africanos. Estes, por sua vez, se sentiram ofendidos por serem chamados de “diabos negros” (heigui). Durante dois dias, alunos chineses sitiaram e apedrejaram o dormitório. Os ânimos estavam tão acirrados que foi preciso a intervenção do vice-premiê Fang Yi para que os estudantes chineses voltarem às salas de aula.

Na década de 80, incidentes semelhantes ocorreram em outras universidades espalhadas pelo país. Em 1988, por exemplo, estudantes africanos na Universidade de Agricultura de Zhejiang em Hangzhou realizaram um boicote às aulas, enfurecidos com um rumor que circulava pelo campus de que eram todos portadores do vírus HIV. Temendo que o rumor fosse verdadeiro, os administradores da universidade haviam inclusive proibido a entrada de chineses no dormitório dos africanos.

Nem mesmo o estreitamento dos laços entre a China e a África serviu para mudar a visão estereotipada dos chineses em relação aos africanos. Muitas empresas chinesas na África preferem importar a mão-de-obra de seu país ao invés de utilizar braços locais.

Aliás, alguns chineses se preocupam com os efeitos colaterais dessa relação entre o seu país e o continente africano. Nos últimos anos, ouvi repetidas vezes chineses associarem índices de criminalidade em centros urbanos à crescente presença de africanos. “Há mais crimes violentos nos EUA do que na China porque lá há mais negros do que aqui, por isso precisamos controlar a entrada de africanos aqui”, me disse um jornalista chinês. Quando lhe perguntei se não achava seus comentários racistas, ele logo respondeu: “É um fato que negros não têm cultura (meiyou wenhua) e são mais propensos a cometerem crimes”. Para reforçar o seu argumento, ele citou os quase 6.000 nigerianos que se encontram presos na China, a maioria por tráfico de drogas.

Nos últimos anos, porém, alguns episódios estimularam discussões mais amplas sobre relações raciais. Em 2009, a estudante universitária Lou Jing, filha de uma chinesa e um negro norte-americano, provocou um debate sobre o racismo na imprensa nacional ao se classificar para um concurso de canto numa rede de televisão de Xangai. Insultos proliferaram nas redes sociais. “A mistura das raças amarela e negra é muito nojenta,” escreveu um usuário. “Nós, chineses, não queremos ver um pedaço de merda cantando na televisão,” escreveu outro.

Lou Jing, que foi criada em Xangai e sempre se considerou chinesa, expressou a sua mágoa, enfatizando que a repercussão de sua participação no concurso a levou a questionar a sua própria identidade e seu objetivo profissional. “Desde que apareci na televisão, percebi que eu talvez não sirva para ser uma apresentadora de televisão. Muitos acreditam que uma apresentadora de televisão precisa ter pele branca, nariz alto e olhos grandes.”

Apesar dos insultos destilados nas mídias sociais contra Lou Jing, pela primeira vez houve um esforço por parte de formadores de opinião na imprensa nacional em mudar a tônica do debate. Raymond Zhou, Hung Huang e outros colunistas criticaram a posição racista dos seus conterrâneos e elogiaram Lou Jing. Zhou argumentou que a China apenas se tornaria uma verdadeira potência global se os chineses aprenderem a demonstrar maior sensibilidade no convívio com pessoas de diferentes raças. Hung Huang expressou um sentimento semelhante em seu blog: “Nós admiramos raças que são mais brancas do que nós. Esse é um mal profundamente enraizado entre nós.”

Embora essas vozes dissonantes marquem um começo positivo na tentativa de mudar atitudes, a China ainda tem um longo caminho a percorrer.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.

 

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

O confucionismo, o corporativismo e o modelo chinês

Por Vista Chinesa
05/07/12 03:07

Estátua recém-inaugurada de Confúcio na praça da Paz Celestial, em Pequim. Antes execrado por Mao, filósofo vem sendo revalorizado pelo Partido Comunista chinês (AP.11.jan.2011).

Nossos artigos neste blog têm procurado analisar as mudanças ocorridas na China sob o ângulo econômico, social e mesmo geopolítico e também seus impactos na economia mundial e, particularmente, no Brasil.

Desta vez quero dividir com os leitores minhas impressões sobre o modelo político adotado na China, a influência da filosofia confucionista e sua similaridade com modelos usados em outros países em outras situações, inclusive o Brasil.

