Insegurança chinesa, esperança ocidental
04/06/12 09:12Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai
Há dias, convidado a um jantar com administradores de fundos de investimentos, ouvi a pergunta: por que os ocidentais acreditam mais no futuro da China do que nós mesmos, chineses? Surpreso, indaguei aos meus anfitriões se achavam que a China havia evoluído para melhor ao longo do tempo. Todos disseram que sim. Então por que temem o futuro?
Ocidental, diplomata de formação, acostumado a analisar as mensagens governamentais tanto no que é explicitamente dito pelas autoridades como no que está nas entrelinhas, mencionei-lhes que tudo o que ouço sobre o futuro vai na direção de transformações audaciosas que podem mudar a China para melhor e ampliar a sua importância no mundo.
Sobretudo depois do afastamento de Bo Xilai, o que mais há aqui é o anúncio de reformas que cobrirão as áreas social, econômica e política. Nas muitas visitas que fiz ao longo dos anos a autoridades locais, vi um número significativo de pessoas jovens em altas posições, com bom traquejo no uso do inglês, comprometidos com a modernidade. Ótimo sinal. Na China, os políticos se aposentam aos 65 anos e a média de idade dos líderes no comando do governo em todos os níveis tem de ser de 50 anos. Sempre acreditei que os chineses haviam enxergado no rigor da hierarquia japonesa um certo esclerosamento do Estado. Por isso, estabeleceram a idade média em padrão relativamente baixo no mundo moderno, onde as pessoas são frequentemente ativas até uma idade antes considerada tardia.
Não que o sucesso esteja à mão. Os desafios são imensos, mas não avassaladores e têm sido explicitados com naturalidade: as disparidades sociais, a passagem para uma economia capaz de produzir inovação, a modernização do segmento financeiro, a abertura da conta de capital, a avaliação de desempenho do governo baseado não no crescimento do PIB, mas na qualidade do crescimento, vai por aí.
É óbvio que, na visão dos ocidentais, sempre há uma questão maior: para onde penderá o rumo da política. Mas essa é uma questão que os próprios políticos chineses têm em mente. O fato de países terem partidos únicos não significa que inexistam divergências no comando. O problema é que apenas no contexto de um escândalo, como o que ocorreu recentemente com o ex-prefeito de Chongqing, fica-se sabendo que as divergências são mais profundas do que se poderia imaginar.
Meus anfitriões no jantar não têm o meu olhar para os fatos. Reconhecem que a previsibilidade na mudança de lideranças políticas garante um grau elevado de estabilidade no país, mas sempre se perguntam: quem virá num futuro mais distante? Nisso, há que reconhecer, não são diferentes de nós. Só que aqui não há pesquisas de opinião para avaliar se os eleitores penderão para Lula ou Dilma em 2014 ou se o PSDB tem alguma chance de se unir em tempo em torno de um candidato.
Um dos problemas da realidade política na China, a meu ver, é que os dirigentes mais jovens não são conhecidos. Ao lado disso, a sensação generalizada é de que os que saem do mundo político não exatamente saem. Seguem no comando, mexendo os seus pauzinhos a partir de seus aliados que permanecem na ativa. Ou seja, quando se anunciam mudanças, muitos se perguntam: será mesmo para valer?
Ao mesmo tempo, muitos empresários se indagam qual será o futuro do setor produtivo da China sem um desempenho das exportações de produtos manufaturados tão positivo como no passado. A conta do aumento do consumo interno não é normalmente feita, apesar de todos admitirem que o acesso ao consumo tem-se ampliado, e os salários têm aumentado. A lei trabalhista na China diz que os salários devem aumentar de acordo com o grau de desenvolvimento, o que, por si só, é notável. Publica-se anualmente qual foi o aumento da média salarial no país, e os aumentos do salário mínimo decretados pelo governo têm estado muito acima das taxas de inflação.
Finalmente, o crescimento do setor de serviços, fato inevitável numa economia que amadurece, não parece convencer os locais. A mentalidade empresarial tem tão solidamente arraigada a idéia da China industrial, exportando para o mundo, que encontra dificuldade em ver a China com outra feição.
A transformação futura do país terá de mudar conceitos não somente no setor público, mas também, e, talvez, principalmente no privado. E é um reducionismo achar que na China de hoje tudo ou quase tudo é estatal. O peso do Estado é grande, não há dúvida, mas a China depende crescentemente do segmento privado. Os dirigentes têm falado até mesmo na necessidade de maior presença privada no setor financeiro.
Depois de uma longa conversa e muitos argumentos, meus interlocutores me repetiram a pergunta inicial: mas, afinal, porque vocês acreditam tanto?
Talvez porque o mundo precise se apoiar em experiências de sucesso, e a China é a mais evidente das últimas décadas. Talvez porque, se a China falhar, o mundo inteiro vai sentir fortemente o impacto. E, se isso ocorrer num momento em que a Europa e os Estados Unidos estejam muito mal, viveremos uma crise mundial de grandes proporções, mesmo com outros países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia, tentando ir bem. Talvez porque o modelo de êxito do Ocidente esteja baseado em ideias que nasceram há 200 anos, enquanto a China trabalha num modelo novo, tanto econômico quanto político, que ainda terá de evoluir, mas que possivelmente abrirá portas.
A China de hoje tem peso para definir novos padrões e mudar rumos: internamente e para além das suas fronteiras. Mas a pergunta sobre o futuro ainda estará no ar por muito tempo, sem respostas definitivas.