Folha de S.Paulo

Um jornal a serviço do Brasil

  • Assine a Folha
  • Atendimento
  • Versão Impressa
Seções
  • Opinião
  • Política
  • Mundo
  • Economia
  • Cotidiano
  • Esporte
  • Cultura
  • F5
  • Classificados
Últimas notícias
Busca
Publicidade

Vista Chinesa

por Fabiano Maisonnave

Conheça Os colunistas que fazem a Vista Chinesa

Perfil completo

O churrasco brasileiro "made in China"

Por Vista Chinesa
15/05/12 13:21

Vai um espetinho de abacaxi aí? Restaurante Brasil Churrasco Pizza, em Pequim. (Fabiano Maisonnave/Folhapress - 21.jun.2011)

Fabiano Maisonnave, de Pequim

Caranguejo picante frito, pescoço de pato, estômago de galinha, orelha de porco, fígado de ganso, rim e língua de boi estão entre as opções servidas pela cadeia de restaurantes Brasil Churrasco Pizza, com cinco lojas em Pequim.

Provavelmente já sejam centenas de “churrascarias” abertas por empresários chineses pelo país afora, quase todas imperceptíveis para quem não lê mandarim _a maioria só exibe o nome do Brasil em caracteres (巴西, lê-se baxi).

Meses atrás, almocei em uma das unidades do Brasil Churrasco Pizza, em Sanlitun, região nobre de Pequim. Não me senti nada em casa: tirando os garçons com espetos na mão e o “braz ian (sic) barbecue” na parede, nada lembra uma churrascaria tupiniquim, desde o buffet e os espetos com as opções mencionadas  passando pelos móveis estilo fast-food. Mesmo sendo uma região muito frequentada por estrangeiros, o restaurante, cheio, só tinha clientes chineses (e, apesar do nome, não havia pizza!).

Achei a carne e o serviço muito ruins (o garçom só passou duas vezes em uma hora), mas o grande número dessas churrascarias, e não só em Pequim, revela uma pequena febre de rodízio na China. Um sucesso sem nenhuma relação verdadeira com o Brasil.

Esses restaurantes talvez sejam o melhor exemplo das oportunidades que vêm sendo perdidas pelos empresários brasileiros na segunda economia do mundo.

A economia chinesa está em transformação, cada vez mais consumidora do que produtora. A expansão do mercado interno é uma das prioridades do governo chinês, e várias multinacionais de serviços já estão aqui, algumas há bastante tempo.

Entrar na China é difícil, requer pesquisa, muito investimento e paciência, mas sobram casos bem-sucedidos. O exemplo mais citado é a KFC, dona da maior rede de restaurantes no país, com cerca de 4.000 lojas.

No gigante asiático desde 1987, a KFC criou uma estratégia de adaptação que inclui oferecer um amplo cardápio adaptado ao gosto chinês junto com seus conhecidos frangos. As opções incluem sopa de ovos, camarão e até um wrap de pato. Tudo sem perder o apelo principal, de que se trata de uma marca “made in USA”.

A anos-luz disso, o Brasil está engatinhando na exportação de serviços para a China, com apenas uns poucos casos pontuais (no ano passado, publiquei uma reportagem sobre o assunto, disponível apenas para assinantes).

É uma pena. Qualquer um que viaja ao exterior sabe que o Brasil está na moda, e os eventos esportivos só irão reforçar isso. E tenho certeza de que um espeto de pescoço de pato ficaria mais bem assado com expertise gaúcha.

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Procurado pela polícia chinesa

Por Vista Chinesa
11/05/12 09:39

Policial averigua documentos de equipe de TV australiana diante de hospital onde Chen Guangcheng está internado, em Pequim (Fabiano Maisonnave/Folhapress - 2.mai.2012)

Por Eric Vanden Bussche, em Nanjing (leste da China)

A recente decisão do governo chinês de expulsar do país a correspondente da Al Jazeera em Pequim, Melissa Chan, trouxe de volta à memória um episódio que vivenciei em abril de 2004. Enquanto realizava uma reportagem sobre a degradação ambiental no sudoeste da China, por pouco não fui detido por dois agentes da polícia chinesa que estavam à minha procura.

Na época, trabalhava como jornalista para o Nanfang Daily News Group, cujas publicações atraíam o interesse de leitores de todo o país por reportagens que testavam os limites da censura: a epidemia de Aids, o abuso de poder por governo locais e vários outros temas que fazem parte do dia-a-dia dos chineses, mas que são ignorados pela imprensa oficial. Ironicamente, o Nanfang Daily News Group pertence ao Partido Comunista da Província de Guangdong. Entretanto os líderes locais e os agentes do Departamento de Propaganda demonstravam certa tolerância com a audácia dos jornalistas em nome dos lucros proporcionados pelo enorme sucesso de vendas.

Os editores e repórteres também desenvolveram métodos para burlar a censura. Eles pareciam seguir ao pé da letra a orientação do líder chinês Deng Xiaoping: “Atravessar o rio, sentindo as pedras” (Mozhe shitou guo he). Essa expressão havia sido cunhada por Deng em 1984 para frisar que as políticas de abertura econômica não seguiam um modelo predeterminado, mas seriam avaliadas e ajustadas a cada passo dependendo dos resultados. No final dos anos 90, os repórteres incorporavam esse modus operandi à cobertura jornalística.

Fui contratado como “especialista estrangeiro” pelo Nanfang Daily News Group em 2001, quando estava terminando a minha pós-graduação na Universidade de Pequim. Minha função consistia em escrever matérias sobre cultura e esportes, ou seja, “soft news”. Pelo fato de ser estrangeiro, eu não tinha a autorização para participar de reportagens que pudessem gerar controvérsias. Nada de política ou qualquer outro tema que pudesse enfurecer alguém no Departamento de Propaganda. E, mesmo assim, os meus editores adotavam uma autocensura mais rígida com as minhas reportagens por ser estrangeiro. Embora escrever sobre cultura e esportes não me entusiasmava muito, aceitei o desafio para vivenciar a China fora da academia e conviver com jornalistas extremamente respeitados no país.

Havia outra vantagem. Eu podia escrever matérias como free-lancer para a imprensa estrangeira. O governo chinês não permite a atuação de free-lancers no país. Mas, como muitas das leis na China, na época ela existia apenas no papel. Meus editores, entretanto, me advertiam para atuar com discrição e não me envolver em confusões. Um deles certa vez me disse: “Não quero ter de tirar você da prisão”.

Eu também tive a sorte de atuar num ambiente um pouco mais aberto e tolerante com a liberdade de expressão. Por um breve período no final dos anos 90 e início da década passada, o governo relaxou um pouco o seu controle sobre a imprensa chinesa. Foi durante esse período que as publicações do Nanfang Daily News Group produziram suas melhores reportagens.

Com o aval dos meus editores, em fevereiro de 2004 segui para a municipalidade de Xuyong, uma área montanhosa habitada por uma diversidade de minorias étnicas na Província de Sichuan, sudoeste da China.

A escolha de Xuyong não ocorreu por acaso. Eu já havia visitado a região em outras duas ocasiões com amigos chineses e tinha desenvolvido uma rede de amizades que facilitaria o meu trabalho de obtenção de informações e realização de entrevistas. Conhecia também bem a chefe do Partido Comunista local. É ela quem salvaria a minha pele quando dois policiais do Escritório de Segurança Pública de Sichuan apareceram sem aviso prévio na cidade em abril para me prender e me levar a Chengdu, capital da Província, onde seria interrogado sobre as minhas atividades em Luopu, que ficava a alguns quilômetros do centro urbano de Xuyong.

Luopu era uma vila industrial que até o final dos anos 90 tinha uma reputação semelhante à de Cubatão, na Serra do Mar paulista. Conhecida como a capital da poluição da China, a vila se destacava por suas montanhas cinzentas, rios com peixes mortos e uma população enferma. O vilão era uma fábrica de celulose que, embora permitisse a sobrevivência econômica da região, tinha massacrado o meio ambiente e causada altas taxas de mortalidade por espalhar câncer entre a população. No final dos anos 90, o governo da Província resolveu fechar a fábrica de celulose, deixando a maioria dos habitantes da vila desempregada e com sérios problemas de saúde. Isso gerou protestos, reprimidos pela polícia local.

Com a ajuda de um médico que trabalhava num hospital de Luopu e morava no centro urbano de Xuyong, visitei a vila no início de abril de 2004. Minha visita chegou aos ouvidos do chefe de polícia local, que entrou em contato o Escritório de Segurança Pública da Província para informar que um estrangeiro estava visitando a região e fazendo perguntas sobre os problemas de poluição e os protestos. O Escritório resolveu, então, enviar dois policiais à minha procura.

No dia em que os policiais chegaram a Xuyong (que fica a um dia de viagem de Chengdu), a sorte esteve ao meu lado. Eles não conseguiram me encontrar, pois estava no hospital da cidade. Eu tinha ido explorar uma caverna em Luopu com um amigo chinês e acidentalmente bati a cabeça numa rocha. Precisei levar seis pontos. Enquanto os agentes da polícia rondavam Luopu e o centro urbano de Xuyong à minha procura, estava sendo atendido no hospital.