Muitos chamam o modelo chinês de socialismo de mercado considerando a hegemonia do Partido Comunista e o fato da China ter evoluído a partir de uma economia socialista, de planejamento central e com controle estatal dos meios de produção.

Embora permaneça o sistema de planejamento quinquenal e boa parte das empresas nos setores estratégicos seja estatal, mesmo com a forte atuação do governo chinês no setor financeiro, podemos afirmar que o processo de acumulação capitalista e o mercado exercem hoje um fator muito importante no processo de alocação de recursos na economia chinesa.

A iniciativa privada, por meio de empresas chinesas e estrangeiras tem uma grande participação na economia seja nos setores de consumo, no caso das primeiras, sejan no alto conteúdo tecnológico, no caso das segundas. Pode-se afirmar que, ao longo dos anos, a economia chinesa é cada vez menos regulamentada e cada vez mais se parece com as economias capitalistas tradicionais.

O Partido Comunista permanece como força política hegemônica, mas, apesar disso, a China de hoje pratica muito mais um capitalismo de Estado do que um socialismo de mercado. Pela sua natureza autoritária, de partido único, pela inexistência de um sistema formal de proteção social patrocinado pelo governo e pela elevada disparidade de renda, o modelo chinês não pode ser comparado com o socialismo de mercado que se verifica em países nórdicos como Suécia, Noruega e Dinamarca.

Nesses países, se pratica efetivamente um socialismo de mercado, com uma democracia representativa, com alternância no poder, forte componente de proteção social e baixa disparidade de renda. Esses países utilizam a eficiência do mercado para alocação de recursos e para decidir o que produzir, permitem a acumulação capitalista, mas utilizam a elevada carga tributária para exercer um forte fator redistributivo e moderador das distorções sociais eventualmente causadas pelos mecanismos de mercado.

Esses fatores não estão presentes na China e, embora o modelo chinês tenha características únicas com origem numa formulação econômica marxista e forte presença do Estado em muitas decisões, seu sistema econômico hoje é muito mais parecido ao capitalismo tradicional do que ao socialismo democrático do norte da Europa. A tributação é relativamente baixa se comparada à maioria dos países nórdicos e mesmo a outros países ocidentais, as disparidades sociais são elevadas e o sistema de proteção social praticamente inexiste.

Não obstante o extraordinário crescimento da economia chinesa, a melhoria do nível de vida de sua população e a importância que ela vem atingindo a nível internacional, não resta dúvida que esse modelo ainda deixa muito a desejar em relação ao grau de desenvolvimento social atingido pelas grandes democracias ocidentais ou mesmo em relação aos ideais socialistas que inspiraram a revolução conduzida por Mao Tsé-tung.

Buscando na história exemplos semelhantes ao modelo chinês, vemos algum paralelo em alguns sistemas políticos do início do século passado na Europa, quando regimes autoritários fortes patrocinaram uma forte atuação dos Estados nacionais na definição de suas economias. Embora tendo como ponto de partida uma situação muito diferente daquela verificada na China, esses sistemas também poderiam ser chamados como capitalismo de Estado.

Semelhantes ao comunismo no que diz respeito à prioridade do Estado em relação ao indivíduo, esses sistemas políticos autoritários mantinham a propriedade privada, a economia de mercado, o sistema de acumulação capitalista e também a religiosidade de suas sociedades.

Durante a crise da economia liberal no inicio do século 20, após a Primeira Grande Guerra e no limiar da Grande Depressão de 1929, o sistema econômico e a sociedade europeia enfrentavam dois grandes desafios em razão de sua incapacidade em atender as aspirações da parcela mais pobre dessas sociedades e das distorções naturais acumuladas após quase dois séculos de economia de mercado sob o ideário liberal.

De um lado a ameaça comunista com a proposta de implantação da ditadura do proletariado, eliminação da luta classes, planejamento central, controle pelo Estado dos meios de produção e eliminação da livre iniciativa numa sociedade sem classes sociais e sem crença religiosa.

Do outro lado, a alternativa corporativista com um Estado centralizador, autoritário, onde a livre iniciativa e os indivíduos tinham seu espaço delimitado pelos interesses maiores do estado. O coletivo tem prioridade sobre o individual, as liberdades democráticas são limitadas, mas as forças do mercado, a livre iniciativa e a acumulação capitalista são permitidas desde que subordinadas aos interesses maiores do país. A religiosidade não só era permitida como incentivada.

