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Vista Chinesa

por Fabiano Maisonnave

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A contradição fundamental e a quinta modernização

Por Vista Chinesa
28/03/12 22:41

Outdoor em Shenzhen com Deng Xiaoping e sua promessa de que a reforma durará 100 anos. (Reprodução)

Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro

Para os idealizadores da doutrina comunista, as contradições sociais representam um dos pontos fundamentais de toda sua teoria. Mao Tsé-tung especificamente dedicou especial atenção a esse ponto e sempre soube explorar com maestria o potencial destrutivo dessas contradições para levar o Partido Comunista e a revolução à vitória na China e também para manter o poder.

Descrevia as contradições não antagônicas como aquelas existentes entre as forças que apoiavam o partido e a revolução e como contradições antagônicas aquelas existentes entre o partido, a revolução e seus inimigos.

Dedicou às contradições especial atenção em sua obra e na própria atuação do partido. Mesmo as contradições existentes entre o Partido e essas forças teriam de ser administradas, pois teriam potencial de se transformar em antagônicas, quando então essas forças passariam a ser consideradas inimigas.

Da mesma forma, os inimigos com suas próprias contradições não antagônicas internas poderiam ser incorporados entre as forças de apoio e não antagônicas em relação ao partido e à revolução se essas contradições internas pudessem ser exploradas pelo Partido e seus dirigentes.

Embora não seja um especialista em política chinesa, observo que, tanto no campo interno como externo, a China e o partido continuam a explorar com maestria essas contradições em beneficio de sua permanência no poder e na recondução da China à posição de destaque que sempre ocupou no cenário mundial até o século 17.

Apesar das contradições entre as diversas classes sociais dentro da própria China e entre a China e países estrangeiros o Partido tem conseguido manobrar com perícia, galvanizando o desejo de todo chinês de retomar a posição da China como o Grande Império do Meio.

Essa capacidade de administrar suas próprias contradições e as contradições entre seus inimigos talvez seja o ponto forte do Partido Comunista chinês. Eu diria que a grande tarefa do partido e da China é transformar as contradições antagônicas e não antagônicas e assim incorporar cada vez mais forças de apoio ao Partido.

Esse exercício requer uma alta dose de pragmatismo e gradualismo em sua execução. Pragmatismo para distinguir entre o que realmente é antagônico e não antagônico e gradualismo para caminhar passo a passo, testando o caminho, pisando nas pedras no fundo do rio enquanto atravessa para o outro lado.

Esse ponto é muito importante para entender a capacidade que a China tem de incluir como membros do Partido trabalhadores rurais, operários industriais, pequenos burgueses e capitalistas bilionários, como vimos no recente congresso do partido realizado em Pequim.

Também a capacidade de fazer alianças até com seus inimigos de outrora, como americanos e japoneses. Acredito que esse pragmatismo e gradualismo seja parte integrante da sociedade chinesa. Partido e sociedade se olham sob o mesmo prisma, baseados no pragmatismo e no gradualismo e por isso a China tem conseguido evoluir, pese as imensas contradições que abriga em seu seio. Manter as contradições como não antagônicas e transformar as antagônicas, internas ou externas, em não antagônicas é o grande mantra, não só do partido como da sociedade chinesa.

A sociedade chinesa hoje apresenta várias contradições importantes entre as diversas forças que apoiam o partido. O crescimento das desigualdades sociais e suas contradições tem sido minimizado pela melhoria de vida da maioria da população, mas continuam lá, e o partido percebe isso, pois, no novo Plano Qüinqüenal, a preocupação com a interiorização do desenvolvimento e da melhoria de vida da população rural é muito presente. Também a melhoria de vida da população urbana com o redirecionamento do setor de construção civil para produção de mais habitações populares procura focalizar esse problema.

Hoje, talvez uma centena de milhão de chineses vivem nas cidades em condições precárias ou em alojamentos, longe das suas famílias em razão dessas deficiências. Essa contradição tem potencial explosivo, principalmente por se materializar nos grandes centros urbanos e nas zonas industriais. Não se pode esquecer que a revolução socialista na China foi feita a partir do campo, e os trabalhadores rurais foram a grande base de apoio do partido durante o período revolucionário, na luta contra o Kuomitang (nacionalistas) e também contra os invasores japoneses. Na sociedade chinesa de hoje, aqueles que sustentaram o fervor revolucionário e que mais apoiaram o partido e a sua causa são os menos beneficiados pelo avanço econômico do país.