Os agentes resolveram, então, perguntar a chefe do Partido Comunista local se conhecia o meu paradeiro. Ao ouvir que o Escritório de Segurança Pública da Província considerava a minha presença na região “perigosa” e “uma ameaça para a estabilidade,” a chefe riu e respondeu que eles não precisavam se preocupar: “Ele é um de nós” (Ta shi ziji ren). Ela disse que se responsabilizaria por mim e mandou os policiais de volta para Chengdu.

No dia seguinte, presenciei algo mais estranho. Recebi a informação de que a prefeita de Luopu aceitaria me receber para uma entrevista. Ela queria me mostrar os esforços de seu governo em recuperar o meio ambiente e transformar Luopu numa região turístico. De um dia para o outro, a prefeita se convenceu que uma reportagem sobre a vila em um jornal estrangeiro poderia atrair investimentos e turistas à região. Só havia uma condição: eu não poderia fazer nenhuma pergunta sobre os protestos que ocorreram na vila.

Achei cômica a reviravolta dos acontecimentos. Eu havia sido taxado pela polícia como um “perigo” e, menos de 24 horas depois, recebido um convite da prefeita para uma entrevista. “Você passou de inimigo número um do povo para herói da vila,” brincou um dos meus amigos. “Agora você sabe o que é ser chinês.”

No dia da entrevista, a prefeita foi extremamente atenciosa comigo. Eu até consegui todas as informações que queria sobre os protestos na vila sem fazer uma só pergunta a este respeito! Isso ocorreu graças a um descuido da prefeita. No final da entrevista, enquanto saboreávamos chá, a prefeita virou para um de seus assistentes e começou a falar sobre os protestos no dialeto do sul de Sichuan. Ela pensava que eu só entendia o mandarim e não tinha conhecimento do dialeto local. Mero engano, consegui entender a maioria do que estava dizendo. Foi o suficiente para esclarecer as minhas dúvidas sobre o assunto.

Esse incidente me permitiu a compreender com maior clareza o ambiente extremamente volátil no qual a imprensa chinesa sobrevive (aqui estou me referindo aos jornalistas comprometidos com a profissão e não àqueles que utilizam práticas que descrevi num artigo anterior). Até hoje me sinto extremamente agradecido à chefe do Partido Comunista local por ter me defendido. Se tivesse sido detido pela polícia, eu provavelmente teria me deparado com uma série de problemas. Talvez não tivesse sido expulso do país, mas os meus editores no Nanfang Daily News Group certamente teriam enormes dores de cabeça para resolver a minha situação.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.
Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

O paradoxo da ascensão chinesa

Por Vista Chinesa
09/05/12 10:45

Na madrugada fria, vigia dorme do lado de fora de uma concessionária Ferrari, em Hangzhou, leste chinês. (Fabiano Maisonnave/Folhapress - 18.mar.2012)

Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro

Na história econômica da Idade Contemporânea, a partir do século 18 até os dias atuais, nada mais singular do que a posição dominante que vem sendo atingida pela China.

Neste período de 300 anos, várias nações localizadas principalmente na porção norte ocidental do hemisfério assumiram posição destacada no cenário econômico mundial, como Reino Unido, Alemanha, França, Estados Unidos e a extinta União Soviética, além do Japão, no Oriente. Esses países disputaram por diversos meios, inclusive ideológicos e militares, a hegemonia umas sobre as outras e também sobre as outras nações não participantes desse processo.

Embora sempre ameaçadas economicamente e às vezes militarmente pelas outras potências, apenas Reino Unido e Estados Unidos foram as nações que realmente exerceram esse poder hegemônico de forma incontestável por longos períodos de tempo. Essas duas nações foram, cada uma em seu tempo, líderes  em termos do tamanho de sua economia, de sua corrente de comércio e de seu poder financeiro, medido pela capacidade de acumular reservas e de transformar suas moedas em referência e reserva de valor para todas as outras nações.

Além desses fatores, essas duas nações caracterizaram sua hegemonia também em termos de padrão de vida e de organização social e de projeção dessa hegemonia e dominância por meio do poder das armas.

Ao observarmos a China atual, é evidente a posição dominante que essa nação vem atingindo em vários dos quesitos acima mencionados. O tamanho de sua economia, medido pelo seu poder de compra, indica que a China já é a maior economia do mundo, considerando que um dólar pode comprar mais bens e serviços na China do que nos Estados Unidos.

A liderança da China em termos de comércio mundial (importações mais exportações) também é inconteste. É apenas uma questão de tempo para que a moeda chinesa, o yuan, seja conversível, e o mercado financeiro chinês, liberalizado de forma a permitir que essa moeda, assim como a libra esterlina durante o período hegemônico britânico e o dólar durante o período hegemônico americano, venha a exercer um papel mais importante no cenário econômico mundial, acompanhando a pujança de sua própria economia.

O governo chinês vem adotando uma série de medidas financeiras para aumentar a conversibilidade de sua moeda e assim expandir sua influência na economia mundial. Tamanho da economia, tamanho do comércio mundial e a penetração da moeda são os principais alicerces da hegemonia e dominância econômica, e a China está em vias de consolidar esses alicerces talvez em menos de uma década. A capacidade da economia chinesa para mostrar sua eficiência e sua primazia passará no seu maior teste quando da liberalização total de seus mercados financeiros. Mas esse é o preço a pagar caso a China queira realmente exercer sua liderança global. As medidas que vem sendo adotadas pelo governo chinês nessa direção indicam que eles compreendem a importância desse passo e já fizeram a sua escolha.

Olhando puramente pelo ângulo das tendências e do potencial de expansão da economia chinesa e considerando a sua grande população e todas as políticas que seus governantes vêm adotando, a eventual hegemonia econômica da China é muito menos uma questão de “se”, e sim de “quando”.

Nada é irreversível, e nenhuma nação está condenada ao sucesso inexorável. A China não é uma exceção a essa regra. Mas todo o desenvolvimento dos últimos anos, a massa crítica atingida pela economia chinesa e a distância dessa economia em relação à sua fronteira de crescimento já atingida pelos Estados Unidos e demais nações industrializadas do Ocidente nos permitem prever com grande possibilidade de acerto que, mais cedo do que se imagina, a China irá atingir uma posição hegemônica e dominante no cenário mundial. O pragmatismo e o compromisso com o resultado dos governantes chineses são outros pontos favoráveis a esse desenvolvimento.

Qual é, então, o paradoxo chinês?

Na realidade, são vários os paradoxos e neles residem as grandes ameaças à consecução dessa posição hegemônica. O primeiro paradoxo foi a rapidez da ascendência chinesa, surpreendente para os próprios chineses, que talvez preferissem passar despercebidos por mais tempo. Essa visibilidade atingida antes do tempo é motivo de entraves à projeção dessa hegemonia, começando pela desconfiança dos vizinhos e dos antigos parceiros comerciais.

Hoje, muito se fala sobre uma potência prematura ou precoce. A China estaria atingindo uma posição hegemônica muito antes de desenvolver outras características intrínsecas das potências semelhantes, como Reino Unido, no passado, e os Estados Unidos, atualmente.
Uma dessas características, e o segundo paradoxo, é o poderio militar. Embora a China venha aumentando seus gastos militares e desenvolvendo cada vez mais tecnologias, a China ainda está muito distante de deter um poderio compatível com seu poderio econômico ou capaz de fazer frente ao poderio militar americano e de outras nações do Ocidente.

A China do passado aprendeu amargamente o que significa tecnologia, capacitação industrial e poderio militar quando uma nação de mais 300 milhões de habitantes se viu derrotada em seu próprio território por uma nação de apenas 20 milhões de habitantes guerreando a 20 mil km de distancia de sua base. Não é sem razão que as quatro modernizações pensadas por Zhou Enlai e reforçadas por Deng Xiaoping eram agricultura, indústria, ciência e tecnologia e defesa, sendo a defesa o corolário das três primeiras modernizações.

As iniciativas americanas de criar uma zona de contenção na própria Ásia para limitar a expansão do poderio chinês é uma demonstração clara da desconfiança gerada pelo crescimento chinês. O maior parceiro comercial da China e até pouco tempo um aliado natural do processo de desenvolvimento econômico desse país parece estar mudando sensivelmente sua política em relação à potência emergente.

O terceiro paradoxo diz respeito ao nível de vida medido pela renda per capita. A China deverá atingir uma posição hegemônica muito antes de os chineses deterem um padrão de vida equivalente àquele atingido pelos britânicos e pelos americanos, cada um a seu tempo. É possível que a hegemonia econômica da China seja atingida num momento em que sua população possua menos da metade da renda per capita atingida pelos americanos.