Muitas economias asiáticas, como Japão, Coreia, Taiwan e Cingapura também tiveram seu crescimento econômico e processo de industrialização inspirados na organização corporativista, embora nesse caso isso tenha origem muito mais na tradição imperial e na cultura confucionista do que como consequência das mazelas da economia liberal. Os valores confucionistas de patriotismo, de ética, de apoio à ordem natural das coisas, de harmonia entre os homens, definição dos papéis de cada um na família e na sociedade, a subordinação dos interesses individuais aos interesses da família e do coletivo têm uma grande aderência doutrinária aos princípios do corporativismo.

Atualmente, esses países exibem maior semelhança com os sistemas políticos e econômicos ocidentais, mas acredito que isso se deu muito mais pela necessidade de inserção comercial do que por vocação desses países. A Ásia, na sua maioria, permanece na sua essência confucionista e corporativista.

O corporativismo é a doutrina da organização dos Estados Nacionais, e as corporações, empresas, associações, sindicatos e instituições nada mais são do que os órgãos que preenchem essas funções.

O corporativismo respondia aos clamores populares decorrentes da crise econômica e também combatia os efeitos da Primeira Grande Guerra, que fortaleceu a presença do Estado nacional e do aparato de segurança contra a ameaça externa e, de certa forma, reduziu a força da sociedade civil, do individualismo e dos princípios liberais. A ameaça da doutrina marxista reforçava o crescimento desses modelos autoritários em que os interesses coletivos e dos Estados nacionais surgiam como uma alternativa menos revolucionária e mantenedora do status quo. Em outras palavras, o corporativismo garantia mudanças sem mudar.

A partir de sociedades democráticas, liberais e capitalistas se desenvolveram governos e regimes autoritários, entre os quais destacamos como centrais o fascismo italiano e o nazismo alemão, e suas derivadas periféricas como o franquismo espanhol, o salazarismo português, o Estado Novo brasileiro, o peronismo argentino e o “Institucionalismo” mexicano. Embora mantendo uma economia de mercado de modelo liberal, essas alternativas políticas tinham nas razões e objetivos de Estado sua fonte de inspiração.

Uma tentativa de eliminação da luta de classes sem eliminação das classes sendo o Estado Nacional o grande mediador dos conflitos e ao mesmo tempo o objetivo final da ação individual. A ação dos indivíduos só tinha legitimidade se atendesse ao interesse nacional e coletivo. O crescimento da presença de sindicatos de trabalhadores, patronais e das empresas estatais na economia mundial, muitas delas permanecendo até hoje, é fruto dessa época da história.

O modelo corporativista tinha um grande apelo popular devido a seu preceito da lei e da ordem sob orientação independente do Estado como árbitro de todos os conflitos e com objetivos nacionais definidos. É dessa época, no Brasil, a origem da expressão “pelego”, nome dado aos representantes sindicais indicados ou cooptados pelo Estado para amainar as reinvindicações dos trabalhadores buscando sempre a composição com as classes empresariais. O pelego é aquela peça de feltro, flanela ou qualquer outro material macio colocado entre o cavalo, no caso a classe operária, e o cavaleiro, no caso o patronato. O Estado corporativista na maioria das vezes é um grande pelego social, tentando amainar os conflitos sociais entre suas diversas classes em nome dos interesses maiores do Estado nacional.

Como não rejeitava a crença e a religião, ao contrário a defendia e também mantinha a propriedade privada, a livre iniciativa e a economia de mercado, o corporativismo teve apoio das duas principais forças sociais dominantes na época, os capitalistas e o clero, cujo maior temor era a ameaça dos ateus bolcheviques.

Sob o manto do interesse nacional e do Estado, proliferaram as grandes corporações sejam dos empresários, das diversas classes sociais, incluindo militares e o aparato repressivo oficial e o clero. Caberia ao aparato do Estado amoldar e alinhar os interesses dessas corporações com os objetivos maiores do Estado. No Estado corporativo, as razões de Estado e o coletivo têm prioridade sobre os interesses específicos dos indivíduos e de cada corporação tomada isoladamente.

No lado oposto, a proposta revolucionária comunista defendia a abolição da propriedade privada e a implantação da ditadura do proletariado com a eliminação da sociedade capitalista e desenvolvimento do ideal socialista de uma sociedade sem classes. Entre as imperfeições da economia liberal de mercado e a ameaça revolucionária do marxismo ateu, o Estado corporativista surgia como uma alternativa de mudança aceitável para boa parte da sociedade e, principalmente, para as forças dominantes da época.

Não se pode dizer que o fascismo e o nazismo ascenderam sem o apoio popular e da sociedade nos países onde foram implantados. Como a história veio a demonstrar de maneira trágica, a escolha popular e da sociedade nem sempre significa a escolha do melhor e dos melhores.

Embora o resultado da Segunda Grande Guerra tenha praticamente eliminado as sociedades corporativistas mais organizadas como o fascismo e o nazismo, elas continuaram a existir de forma não tão explicita em Portugal e Espanha, personificada pelo salazarismo e pelo franquismo.

O clamor democrático despertado pelo final da Segunda Grande Guerra pôs fim ao Estado Novo getulista no Brasil, mas não encerrou com o aparato corporativista que continuou a existir e renasceu em 1964, com a revolução que implantou um regime militar no Brasil, no caso como consequência da incapacidade do sistema democrático liberal existente em fazer frente à ameaça do movimento comunista.

A ditadura militar brasileira que se manteve no poder até 1985 reforçou a tendência corporativista herdada do Estado Novo e implantou um sistema alicerçado numa economia de mercado de natureza capitalista, com forte planejamento central, organizações e instituições como Exército, associações diversas congregando as mais diversas classes da sociedade brasileira.

Com base no binômio Segurança e Desenvolvimento e no tripé de empresas estatais, empresas privadas nacionais e empresas privadas estrangeiras, o modelo de desenvolvimento brasileiro patrocinado por uma ditadura de cunho militar teve muitos paralelos com o sistema econômico vigente na China atualmente.

Ao observar o que ocorre na China desde que o processo de abertura econômica se iniciou em 1978 após a morte de Mao Tse Tung e a ascensão de Deng Xioaping, não deixo de ver certa semelhança com os Estados corporativistas do inicio do século 20. É muito interessante essa constatação, pois, se os Estados corporativistas tiveram sua origem numa tentativa de oferecer alguma alternativa ao avanço da doutrina marxista e foram por muito tempo seus grandes inimigos inclusive lutando a mais sangrenta das guerras contra a União Soviética, não deixa de ser irônico que agora surjam essas semelhanças num regime cuja origem se encontre muito mais à esquerda se comparado ao caráter direitista do fenômeno corporativista.

De certa maneira, podemos ver a mesma tendência nos países da antiga União Soviética, onde o aparato repressivo comunista rapidamente tomou conta do aparelho do Estado e de suas riquezas para benefício de apenas alguns grupos de oligarcas e apaniguados do velho sistema. Esses países se tornaram de certa forma Estados corporativistas com forte presença das empresas estatais e corporações privadas dominadas pelos chamados oligarcas a exemplo das grandes corporações industriais durante o fascismo e o nazismo.

Não obstante a semelhança com os modelos corporativistas do passado, a tradição confucionista e as condições sociais existentes na China conferem ao modelo econômico desse país muito maior credibilidade e aceitação popular do que aquele verificado na antiga União Soviética. A manutenção do planejamento quinquenal que envolve todas as organizações sociais do país confere um sentido de participação e de identidade com relação aos objetivos do Estado chinês.

O prestígio das Forças Armadas perante o povo chinês e a estrutura do partido que permeia todos os campos da sociedade chinesa, como a burocracia do Estado, as empresas, as escolas, universidades e todas outras formas de organização social permitidas, garante um elo de união no tecido social com o objetivo maior de realizar o sonho de um país mais próspero e independente. Aquilo que Hu Jintao denominou de “uma sociedade harmoniosa”.

Mao e os velhos comunistas, muitos dos quais ainda continuam vivos, viam no confucionismo uma forma de exploração e manipulação das massas na China a serviço dos imperadores. As novas lideranças chinesas têm menor ligação com essa origem revolucionária e é possível observar cada vez mais no regime atual o resgate dos valores e dos preceitos confucionistas. De certa maneira, temos na China de hoje e em muitos países asiáticos alguma forma de confucionismo corporativista funcionando por mei de um capitalismo autoritário. O sentido patriótico e nacionalista do confucionismo se torna mais forte que a origem filosófica do Partido Comunista chinês, e o ideal de uma nação forte e independente supera qualquer outra motivação que não seja realizar esse ideal.