Em termos de organização social, o paradoxo é ainda maior, uma vez que a maior nação economicamente falando do mundo é ainda administrada por um partido único cuja legitimidade se baseia apenas no resultado que consegue apresentar. Embora a China moderna tenha sido construída sobre os princípios do mercado, a matriz ideológica desse partido é absolutamente conflitante com a economia que ele próprio administra. Todos os países que exerceram poder hegemônico no mundo desfrutaram de tranquilidade internamente. Poder hegemônico usado interna e externamente tende a não ser duradouro ou sustentável, como o exemplo soviético parece indicar.

A eliminação desse paradoxo político talvez seja o maior entrave para que a China possa atingir a posição hegemônica que sua pujança econômica parece justificar. Muito mais do que apenas o resultado de um poderio econômico ou um conjunto de características que levam uma nação a uma posição dominante, hegemonia é um poder a ser exercido. É, além de uma substância econômica e militar, um ato de vontade política. Não obstante todos seus predicados, não está efetivamente claro que a China esteja preparada para exercer essa hegemonia mundialmente enquanto a modernização do seu sistema político, ou a quinta modernização, não avançar.

Na China de hoje, nada mais atual do que o velho adágio shakespeariano “Ser ou não ser, eis a questão”.

José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada a cada 14 dias, às quartas-feiras.
Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Chen Guangcheng, o barão da água

Por Vista Chinesa
08/05/12 08:33

Imagem difundida por apoiadores de Chen Guangcheng (CGC) na internet.

Fabiano Maisonnave, de Pequim

Em 2010, quando professor de literatura encarcerado Liu Xiaobo ganhou o Nobel da Paz,  a propaganda estatal chinesa disse que ele recebia um salário de US$ 23 mil do governo americano para pagar seu gosto por vinhos caros. Em 2011, quando o artista Ai Weiwei foi preso no aeroporto de Pequim e passou quase três meses desaparecido, a explicação foi de que ele havia sonegado milhões de dólares.

Com esses precedentes, o recente caso do dissidente Chen Guangcheng gerou expectativas sobre o novo desafio para a propaganda oficial: como desqualificar um advogado cego autodidata  isolado em prisão domiciliar durante 19 meses sem nenhuma medida judicial por defender mulheres pobres forçadas a abortos e esterilizações?

A resposta veio na edição desta segunda-feira do jornal “Global Times”, publicado em inglês e controlado pelo Partido Comunista. Num artigo assinado por Sima Pingbang, militante maoísta que se denomina “intelectual do povo”, Chen, atualmente isolado num hospital de Pequim, é descrito como uma espécie de empresário inescrupuloso e violento que, com dinheiro britânico, passou a controlar o acesso à agua de sua vila rural! Eis aqui:

“A prisão de Chen, anos atrás, não teve nenhuma relação com o seu trabalho. Foi na verdade um conflito bastante local. [Os moradores] me contaram que Chen construiu um poço profundo usando fundos que recebeu de uma fonte britânica. Mas aquele poço sugou a água de outros poços da vila. Com isso, Chen efetivamente controlava a água da vila.”

“Eles afirmam que Chen cobrava altas taxas pela água, provocando descontentamento entre os moradores, alguns dos quais passaram a expressar abertamente sua infelicidade, e isso enfureceu Chen. Portanto, ele pediu aos membros de sua família que atacassem o comitê da vila e bloqueassem as estradas para expressar sua fúria”, afirma Sima.

Tudo isso, explica, foi aprendido durante uma visita que fez em dezembro à vila de Chen (Dongshigu, Província de Shandong). Estranhamente, ele esperou cinco meses para divulgar as informações.

Uma pena que ninguém mais pode visitar a vila para verificar o império aquático de Chen: desde outubro de 2010, quando ele deixou a cadeia, até a sua fuga recente, capangas agrediam quem tentasse visitar o ativista. Nenhum jornalista ou amigo conseguiu visitá-lo. Tarefa impossível até mesmo para o “Batman” Christian Bale, como mostra este vídeo:


YouTube Direkt

 

 

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

A geração dos filhos únicos: mais ambição, menos oportunidade

Por Vista Chinesa
07/05/12 08:02

Bebês chineses participam de concurso de natação, em Pequim (11.set.2010/France Presse).

Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai

Nascer num período histórico favorável é um golpe de sorte. Na China, dada a dimensão das transformações políticas e sociais dos últimos anos, isso parece ser mais evidente do que em outros lugares.

Quem, originário de uma grande cidade, chegou à idade de trabalho na época da Revolução Cultural, perdeu 30 anos sem poder explorar o seu potencial. A revolução durou uma década (1966-76). Mas, como as reformas iniciadas no final dos anos 70 só impactaram o país como um todo 20 anos depois, foi-se a vida profissional, num momento histórico conturbado e desfavorável.

Quem, ao contrário, chegou à idade de trabalho quando a China começou a colher os resultados da abertura, surfou numa onda extraordinariamente positiva. Os egressos da universidade _naquela época o acesso ao ensino superior era bem mais limitado do que hoje_ tiveram uma oportunidade excepcional na história. Muitos iniciaram os seus próprios negócios e enriqueceram rapidamente. Agora, com idades entre 35 e 50 e poucos anos, gozam uma vida profissional bem-sucedida do ponto de vista financeiro, têm tempo suficiente para viajar e aproveitar a vida. Desse grupo vêm majoritariamente os compradores das Ferraris e Rolls-Royces que circulam nas ruas e os clientes das lojas de luxo que se acumulam nos shoppings sofisticados. Mas, nas grandes cidades, há muita gente sem consumo glamoroso, com elevadíssimo grau de conforto na gestão do seu dia-a-dia.

O problema é que não é mais tão fácil ganhar dinheiro. A geração que nasceu do final dos anos 80 em diante não terá, nem de longe, o ambiente econômico vantajoso da geração que a precedeu. Um número maior de jovens, é fato, consegue o diploma universitário, o que, na visão geral, dá-se em detrimento da qualidade do ensino. Mas a chance de enriquecer não está disponível como no passado. Pior: como esta geração é a primeira só de filhos únicos, as expectativas em torno dos jovens _próprias e das famílias_ são enormes. Há, nas grandes cidades, quem venha de famílias em que os pais amealharam bem e estão dispostos a dar o que têm aos filhos. Mas muitos outros, não.

Há meses, ouvi num programa de rádio um debate entre pais de adolescentes da classe média de Xangai. A reclamação era geral. Alguns diziam que as exigências dos filhos por apartamentos com calefação no piso, roupas “trendy” e outros modismos eram incompatíveis com o nível de renda das famílias que não tiveram muito êxito nos anos dourados da transformação. Os filhos olhavam os colegas de maior posse e queriam ter o seu grau de bem-estar. Muitas das reclamações vinham de pais que viveram o impacto da Revolução Cultural, quando todos eram iguais _ou parecidos_ na renda. A maioria deles residiu em moradias coletivas e estava extraordinariamente satisfeita em ter o seu apartamento próprio, educar o (a) filho (a) com conforto e ainda ajudar os mais velhos na família.

Mas os filhos não vêem as coisas dessa maneira. Tomam como certo que a qualidade geral de vida melhorou. Partem de um patamar considerado inimaginável no passado. Esperam um futuro brilhante e confortável. Acreditam que seus salários terão regularmente aumentos extraordinários. Como há emprego em abundância, estão sempre atrás de remuneração mais alta, com baixa fidelidade aos empregadores. A economia, contudo, não vai crescer para sempre a taxas elevadas do passado.

Nesse ambiente em que os jovens querem mais e melhor, conservam-se as tradições. Os casamentos ainda são muito valorizados. Em Xangai, é comum ver as noivas sendo fotografadas nas ruas da cidade, frequentemente com noivos bem menos entusiasmados, mas sempre dispostos a participar da brincadeira. Aqui, a prática é tirar fotos românticas nas ruas e exibi-las aos amigos no jantar de celebração das bodas. A assinatura dos papéis é feita apenas pelos noivos, sem qualquer cerimônia, às vezes meses antes do jantar.

A bem da verdade, as estatísticas revelam que, nos quatro primeiros meses de 2012, o número de casamentos em Xangai caiu 11,6% em relação ao mesmo período de 2011. Isso não significa, contudo, a menor atratividade da união, e sim o fato de que, nos últimos anos, o número elevado de casamentos refletiu o “baby boom” do início dos anos 80, quando tudo era esperança na China que se abria.

Encontrar parceiro é sempre uma prioridade. A China não é muito diferente dos demais lugares. Só que aqui frequentemente mais pelo entusiasmo dos pais do que dos jovens. O maior evento anual de “matchmaking” da cidade neste ano teve de ser antecipado em seis meses, em razão da demanda das famílias. Na China inteira, o programa de televisão de maior audiência chama-se “fei cheng wu rao” (“se não for honesto não me incomode”, em tradução livre). Em 2011, a renda dos patrocinadores foi 500 milhões de yuan (R$ 153,3 milhões). Em 2012, a renda já garantida é de 2 bilhões de yuan (R$ 613,3 milhões), tal o sucesso.