Da mesma forma que na Europa do século 20, o corporativismo foi uma forma de mudar sem mudanças, a experiência chinesa por meio deste capitalismo autoritário também é uma forma de mudar sem mudanças radicais. A sociedade se torna mais produtiva e afluente, as pessoas se sentem mais felizes e satisfeitas, mas a hegemonia do partido é mantida, e os objetivos maiores do Estado chinês são preservados. É o pragmatismo da atual elite do Partido Comunista chinês levado ao extremo.

Diferentemente da experiência do Ocidente onde as nações mais democráticas, defensoras de um papel secundário dos estados nacionais e prevalência do individual sobre o coletivo levaram à confrontação e à derrota do sistema corporativista, no Oriente a tradição confucionista e o passado imperial da maioria dos países da região conferem a esse modelo chance muito maior de sucesso e continuidade.

Países onde a tradição confucionista exerce maior influência, como China, Japão, Coreia, Taiwan, Vietnã e aqueles onde a presença marcante da diáspora chinesa como Indonésia, Tailândia, Cingapura, Filipinas, Malásia, entre outros, formam um conjunto que representa quase a metade da população mundial, que muito provavelmente viverá sob sistemas políticos e econômicos semelhantes. À medida que o comércio regional e com a China aumente, é muito provável que a tendência pró-ocidental de algumas dessas sociedades volte a se inclinar para sua tradição cultural, o confucionismo.

Para os defensores da doutrina corporativista do Ocidente, que no limiar da Segunda Grande Guerra acreditavam que o século 20 seria o século do corporativismo originado das falhas do sistema liberal, não deixa de ser irônico o possível triunfo do Estado corporativista confucionista no Oriente, neste caso com sua origem na deficiência e fracasso sistema marxista-leninista, razão maior do surgimento desse tipo de organização no Ocidente.

José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada a cada 14 dias, às quartas-feiras
Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Os chineses não sabem, mas adoram música brasileira

Por Vista Chinesa
02/07/12 10:24

A cantora nipo-brasileira Lisa Ono, durante festival de música em Pequim (Fabiano Maisonnave – 6.jun.2011)

 

Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai

 É impressionante o que se ouve de música brasileira andando em Pequim, Xangai, Hong Kong e mesmo em outras cidades na China. Em Xangai, o som da rua pertence a Lisa Ono. Os camelôs de CDs nas esquinas movimentadas da cidade fazem da voz de Lisa o seu grande comercial. Carregam com seus estandes um sonzinho particular e poderoso e tocam Lisa às alturas, para atrair compradores. Não espanta: Lisa colocou no ano passado 8.000 pessoas num ginásio na cidade. Ela canta em várias línguas, é verdade, mas quase sempre em português, no tom e na batida da bossa nova, que a fez conhecida e que é o carro-chefe dos seus shows. Os seus arranjos são frequentemente escritos à distância, no Brasil, pelo extraordinário Mario Adnet. Um exemplo de “outsourcing” baseado não em custo, mas em talento.

Nos shoppings, nas lojas, nos restaurantes, se você prestar atenção, vai ouvir frequentemente música brasileira. E não é só bossa nova. Há dias, no Pacific Place, em Hong Kong, ouvi uma voz que não reconheci cantando músicas de Zé Keti e João do Vale, que só ouvira anteriormente nos anos 70, nos shows de segundas-feiras do antigo teatro Opinião, na rua Siqueira Campos, em Copacabana. Até sentei para escutar com calma. Numa loja em Xangai, em outro momento, numa voz que tampouco reconheci, ouvi, surpreendido, o repertório de Noel Rosa. Não um, vários dos seus sambinhas. Vozes como a de Rosa Passos, Marisa Monte, Seu Jorge e vários outros estão frequentemente no ar.

A música brasileira tem tudo a ver com o gosto musical chinês moderno. É doce, cantada com suavidade. Basta chegar a artistas que fizeram grande sucesso com o público jovem e de meia-idade aqui ao longo dos últimos anos, como David Tao, por exemplo, para ver como a maneira de cantar tem algo a ver com a nossa. Mas os chineses não associam a música ao Brasil. As pessoas na faixa dos 25 a 50 anos, formadas em boas universidades e melhor informados sobre as coisas em geral, sabem o que a bossa nova é brasileira. A expressiva maioria, não.