Em contraste com a preservação das tradições, há um número crescente de casais na onda do “double income no kids” (dupla renda, nenhum filho). Em Xangai, se dois filhos únicos se casam, podem ter dois filhos Mas, em 2009, a Universidade Fudan fez uma pesquisa em que registrou que 12,4% dos casais na cidade não planejam nem mesmo um. Ao divulgar a pesquisa, a universidade indicou que, em casais entre 20 e 40 anos, essa percentagem é maior.

Diz-se em Xangai que, quem nasceu nos anos 70 pôde, com um mês de trabalho, comprar um metro quadrado de apartamento. E, para quem nasceu a partir da segunda metade dos anos 90, a meta de ter um apartamento ficou quase inatingível. Os preços foram à Lua nos últimos anos e, ainda que estejam caindo um pouco agora, nunca mais existirão as oportunidades do passado.

Em 2011, o preço médio de um imóvel na cidade, excluída a moradia subsidiada pelo governo, foi de 2,58 milhões de yuan (R$ 790 mil), enquanto o salário médio anual ficou em RM 51,9 mil (R$ 16 mil). Ou seja, sem contar os juros, seriam necessários cerca de 50 anos para que um salário médio inteiro pagasse o principal da compra de um imóvel. Se considerarmos que cerca de 30% do salário seja alocado ao pagamento da moradia, estamos falando em 165 anos.

Em suma, não será muito fácil convencer uma geração inteira de que é preciso baixar as expectativas. Mas é inevitável fazê-lo. Sempre existirão ganhadores, é claro, mas o número será bem menor do que há 10 ou 20 anos, e o esforço empregado por eles terá de ser consideravelmente maior.

Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias.

 

 

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Sushi no Ano-Novo chinês

Por Vista Chinesa
04/05/12 17:06

Loja de roupas em Taipé, capital de Taiwan. (Foto de divulgação.)

Eric Vanden Bussche, de Taipé (Taiwan)

No ano passado, fui convidado para comemorar o Ano-Novo chinês na casa de Chang Yung-lin, um ex-militar de Exército taiwanês. Durante o jantar, fiquei surpreso ao ser oferecido sushi. Na China continental, oferecer um prato tipicamente japonês durante a mais importante festividade do ano certamente seria visto como um ato de traição, pois a memória das atrocidades japonesas durante a Segunda Guerra Mundial continua fresca na cabeça dos chineses.

Mas em Taiwan os japoneses são vistos com outros olhos. “Nós, taiwaneses, temos uma relação mais amigável com o Japão do que a China,” me explicou o ex-militar, filiado ao Partido Nacionalista (Guomindang, ou GMD), do atual presidente, Ma Ying-jeou. “Os japoneses ocuparam Taiwan de 1895 a 1945, mas desenvolveram a ilha, permitindo o nosso crescimento econômico no pós-guerra. Não podemos ignorar a influência do Japão na nossa sociedade e cultura.”

A visão de Chang Yung-lin sobre a herança da colonização japonesa se insere num debate mais amplo sobre a identidade de Taiwan que provavelmente continuará a azedar as suas relações com a China continental.

Desde os anos 90, está em curso um processo que visa forjar uma identidade étnica e nacional própria em Taiwan. Pesquisas de opinião pública realizadas nas últimas duas décadas mostram que uma parcela crescente da população da ilha não se enxerga mais como chinesa. Essa tendência pode ser observada tanto entre os taiwaneses que advogam a independência da ilha quanto aqueles que desejam estreitar os laços políticos e econômicos com a China continental.

Isso não quer dizer que os taiwaneses estejam renegando a sua herança político-cultural chinesa. Sun Yat-sen, um dos líderes da revolução de 1911 que derrubou a dinastia Qing, ainda é visto como o “pai da nação”, o mandarim é a língua oficial, as tradições culturais chineses são celebradas, e Taiwan se chama “República da China”. Entretanto os taiwaneses passaram a reconhecer também como parte de sua identidade as raízes aborígenes e as influências da colonização japonesa na formação social da ilha.

Como bem nos lembra a antropóloga norte-americana Melissa Brown em seu livro “Is Taiwan Chinese?” (Taiwan é chinês?), os alicerces da identidade de um grupo étnico ou nação são construídos a partir de experiências sociais comuns, que incluem experiências políticas e econômicas.

Se observarmos a história de Taiwan, perceberemos diferenças acentuadas entre as trajetórias socioeconômicas da ilha e a da China continental.

Taiwan foi incorporada ao império Qing (1644-1912) durante o reinado do imperador Kangxi em 1683. Na época, o imperador se referia à ilha como uma “bola de lama” habitada por povos primitivos, uma região que não valia muito ao império. Nos próximos dois séculos, porém, Taiwan recebeu levas de migrantes das Províncias chinesas de Fujian e Guangdong, aliviando o congestionamento demográfico no sul da China.

A derrota do exército Qing na Guerra Sino-Japonesa de 1894-95 constituiu um divisor de águas na história de Taiwan. A China foi obrigada a entregar a ilha ao Japão, que, durante os próximos 50 anos, se esforçou em transformar os habitantes em súditos de seu império. O japonês se tornou a língua franca nas escolas. Durante as décadas de 30 e 40, jovens taiwaneses participaram das campanhas militares do exército japonês, inclusive do massacre de Nanquim, em 1937. Para abastecer as suas tropas, o Japão estabeleceu indústrias na ilha, mudando a paisagem urbana e econômica.

Com o fim da guerra, Taiwan passou por uma nova transformação. Após os comunistas tomarem o poder, o Exército nacionalista de Chiang Kai-shek se refugiou na ilha. Chiang implementou políticas para inculcar a ideia de que Taiwan era uma Província “chinesa.” O ensino do mandarim se tornou obrigatório nas escolas; os alunos que insistissem em falar qualquer língua local eram punidos. A história da ilha foi novamente reescrita para fazer parte da narrativa da China. Os nomes das ruas foram mudados para evocarem virtudes confucianas, e a propaganda oficial do governo visava despertar um sentimento nacionalista chinês.

Apesar dos esforços de Chiang Kai-shek, os nacionalistas não conseguiram erradicar por completo o profundo legado econômico e cultural do Japão em Taiwan. Ao contrário de outras regiões do leste asiático, a ocupação japonesa é vista de forma mais favorável em Taiwan graças às medidas implementadas por Tóquio para desenvolver a economia da ilha. Hoje a população mais velha ainda fala o japonês fluentemente e muitos _como o ex-presidente de Taiwan Li Teng-hui_ tiveram parentes que morreram lutando pelo Exército japonês na Segunda Guerra Mundial.

A influência japonesa continua presente até mesmo em gerações que nasceram após o final da guerra. Na década de 80, por exemplo, a forma preferida de entretenimento entre jovens monges daoístas era cantar músicas japonesas.

A democratização de Taiwan na década de 90 e o aprofundamento das relações econômicas com a China continental desencadearam um processo que aos poucos está moldando uma nova identidade taiwanesa marcada pela pluralidade, na qual a herança chinesa passou a competir com a cultura local. Políticos começaram a utilizar os dialetos locais para se comunicarem com seus eleitores, os exames para o ingresso no funcionalismo público hoje exigem um conhecimento da história e geografia da ilha, e o governo destina mais recursos para exposições sobre as raízes aborígenes.

Esse redirecionamento da identidade étnica e nacional de Taiwan preocupa o Partido Comunista chinês. Embora hoje a maioria da população taiwanesa ainda prefira a manutenção do status quo à independência, Pequim está ciente de que essa nova identidade poderá atrapalhar as suas relações com Taipé.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.
Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

A disputa pela ilha entre China e Filipinas

Por Vista Chinesa
03/05/12 12:27

Uma das ilhas em diputa entre China e Filipinas no mar do Sul da China (Divulgação/20.jul.2011)

Por Zhou Zhiwei, de Pequim

Iniciado em 10 de abril, o confronto entre barcos da China e das Filipinas nas águas da ilha Huangyan já ultrapassou 20 dias e virou foco de atenção da imprensa internacional. Então se trata de: “o grande intimidou o pequeno”, “as Filipinas ocuparam a ilha ilegalmente” ou “os Estados Unidos intervieram sem razão”? O conflito na ilha de Huangyan não é mais problema de soberania territorial: também reflete a estratégia de limitação exercida pelos Estados Unidos contra a China.

É necessário olhar para trás a origem dessa disputa pela soberania da ilha Huangyan entre os dois países. A base jurídica da soberania da ilha da parte chinesa inclui: a China foi o primeiro país que descobriu e denominou a ilha de Huangyan e a integrou ao território da China, começando a implementar a jurisdição soberana na ilha. Em segundo lugar, a China tem explorado e utilizado a ilha por um longo período. Desde a dinastia Yuan, em 1279, a China tem registros sobre Huangyan. Em 1935, a ilha foi integrada ao território chinês.

As águas de Huangyan são um lugar tradicional para os pescadores chineses. Desde a China antiga, os barcos chineses de pesca têm ido às águas da Huangyan para produção pesqueira. Antes dos anos 1990 do século passado, a comunidade internacional nunca tinha discordância sobre a soberania chinesa em Huangyan e não havia conflito em relação à ilha.

O âmbito de territorial das Filipinas foi confirmado por uma série de tratados internacionais, como o Acordo de Paris, em 1898, o Acordo de Washington, em 1900, e o Acordo Anglo-Americano, em 1930, confirmando que a fronteira ocidental do território filipino não passa da longitude linha 118 °, o que exclui Huangyan. A Constituição e a lei Linha de Base Territorial, promulgadas respectivamente em 1935 e em 1961, reiteram essa linha. Além disso, os mapas publicados pelas Filipinas em 1981 e 1984 excluem Huangyan do território filipino.

Seguindo a regra da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar pela qual até 200 milhas náuticas a partir da linha de costa é a zona econômica exclusiva para o país, as Filipinas encontraram a razão certa para a invasão de Huangyan. Em 1992, o ex-conselheiro de segurança nacional declarou que Huangyan faz parte do território filipino, provocando o conflito. Em 1999, navios de guerra das Filipinas repetidamente expulsaram e afundaram vários barcos de pesca chineses. Desde então, a ação filipina em Huangyan tem escalado, desafiando várias vezes a linha de base da soberania chinesa, culminando no confronto direto hoje entre os barcos de dois países que já dura muitos dias.

De fato, segundo a Convenção sobre o Direito do Mar, os Estados costeiros desfrutam do direito de desenvolver e explorar os recursos naturais na zona econômica exclusiva. No entanto, dentro da zona econômica exclusiva, a soberania de outro país não deve ser questionada. A zona econômica exclusiva das Filipinas não deve incluir o mar territorial e a zona contígua da ilha de Huangyan, e as Filipinas não devem invadir Huangyan com pretexto da zona econômica exclusiva.

A parte crucial da disputa relacionando a Huangyan são as segundas intenções atrás do apoio americano. Para alcançar os interesses estratégicos na Ásia e frear o desenvolvimento da China, Washington criou a teoria da “ameaça chinesa”, tomando posição diretamente oposta à chinesa.

A aliança EUA-Filipinas é construída a partir do princípio de ser contra a China. Os dois países utilizam um ao outro para frear e reprimir a China e assim alcançar seus interesses individuais. As Filipinas visam aproveitar a força dos Estados Unidos para frustrar a intenção chinesa de proteger as ilhas do Mar do Sul da China e para incluir Huangyan no âmbito da proteção do Tratado de Defesa Mútua EUA-Filipinas. Paralelamente, a intenção verdadeira dos Estados Unidos é fortalecer as relações com as Filipinas, utilizando o país como parte da estratégia de formar um arco de países para cercar a China.

Desde 2009, quando os Estados Unidos declararam a estratégia de priorizar a região Ásia-Pacífico, as Filipinas e suas relações militares com os Estados Unidos têm um papel importante na estratégia para o Leste Asiático. Por isso, os exercícios militares EUA-Filipinas foram realizados como previsto até durante o período mais intenso de conflitos entre a China e Filipinas.

Além disso, a participação de Vietnã, Japão, Coreia do Sul e Austrália refletem diretamente a intenção americana de realizar exercícios militares multilaterais com o fim de contrabalançar a China.

Atualmente, o foco das estratégias na Ásia dos Estados Unidos é como tratar as relações com a China. A interdependência da economia sino-americana é profunda, e os americanos precisam do apoio chinês em várias questões. Consequentemente, os interesses comuns são um elemento importante para restringir a estratégia dos Estados Unidos de frear o desenvolvimento da China.

Um grande motivo americano para priorizar a Ásia é compartilhar os interesses adquiridos pela China durante a ascensão chinesa. Os Estados Unidos tampouco vão contrariar a China por causa dos interesses de alguns países asiáticos. Por isso, em termos da disputa entre China e Filipinas por Huangyan, os Estados Unidos não vão se envolver muito.

Tradução de Sun Ningyi.

Zhou Zhiwei é especialista em Brasil do Instituto da América Latina da Academia Chinesa de Ciências Sociais e secretário-geral do Centro de Estudos Brasileiros. Foi pesquisador visitante de relações internacionais na USP e no BRICS Policy Center da PUC-RJ. As suas principais áreas incluem estudo sintético do Brasil, política externa, estratégia internacional do Brasil, relações bilaterais e integração latino-americana.
Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Você precisa saber do Chen Guangcheng

Por Vista Chinesa
29/04/12 15:23

Expressões de apoio a Chen na internet chinesa. Como o governo bloqueou a busca pelo seu nome, simpatizantes recorrem a imagens, mais difíceis de serem detectadas pela censura oficial. Na foto abaixo à direita, mulher mostra mensagem "Força, Chen".

Fabiano Maisonnave, de Pequim

Dos centenas, talvez milhares de presos políticos chineses, nenhum caso parece tão injusto e covarde quanto o do avogado de direitos humanos Chen Guangcheng, que há uma semana escapou de 19 meses de cárcere privado ilegal e agora está sob a proteção da embaixada americana.

Cego e autodidata, Chen, 40, tem uma história de superação única num país em que os deficientes físicos têm pouquíssimas oportunidades. Até 2004, ele era celebrado pela imprensa estatal como um exemplo a seguir. Foi quando começou a defender centenas de mulheres coagidas, inclusive por meio de sequestros, a abortar e a passar por operações de esterilização para cumprir com o rígido controle populacional (“política do filho único”).

Em 2005, Chen foi colocado em prisão domiciliar na sua vila natal, na zona rural da Província de Shandong (leste da China). No ano seguinte, foi condenado a quatro anos e três meses de prisão por “destruição de propriedade” e “obstrução do tráfego”, num processo feito às pressas e sem o devido rito jurídico. De “celebridade”, virou um pária na imprensa chinesa, que só passou a mencioná-lo para justificar a sua prisão.

Quando deixou o presídio, em outubro de 2010, foi novamente colocado em prisão domicilar, apesar de não haver nenhuma ordem judicial nesse sentido. Durante esse período, ele e a sua família eram constantemente espancados e humilhados.

Na sexta-feira, cinco dias depois da sua fuga, Chen conseguiu divulgar um vídeo (aqui, com subtítulo em inglês) em que relata a rotina infernal de sua família nos últimos meses. Numa estratégia para proteger a sua família, que ficou para trás, ele se dirige ao premiê Wen Jiabao, tido como pró-reforma política, e lhe dá a presunção de inocência, jogando a culpa nas autoridades de seu condado.

Qualquer um que acompanha minimamente o caso sabe que não é assim. O governo central é, obviamente, cúmplice do seu suplício. Além da prolongada situação ilegal do cárcere privado, já havia vários relatos de espancamento dele e de seus familiares.

A própria reação à fuga também demonstra que não se trata de uma injustiça meramente local. Várias pessoas que colaboram para a sua fuga foram presas fora da região. Uma delas, He Peirong, que levou Chen no seu carro até Pequim, foi levada de sua casa em Nanking, a centenas de quilômetros da casa do ativista, e o seu microblog na weibo (Twitter chinês), apagado.

A seguir, a transcrição em português feita por este correspondente do depoimento de Chen Guangcheng divulgado na sexta. Os grifos são meus.

É de embrulhar o estômago.

***

“Prezado premiê Wen Jiabao,

finalmente escapei. Todas as histórias na internet sobre o tratamento violento que recebi das autoridades de Linyi [região administrativa onde mora], posso testemunhar pessoalmente que são verdadeiras. A realidade é até mais dura do que as histórias que estão circulando.

Premiê Wen,  faço formalmente três pedidos.

Primeiro, gostaria que você interviesse pessoalmente neste assunto enviando uma equipe de investigação para descobrir a verdade. Aqueles que pediram que a polícia e funcionários do condado invadissem a minha casa, me espancassem e me ferissem também me negaram atenção médica. Tudo isso sem nenhuma base legal ou com oficiais usando uniforme. Quem quer que tenha tomado a decisão tem de ser investigado e punido de acordo com a lei. Suas ações são tão crueis que mancharam enormemente a imagem do Partido Comunista.

Eles invadiram a minha casa e mais de uma dúzia de homens atacou a minha mulher. Eles a imobilizaram e a amarram num lençol, socando-a e chutando-a por horas. Eles também me atacaram violentamente. Zhang Jian… muitos dos policiais do condado que conhecemos, como He Yong, Zhang Shengdong… E os homens que repetidamente bateram na minha esposa antes que eu fosse solto da prisão, como Li Xianli, Li Xianqiang, Gao Xinjian etc. Todos eles têm de ser confrontados seriamente. Há também outro homem cujo sobrenome é Xue.

Como parte atingida, eu os acuso dos seguintes crimes: quando ele vieram a minha casa para nos atacar, Zhang Jian, o vice-secretário do partido encarregado da segurança da vila de Shuanghou, disse claramente para mim: “Nós não nos importamos com a lei e nós vamos ignorar a lei. E o que que você pode fazer a respeito?” Eles repetidamente enviaram pessoas a minha casa para nos atacar e nos roubar.