Enquanto cônsul-geral em Xangai, junto com o diplomata Joel Sampaio, pusemos uma cantora de jazz tradicional xangainês, Jasmine Chen, com músicos brasileiros em alguns shows, e a coisa funcionou muito bem. Eu escutei Jasmine pela primeira vez num bar local, cantando em mandarim a canção “Encontros e Despedidas”, de Milton Nascimento. Seu público até cantarolava com ela o finalzinho da letra. Tudo em plena rua Sinan. Foi quando eu me dei conta de que a música seria uma boa ponte entre nossas duas culturas.

Há cerca de três semanas, fui assistir a um concerto do famoso maestro Tan Dun, que, entre outras composições, fez a trilha sonora do filme “O tigre e o Dragão”. Na primeira metade do espetáculo, ele chamou a cantora Dadawa (seu nome é Zhu Zhe qin), de Guangzhou, mas com longo período passado no Tibete, para interpretar uma composição do próprio Tan Dun sobre o som dos pássaros. O maestro fez alguns músicos largarem seus instrumentos e segurarem gaiolas com pássaros verdadeiros. Dadawa, com um apito, encontrou uma forma de fazê-los atuar.

O canto dos pássaros, a voz exótica de Dadawa, uma orquestra que juntava instrumentos ocidentais com o erhu (violino chinês), o guzhang (uma pequena harpa de mesa), o pipa (pronuncia-se pipá, uma espécie de mandolim), todos se encontraram num som dissonante, diferente do que escuto aqui, mas que me pareceu surpreendentemente familiar. Se fechasse os olhos e não soubesse onde estava, acreditaria facilmente estar ouvindo algo de Hermeto Paschoal tocado em grande estilo.

Terminada a peça, soltei naturalmente um “bravo”. Mas os aplausos que se seguiram foram chochos.

Os asiáticos, em geral, não aplaudem muito. Sempre achei que isso tem a ver com a sua natureza e educação, voltadas para levar as pessoas a não exibirem abertamente os sentimentos. Tem também a ver com a visão algo pecuniária de um espectador que valoriza o dinheiro. Afinal, a satisfação do público já é naturalmente expressa na compra do bilhete de entrada. Aplaudir é um “plus”. Não é à toa que a China tem uma taxa de poupança de 50% ou mais do PIB.

A bem da verdade, o público de música erudita até que aplaude com entusiasmo as orquestras quando elas tocam bem. E o próprio Tan Dun foi ovacionado na segunda parte do concerto, que teve como solista a belíssima Tan Wei, de Pequim, no erhu.

Seja como for, entre o meu “bravo” e as primeiras palmas pensei comigo mesmo que o inconsciente coletivo cruza fronteiras. Associa um gênio como Tan Dun, nascido em uma pequena cidade da Província de Hunan, a outro gênio, Hermeto Paschoal, nascido em Lagoa da Canoa.

Mas eu gostei da peça porque Tan Dun tocou música da floresta, tão familiar a nós, que temos a Amazônia e florestas subtropicais dentro de grandes cidades. Ao ouvido dos chineses, amantes da natureza, contemplativos, mas para quem natureza é natureza, concerto é concerto, tudo aquilo pareceu muito diferente.

“Eles se acostumarão”, me disse, num inglês arranhado, o vizinho de poltrona, que percebeu minha indignação com a reação fria da platéia.

O mundo se acostumará crescentemente com a maior presença da China. E a China se acostumará com o mundo e com ela mesma em outra dimensão. Mas será sempre necessário explorar caminhos que possam ir além do econômico. Até para dar sustentação à economia.

Ouvi de um empresário, certa vez, que os chineses não nos vêem como um país que pode produzir coisas sofisticadas. Tendem a achar que o nosso produto não é bom. A música é um elo interessante. Eles, na verdade, já a conhecem, tocam-na nos lugares elegantes e a acham boa. Só precisam identificar o Brasil.

O problema é que o mundo econômico musical foi ficando muito diferente recentemente. Com a possibilidade de baixar CDs e, no caso da realidade chinesa, comprar facilmente discos piratas, o estímulo é pequeno para explorar comercialmente a música aqui. E organizar shows para um público que não conhece o artista é empreendimento, no mínimo, ousado.