Li Xianli, que encabeça o time 1, que ilegalmente me confinou na minha casa, repetidamente bateu na minha mulher _uma vez inclusive arrancando-a da bicicleta para atacá-la. Ele também bateu na minha mãe. Simplesmente monstruoso. Li Xianqiang, um funcionário do Judiciário da cidade, espancou a minha mulher no ano passado, machucando seriamente o seu braço esquerdo.

O homem que guarda a entrada da vila e atacou [o ator americano] Christian Bale, eu entendo que seu nome é Zhang Shenghe, um funcionário municipal. Ele é o “casaco militar”, na descrição de internautas. Em fevereiro, ele também lançou pedras na equipe da CNN. Foi ele, não há dúvidas, eu sei disso.

Também ouvi que alguns internautas foram atacados por guardas femininas. De início, eu não sabia que havia guardas femininas. Então aprendi que aquelas chamadas guardas valentonas eram chefes de assuntos femininos das vilas da região ou seus familiares.

Há Gao Xinjian e muitos outros cujos nomes não sei. Sei que eles são policiais, mesmo que não usem uniformes e neguem ser da polícia. Eu os perguntei sua identidade, e eles zombaram: “Somos enviados pelo partido e trabalhamos para o partido”. Eu não acredito neles. No máximo, trabalham para algum funcionário corrupto do partido.

Do que eu aprendi, além de vários outros funcionários, cada time que me vigiava tem mais de 20 pessoas. Eles têm três times com um total de 70 a 80 pessoas. Quando mais internautas tentaram me visitar recentemente, eles tinham várias centenas de pessoas ao mesmo tempo e completamente selaram a vila.

Na minha casa, eles mantêm uma equipe do lado de dentro e outra fora vigiando os quatro cantos. Um pouco mais longe, eles bloqueiam todas as ruas que levam a minha casa, desde a entrada da vila. Eles têm até mesmo sete ou oito pessoas vigiando as pontes nas vilas vizinhas. Esses funcionários corruptos atraem pessoas de vilas vizinhas para isso e têm carros patrulhando áreas a um raio de 5 km da minha vila ou até mais longe.

Além de todas essas camadas de segurança em volta da minha casa _acho que são sete ou oito camadas_, eles também numeraram todas as estradas que levam a minha vila, com até 28 guardas em cada uma delas diariamente. Toda a situação é muito exagerada. Entendo que o número de funcionários e policiais que participam da minha vigilância chega a cem pessoas. Eles repetidamente nos machucam ilegalmente, e eu peço uma investigação profunda.

Em segundo lugar, embora esteja livre, as minhas preocupações estão apenas se aprofundando. A minha mulher, a minha mãe e crianças ainda estão em suas mãos perversas. Eles vêm perseguindo a minha família por um longo tempo, e a minha fuga apenas os fará vingativos. Essa situação apenas ficará pior.

Eles uma vez quebraram a o osso orbital esquerdo da minha mulher [região do olho]. Ela sofre de protusão do disco lombar devido a todos os espancamentos, e há ainda caroços em suas costelas devido a agressões físicas. A ela lhe foi negado cruelmente tratamento médico.

Minha mãe idosa, em seu aniversário, foi empurrada e sua cabeça bateu no piso. Ela chorou e os acusou de atacar uma mulher idosa. Eles se burlaram: “É verdade, somos jovens e é por isso que você não pode nos bater”. Que falta de vergonha, que injusto e que cruel.

A minha criança vai para a escola primária escoltada por três guardas. Eles checam a sua mochila todos os dias e examinam seus livros escolares. Eles a impedem de deixar a área da escola ou da casa.

De 29 de julho e 14 de dezembro do ano passado, eles cortaram a eletricidade da minha casa. Desde fevereiro, eles impediram a minha mãe de sair para comprar comida, fazendo a nossa vida extremamente difícil.

Estou muito preocupado. Eu imploro aos internautas a prestarem mais atenção à minha família para garantir a sua segurança. Eu também imploro ao governo chinês para que garanta a segurança da minha família baseado nos princípios do Estado de direito e da proteção dos interesses da população. Se algo acontecer a minha família, vou perseguir esse propósito sem parar.

Em terceiro lugar, muitas pessoas se preocupam por que a minha situação vem se arrastando por tanto tempo sem uma solução. Posso dizer isto: é por causa das autoridades locais. Os tomadores de decisão e os que as cumprem não têm intenção de resolver isso. Os tomadores de decisão têm medo que seus crimes sejam expostos. Para os que cumprem as decisões, há muita corrupção envolvida.

Eu me lembro que, quando eles me humilharam em agosto, ao estilo da Revolução Cultural, eles me disseram: “Você disse no seu vídeo [divulgado no ano passado] que 30 milhões de yuan [R$ 8,9 milhões] foram gastos [na prisão domiciliar]”, que isso era um número de 2008. Agora, a quantidade é mais do que o dobro e isso não inclui suborno para oficiais de altos cargos em Pequim. Alguns dos guardas reclamam que eles ganham muito pouco, já que a maioria do dinheiro vai para outros.

Há nisso uma grande oportunidade para todos fazerem dinheiro. Como entendo, a municipalidade dá dinheiro para que os líderes das equipes contratem guardas, e cada um deles deveria ganhar 100 yuan [R$ 30] por dia. Aqueles líderes de equipe dizem a seus potenciais contratados que só vão ganhar 90 dos 100 yuan. Como a maioria dos camponeses ganha de 50 a 60 yuan trabalhando no campo, e o trabalho de guarda é considerado seguro e confortável, com refeições incluídas, obviamente que as pessoas querem o trabalho. Em apenas uma equipe, com mais de 20 guardas, o líder consegue 200 yuan extras por dia. Quão corrupto é isso?

O líder da equipe que vigia a minha mulher vende vegetais que ele planta para as equipes. Essas coisas são bem conhecidas, mas nenhuma pessoa comum pode fazer algo a respeito.

Com relação ao orçamento da “manutenção da estabilidade”, eles nos disseram que o condado daria à municipalidade vários milhões de yuan, mas que os funcionários ainda reclamam de pouco dinheiro. Você pode ver a grave corrupção envolvida no processo e como eles abusam do poder e do dinheiro.

Premiê Wen, gostaria de vê-lo investigar e punir esse oficiais corruptos que desperdiçam o nosso dinheiro de impostos para machucar pessoas inocentes assim como a imagem do partido. Quando cometem crimes desprezíveis, eles sempre dizem que estão fazendo o que o partido pede.

Premiê Wen, todos essas ações ilegais têm deixado muitas pessoas perplexas _trata-se apenas de funcionários locais violando a lei de forma flagrante ou eles têm o apoio do governo central? Espero que você dê ao público uma resposta clara no futuro próximo. Se tivermos uma investigação profunda sobre o meu caso e anunciarmos o resultado, acho que as pessoas apreciariam. Se você continuar a me ignorar, o que o público pensará?”

Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

A bizarra imprensa esportiva chinesa

Por Vista Chinesa
27/04/12 08:09

Pelé visita instalações olímpicas em Pequim (22.ago.2008/Divulgação).

Por Eric Vanden Bussche, de Taipei (Taiwan)

Em fevereiro de 2004, a seleção de futebol do Kuait, então dirigida pelo brasileiro Paulo César Carpegiani, desembarcou em Guangzhou para uma partida contra a China. Na época, eu trabalhava num jornal chinês e estava no sudoeste do país realizando uma reportagem sobre uma pequena comunidade agrícola da etnia miao. Como era o único do jornal que falava o português, fui escalado para entrevistar o técnico brasileiro, embora não entendesse nada de futebol.

O editor queria que eu pautasse a entrevista sobre declarações que Paulo César supostamente havia feito à imprensa chinesa sobre a sua rivalidade de 30 anos com o técnico da China, o holandês Arie Haan. Ambos haviam jogado por suas respectivas seleções na Copa do Mundo de 1974, na qual a Holanda despachou o Brasil por 2 a 0 na semifinal.

Segundo suas supostas declarações, Paulo César enxergava o jogo entre o Kuait e a China como uma revanche pela derrota de 1974. Antes mesmo de o técnico brasileiro desembarcar em Guangzhou, manchetes nos jornais chineses já frisavam o seu profundo desejo de vingança contra seu arquirrival Haan.

Liguei para Paulo César e comecei indagando sobre o assunto. Ele ficou perplexo e me surpreendeu ao perguntar o nome do técnico da seleção chinesa. Quando disse que se tratava de Arie Haan, ele respondeu que nunca tinha ouvido falar dele e ainda quis saber se o holandês havia realmente participado do mundial de 1974. “Como é possível ter uma rivalidade com uma pessoa que nem conheço?” insistiu. Mas como explicar então as suas declarações à imprensa chinesa sobre a sua sede de vingança? “Deve ser imaginação da parte deles”, me respondeu com uma gargalhada.

Esse é apenas mais um episódio no bizarro no mundo da imprensa esportiva chinesa, onde é possível encontrar de tudo: matérias que parecem obras de ficção, casos de plágio e supostas “entrevistas exclusivas” com esportistas famosos que não passam de frutos da imaginação dos repórteres.

A cobertura esportiva na China começou a ganhar força a partir do final da década de 90, por dois motivos que impulsionaram a proliferação de jornais e revistas dedicadas ao esporte no país.

Primeiro, a imprensa foi obrigada a se adaptar à economia de mercado, ou seja, tinha de começar a fazer dinheiro. Os dias em que as redações eram alimentadas por generosas verbas do Estado haviam chegado ao fim. Para sobreviver, jornais passaram a lançar outras publicações que atrairiam leitores, dentre as quais tabloides e revistas sobre esportes, cotidiano e moda.

O número de publicações disparou, atingindo mais de 2.200 jornais em todo o país, um aumento significativo se comparado ao pouco mais de 40 que circulavam na época maoísta (1949-1976).  Essas publicações variavam em gosto e gênero. Algumas, como o “Nanfang Zhoumo,” testavam os limites da censura, realizando matérias investigativas sobre corrupção e problemas sociais. Outras, como o “Nanfang Tiyu,” se especializavam em esportes e ocasionalmente publicavam notícias de gosto duvidoso, como um artigo que examinava o tamanho dos seios de uma ex-mulher de um astro do futebol mundial. Ambos eram devorados por leitores cansados da retórica marxista da imprensa oficial.

O segundo fator que alavancou o jornalismo esportivo nessa época foi a chamada “febre do futebol” que se espalhava pelo país. A partir de 1982, os chineses começaram a se apaixonar pelo futebol, principalmente o do Brasil. Zhang Xiaozhou, um dos colunistas esportivos mais famosos do país, certa vez me disse com orgulho que ele fazia parte da “geração chinesa de 82”, que havia aprendido a apreciar o futebol assistindo à seleção de Telê Santana jogar no Mundial da Espanha.

Em meados da década de 90, a China organizou o seu primeiro campeonato profissional de clubes, que contava com a presença de jogadores brasileiros.

Marcelo Marmelo, que antes de chegar ao país era um jogador desconhecido da segunda divisão no Rio de Janeiro, se tornou um astro. No auge de sua fama, ele não conseguia passear pela rua sem causar um tumulto entre torcedores.

Tudo que cheirasse a futebol passou a ganhar enorme popularidade. Chineses começaram a acompanhar atentamente os jogos dos campeonatos italiano e inglês e, durante a Copa da França em 1998, muitos acordavam às 2h ou 3h da madrugada para assistir aos jogos.

Nesse ambiente, a imprensa esportiva floresceu, atingindo o seu auge em 2002, quando sua seleção fez história ao se classificar para uma Copa do Mundo pela primeira vez.

A quantidade de jornais esportivos se multiplicava. E seus jornalistas passaram a ser extremamente bem remunerados, especialmente aqueles que conseguiam entrevistas exclusivas com craques estrangeiros.

Os repórteres pareciam torcedores obcecados com craques estrangeiros. No sorteio dos grupos para a Copa da Coreia e do Japão, um jornalista chinês ficou estático quando Pelé o cumprimentou com um “Hello.” Ele passou os próximos dias repetindo a todos que encontrava que era “amigo do Pelé.” Alguns meses depois, na chegada da seleção portuguesa a Macau para um amistoso contra a China, jornalistas chineses correram em direção aos craques portugueses para conseguirem fotos e autógrafos.

Em 2003, na ocasião da turnê que o Real Madrid realizou pela China, um jornalista chinês estava no banheiro da concentração do clube espanhol em Kunming, no sudoeste do país, quando o astro recém-contratado David Beckham entrou para fazer suas necessidades. Eles se cumprimentaram com um sorriso. Quando esse jornalista me contou essa história, ele pediu que não comentasse nada com os seus colegas. Por quê? Para quem conhecia o vale-tudo da imprensa esportiva chinesa, a resposta era óbvia. Caso seus editores descobrissem, no dia seguinte a manchete da Primeira Página do seu jornal provavelmente seria: “Nosso correspondente tem a honra de urinar ao lado de David Beckham”.

Entrevistas com esportistas de fama internacional (muitas frutos da imaginação dos jornalistas) começaram a encher as páginas dos jornais. O conteúdo era irrelevante para os editores. O importante era conseguir uma fotografia do correspondente ao lado do astro para provar que a entrevista era legítima. A fotografia servia como certificado de garantia e impulsionaria as vendas e a receita de publicidade.

Em alguns casos, era óbvio que tais entrevistas eram fictícias, pois eram feitas por repórteres que não tinham fluência na língua do astro ou simplesmente não estavam credenciados para cobrir o evento. Mas ninguém parecia se importar, contato que houvesse a fotografia.

Os jornalistas procuravam suas vítimas em eventos internacionais, às vezes se passando por torcedores para conseguirem a tão cobiçada fotografia. Com ela nas mãos, seguiam ao seu quarto de hotel e redigiam uma entrevista qualquer. Eles não se preocupavam em serem desmascarados. Afinal, qual o craque brasileiro, inglês ou italiano que sabe ler chinês?

O caso mais escandaloso envolvendo essa prática ocorreu pouco antes do início da Copa do Mundo de 2002.

O jornal esportivo chinês “Titan Zhoubao” publicou uma suposta entrevista exclusiva com o craque português Luis Figo, realizada por um de seus repórteres, Wen Tao. Parecia uma verdadeira façanha. Sem fluência no português e com um inglês apenas razoável, Wen Tao entrevistara um craque que não falava com a imprensa havia mais de um ano.

Ao ser questionado por Wen Tao sobre o astro inglês David Beckham, Figo supostamente respondeu: “Acho o Beckham mais bonito do que eu.” A frase virou manchete da primeira página do “Titan Zhoubao”, e a entrevista foi publicada juntamente com uma foto que mostrava o craque português dando um autógrafo a Wen Tao.

Havia apenas um problema: a entrevista era fruto da imaginação do jornalista. Por um descuido de Wen Tao, a sua “entrevista exclusiva” acabou chegando às mãos do assessor de imprensa da seleção, Fernando Santos. O “Titan Zhoubao” se viu obrigado a pedir desculpas à seleção portuguesa. Mesmo assim, Wen Tao continuou como correspondente do jornal no mundial de 2002, publicando artigos sob um pseudônimo.

Infelizmente, o debate atual sobre a imprensa chinesa no Ocidente gravita em torno da liberdade de expressão e censura por parte do governo. Mas há outros problemas extremamente graves como a falta de princípios éticos e profissionais. Essa não é uma questão que aflige apenas a imprensa esportiva. Recentemente, o “New York Times” examinou a prática corriqueira da mídia chinesa em aceitar dinheiro para publicar reportagens promovendo empresas e produtos.

A falta de princípios éticos nas Redações dá ao governo chinês uma desculpa para continuar a controlar a imprensa com mão de ferro. Por isso, essa questão não pode mais ser tratada por analistas ocidentais apenas como um tema secundário. As práticas empregadas por muitos jornalistas chineses são tão prejudiciais ao desenvolvimento da imprensa do país quanto a censura.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.

 


Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor

Déjà vu...

Por Vista Chinesa
25/04/12 16:29

Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro

“Muito mais do que enxergar a China como uma oportunidade ou ameaça, temos de ver a China como uma realidade. A China está aí, na nossa frente, com uma economia pujante, uma classe empresarial agressiva, uma força de trabalho laboriosa, criativa e disciplinada e uma tecnocracia estatal eficiente, com um claro plano de desenvolvimento e motivada a levar o país para uma posição de destaque em todos os quesitos que possam caracterizar a evolução econômica e social de uma nação.

É melhor discutir como se adaptar a essa realidade, pois não importa o que venhamos fazer em relação à China: não alterará a marcha dos acontecimentos. Ela faz parte da dinâmica global e a ela temos de nos adaptar, tirando proveito dessa dinâmica em nosso favor onde for possível. Além de impactos negativos, o crescimento chinês também tem trazidos benefícios a muitos países produtores de commodities, cujos preços reverteram a tendência secular de queda em decorrência do crescimento da demanda chinesa.

O crescimento chinês também beneficiou as classes menos favorecidas desses países ao tornar acessíveis bens de consumo industrializados a preços muito competitivos. A China está promovendo ampla distribuição de renda só comparável com o período da Revolução Industrial e o desenvolvimento do Estado de bem estar social após a Segunda Grande Guerra. O impacto do fenômeno chinês via comércio tem representado uma ajuda maior aos países menos desenvolvidos que todos os programas de ajuda implantados pelas nações mais desenvolvidas nas últimas décadas.

É claro que o fenômeno chinês, caracterizado pela transformação de uma economia rural de subsistência em uma economia urbana industrializada com 1,3 bilhões de habitantes, não poderia ocorrer sem impactos profundos, numa perspectiva de curto e médio prazo.