Mas… há que se encontrar alguma fórmula.

Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias.
Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Censura chinesa tenta esconder negócios milionários da família do futuro líder

Por Vista Chinesa
29/06/12 23:43

Fabiano Maisonnave, de Pequim

A família do provável futuro líder máximo chinês, Xi Jinping, vem acumulando uma fortuna de centenas de milhares de dólares ao longo dos últimos anos, segundo extensa reportagem divulgada nesta sexta-feira pela agência de notícias Bloomberg.

A publicação provocou uma imediata e impressionante reação da censura chinesa, que bloqueou buscas na internet com o nome de Xi Jinping e o acesso a todos os sites ligados à Bloomberg.

Baseada em documentos públicos, a reportagem revela que parentes de Xi têm uma participação acumulada de US$ 376 milhões em empresas de setores tão diversos como imobiliário e telefonia.

O patrimônio inclui ainda 18% de uma mineradora de terras raras com ativos de US$ 1,73 bilhão e uma mansão em Hong Kong avaliada em US$ 31,5 milhões, entre outros negócios e bens.

Nenhum dos negócios está em nome de Xi, de sua mulher, a cantora do Exército Popular Peng Liyuan, ou da filha, que estuda na Universidade Harvard sob um nome falso.
O nomes que mais aparecem nos documentos são o da irmã mais velha de Xi, Qi Qiaoqiao, de seu marido, Deng Jiagui, e da filha do casal, Zhang Yannan.

Nada irrita mais a opinião pública chinesa do que relatos de enriquecimento de membros do Partido Comunista, cuja fortuna é geralmente ligada a atividades econômicas que dependem de concessões e contratos do governo. No país, a percepção generalizada é de que a desigualdade social vem aumentando devido à falta de oportunidades iguais. Quem está próximo do governo tem uma ampla vantagem.

O caso de Xi é ainda mais especial. Assim como o recém-expurgado Bo Xilai, ele é um dos “pequenos príncipes”, filhos de líderes históricos do Partido que se aproveitam das conexões familiares para impulsionar tanto a carreira política quanto os negócios.

O pai do vice-presidente é Xi Zhongxun. Já morto, participou da revolução comunista de 1949 e mais tarde se tornou general, mas caiu em desgraça com Mao e acabou preso nos anos 1960. Só foi reabilitado com a chegada de Deng Xiaoping, no final dos anos 1970.

É a primeira vez que uma reportagem detalha os negócios da família de Xi, atual vice-presidente e indicado para substituir Hu Jintao como líder máximo do governo e do Partido Comunista, provavelmente em outubro.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor
Posts anteriores
Posts seguintes
Publicidade
Publicidade
  • RSSAssinar o Feed do blog
  • Emailfabiano.maisonnave@grupofolha.com.br

Buscar

Busca
Blog dos Correspondentes

Tags

Baidu; China; Brasil; Kaiser Kuo Chen Zhizhao; Corinthians; china; futebol; embraer; jackie chan; fabiano maisonnave china; hong kong; eric vanden bussche; blog vista chinesa china; venezuela; chávez; América Latina Eric Vanden Bussche; China; protestos josé carlos martins; economia chinesa José Carlos Martins; Vale; relações Brasil-China Marcos Caramuru de Paiva; China; sucessão Marcos Caramuru de Paiva; economia chinesa mulheres chinesas; eric vanden bussche; wendi deng; dia internacional da mulher Relações Brasil-China Ricardo Antunes; Instituto Confúcio; Shenzhen; Foxconn UFMG; China; iPhone Wang Shu; China; Fabiano Maisonnave; arquitetura; Pritzker Zhou Zhiwei
Publicidade
Publicidade
Publicidade
  • Folha de S.Paulo
    • Folha de S.Paulo
    • Opinião
    • Assine a Folha
    • Atendimento
    • Versão Impressa
    • Política
    • Mundo
    • Economia
    • Painel do Leitor
    • Cotidiano
    • Esporte
    • Ciência
    • Saúde
    • Cultura
    • Tec
    • F5
    • + Seções
    • Especiais
    • TV Folha
    • Classificados
    • Redes Sociais
Acesso o aplicativo para tablets e smartphones

Copyright Folha de S.Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).