O impacto do crescimento chinês nos mercados globais pode ser resumido numa frase muito simples: é bom vender para os chineses, é bom comprar dos chineses, mas é difícil competir com os chineses! Como alguém já disse, se você está em um ramo da indústria onde os chineses também estão presentes, é melhor mudar de ramo! Mas outro alguém já disse que os chineses estão presentes hoje em quase todos os ramos industriais da economia moderna. Portanto, mudar de ramos pode não ser a solução!

E como estamos falando da China, não podemos nos esquecer dos ensinamentos do Camarada Mao no clássico revolucionário “Teoria de Mao para Guerrilhas”: para acabar com o fuzil, temos que pegar no fuzil! Como país, o Brasil precisa se reinventar e buscar emular um pouco do modelo chinês, investindo pesado na infraestrutura e procurando exportar o que for competitivo _não importa se produtos manufaturados, básicos ou commodities.

Para as empresas brasileiras do setor industrial, é preciso procurar espaços que sempre existem no mercado local, investindo em marketing, na distribuição e na adaptação dos produtos ao gosto, ao clima e à cultura dos brasileiros. E aproveitar também a China como fornecedor de componentes, procurando tirar proveito da competitividade desses componentes. Integrar a indústria local à indústria chinesa pode trazer para cá parte da competitividade deles.

O que não pode é ficar se lamentando e gastando tempo fazendo lobby por barreiras protecionistas. A solução para o problema de competitividade da indústria brasileira contra os chineses passa também por Brasília, mas não é somente isso. Nosso empresariado precisa gastar mais tempo no chão de fábrica, buscando aumentar a sua eficiência e a sua produtividade e gastar menos tempo fazendo lobby em Brasília.

Quanto à economia chinesa, no longo prazo, como ocorreu com outras economias de forte viés exportador, o crescimento dos salários e do mercado interno e a valorização da moeda irão certamente arrefecer sua presente alta competitividade.

Já o Brasil, como país, tem uma grande lição de casa a fazer. A baixa competitividade da indústria brasileira perante a indústria chinesa está associada à baixa eficiência do Estado brasileiro, que retira em impostos muito mais do que devolve à sociedade. Estados também competem entre si, e o Estado chinês tem se revelado mais competitivo que o nosso.”

***

O texto acima foi escrito em 2007, como parte de uma coletânea de artigos de empresários e executivos brasileiros transformados em livro e tendo como pano de fundo a emergência da China como potência industrial e seus impactos no Brasil.

Cinco anos depois, o texto ainda parece muito atual na descrição da força e dos impactos do fenômeno chinês em nossa economia, preocupantemente inalterado no que se refere à capacidade de competição de nossa indústria.

De lá para cá, eu diria que a situação se deteriorou ainda mais no que se refere ao setor industrial brasileiro, pois, além da carga tributária e carência de infraestrutura, tivemos também a valorização acentuada de nossa moeda.

Enquanto a China neste período assumiu a primeira posição mundial como nação industrial e como exportadora e a segunda posição em tamanho da economia, o Brasil também evoluiu muito, ultrapassando o Reino Unido e se tornando a sexta maior economia mundial, apesar da queda de participação da indústria na economia brasileira.

O ponto positivo é que o Brasil pode continuar crescendo e se desenvolvendo com elevado nível de emprego independentemente da perda de competitividade do seu setor industrial. O ponto negativo é que não fomos capazes de reverter a tendência declinante do setor industrial na nossa economia, apesar de todas as declarações e das boas intenções reveladas pelos nossos governantes.

A competitividade do setor industrial em países de industrialização tardia como o Brasil requer planejamento, continuidade e políticas de longo prazo que envolvam vários governos e até gerações. No caso chinês, podemos ver claramente essa continuidade, com foco nas vantagens comparativas do país, no desenvolvimento das grandes cidades litorâneas, na exportação e na construção da infraestrutura.

Como foi mencionado no texto acima, o desenvolvimento da economia chinesa levaria a mudanças nos fatores de competitividade de sua economia. O forte crescimento dos salários e a valorização do câmbio vêm alterando bastante a fonte de sua competitividade.

Mas a economia chinesa vem respondendo bem a esse desafio por meio do enobrecimento constante de sua pauta de exportações. Começando com a manufatura leve, como vestuário, calçados e todo tipo de quinquilharia, evoluiu rapidamente para o setor eletroeletrônico, bens de consumo duráveis e hoje cresce de forma acentuada na manufatura de automóveis e de equipamentos industriais leves e pesados.

O conteúdo tecnológico nas exportações chinesas vem crescendo sistematicamente, apesar da desvalorização cambial e do crescimento dos salários. A China lidera as exportações mundiais, mas seu mercado interno em crescimento tem se revelado uma nova fonte de competitividade e atração de capital. Ford, Volkswagen, Mercedes e BMW acabam de anunciar investimentos bilionários na China voltados muito mais para seu mercado interno do que para as exportações.

O crescimento baseado nas grandes cidades litorâneas arrefece, mas a interiorização do crescimento é cada vez mais presente e com uma industrialização mais voltada para o mercado interno e para manufaturas de exportação de alto componente tecnológico e menos intensiva em materiais que podem ser exportadas por avião e colocadas em mercados distantes apenas algumas horas após serem produzidas. Isso graças à extraordinária infraestrutura aeroportuária construída pela China.

Durante minhas andanças pelo interior da China, sempre me perguntei sobre a razão dos enormes aeroportos construídos em muitas de suas cidades interioranas e praticamente às moscas! Hoje, esses aeroportos permitem a muitas indústrias de manufatura leve, mas com alto conteúdo tecnológico mudarem seu foco para o mercado interno, manter suas exportações e ainda acessar mão de obra mais barata graças a esses “elefantes brancos!”.

A China parece uma fonte inesgotável de competitividade surpreendendo a cada momento com soluções inovadoras e uma criatividade empresarial invejável.

Por isso, entendo que o texto acima permanece muito atual. O Estado brasileiro tem muito a fazer para aumentar a sua eficiência, reduzir a carga tributária e melhorar nossa infraestrutura. Sempre que esses escândalos de má utilização dos recursos públicos ocorrem, lembro que isso faz parte do “custo Brasil” e afeta a competitividade dos nossos produtos. Não sei se todos têm essa consciência. Como tudo na vida e, principalmente, na economia, não existe almoço grátis, alguém sempre paga a conta!

Mas também não cabe só ao governo e ao Estado resolver o problema de competitividade do Brasil. Cabe à nossa classe empresarial inovar e usar sua criatividade e seu “instinto animal”, como bem mencionou a presidenta Dilma para ajudar nesse esforço de competitividade.

E para muitos empresários que, em conluio com políticos inescrupulosos, assaltam os cofres públicos, fica o desafio de ajudar na causa da competitividade sistêmica da economia brasileira. Ao fazer isso, eles nos ajudariam duas vezes: uma vez ao não subtrair recursos públicos de forma ilícita permitindo reduzir nossa elevada carga tributária. A outra, ao usarem sua extraordinária criatividade e seu “instinto animal” para causas mais produtivas, aumentando a competitividade da nossa economia.

Desvios e desmandos existem em todas as sociedades. Nosso problema é a quantidade e a forma como convivemos com isso. Ao colocar o tema da competitividade, a má utilização dos recursos públicos e o papel da sociedade como um todo não podem ser ignorados!

José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada a cada 14 dias, às quartas-feiras.
Mais opções
  • Google+
  • Facebook
  • Copiar url
  • Imprimir
  • RSS
  • Maior | Menor
Posts anteriores
Posts seguintes
Publicidade
Publicidade
  • RSSAssinar o Feed do blog
  • Emailfabiano.maisonnave@grupofolha.com.br

Buscar

Busca
Blog dos Correspondentes

Tags

Baidu; China; Brasil; Kaiser Kuo Chen Zhizhao; Corinthians; china; futebol; embraer; jackie chan; fabiano maisonnave china; hong kong; eric vanden bussche; blog vista chinesa china; venezuela; chávez; América Latina Eric Vanden Bussche; China; protestos josé carlos martins; economia chinesa José Carlos Martins; Vale; relações Brasil-China Marcos Caramuru de Paiva; China; sucessão Marcos Caramuru de Paiva; economia chinesa mulheres chinesas; eric vanden bussche; wendi deng; dia internacional da mulher Relações Brasil-China Ricardo Antunes; Instituto Confúcio; Shenzhen; Foxconn UFMG; China; iPhone Wang Shu; China; Fabiano Maisonnave; arquitetura; Pritzker Zhou Zhiwei
Publicidade
Publicidade
Publicidade
  • Folha de S.Paulo
    • Folha de S.Paulo
    • Opinião
    • Assine a Folha
    • Atendimento
    • Versão Impressa
    • Política
    • Mundo
    • Economia
    • Painel do Leitor
    • Cotidiano
    • Esporte
    • Ciência
    • Saúde
    • Cultura
    • Tec
    • F5
    • + Seções
    • Especiais
    • TV Folha
    • Classificados
    • Redes Sociais
Acesso o aplicativo para tablets e smartphones

Copyright Folha de S.Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).