Da mesma forma, esse campo é o grande supridor de mão de obra barata e alimentos para sustentar o processo de urbanização, industrialização e acumulação de capital. Uma tremenda contradição, não é mesmo?

Mas, de todas as contradições existentes na China, acredito que a maior delas e a mais fundamental é aquela interna ao próprio sistema ditado pelo pragmatismo e gradualismo do partido. Ao abraçar cada vez mais a economia de mercado e a forma de acumulação capitalista, não estaria a China se transformando ela própria num país capitalista? Se assim é e assim parece, seria isso compatível com um sistema de partido único cuja legitimidade é dada unicamente pelos seus resultados? Não estaria essa tentativa incessante de se legitimar pelos resultados ao invés do voto levando cada vez mais a China na direção à forma de acumulação capitalista?

A resposta a essa pergunta caberá à história responder, mas certamente está no centro das discussões atuais dentro do partido. Movido pelo pragmatismo e pelo gradualismo reformador, o partido tem conseguido atingir as metas das quatro modernizações pensadas por Zhou Enlai em 1963 e retomadas por Deng Xiaoping em 1978. Mas essas quatro modernizações (agricultura, indústria, ciência e tecnologia e defesa nacional) tiveram de esperar 15 anos e uma Revolução Cultural que deixou marcas indeléveis na China até serem implantadas.

À medida que as modernizações avançam e transformam a China num país líder em termos econômicos e de progresso de sua sociedade, a questão da quinta modernização, que seria a do sistema político mais participativo e, quiçá, representativo é a maior contradição da sociedade chinesa atual.

O velho sonho comunista da ditadura do proletariado, da sociedade sem classes e do controle social dos meios de produção parece estar cada vez mais longe. O fracasso do modelo socialista puro onde foi implantado inspirou os líderes chineses acertadamente a abandonar o dogmatismo e o fervor revolucionário e a adotar o pragmatismo e o gradualismo. Essa decisão foi muito boa para a China e para o mundo.

Acredito que o partido continuará trilhando o caminho do pragmatismo e gradualismo, até porque isso tem dado certo. Chame isso de socialismo chinês ou qualquer outra coisa, o certo é que, sempre quando as lideranças chinesas têm de escolher entre o velho e o novo, não demonstram muita hesitação entre o que não deu certo e o que realmente funciona no mundo real. O mantra da legitimidade pelos resultados é muito presente nas lideranças chinesas.

Mas a contradição fundamental permanece!

José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada quinzenalmente às quartas-feiras.
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Detestar Jobim!

Por Vista Chinesa
26/03/12 09:17

Coqueiros de plástico cobertos de neve em rua de Pequim (Fabiano Maisonnave - 13.fev.2011/Folhapress)

Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai

Meu jovem filho Lucas, que enveredou pelo caminho da música eletrônica, costuma dizer que gostaria de confeccionar uma camiseta com os dizeres: “Detesto Tom Jobim”. Não que ele deteste o Maestro. Nem de longe. Lucas é um sujeito de bom gosto. Seu ponto é que, para inovar, na música e em tudo o mais, é preciso romper com o passado. Mesmo com o que é bom. E os rompimentos são sempre traumáticos. Tão traumáticos quanto ler ou ouvir dizer que alguém pode detestar Jobim.

Para entender verdadeiramente a Ásia e a China, em particular, é preciso romper conceitos; confiar que é possível inovar no desenho da ordem econômico-política. Não uma cega profissão de fé no sucesso da região _mesmo a China ainda tem muito a demonstrar_, mas a aceitação de que é possível produzir um modelo novo que funcione bem. Como o regime comunista que vigorou durante quase todo o século 20 fracassou, o Ocidente tende a acreditar que os países que vierem a desenhar uma trajetória de sucesso se aproximarão naturalmente de seus valores e ideais.

A crise financeira recente talvez tenha reduzido temporariamente a força dessa convicção, mas, ainda assim, o pensamento mais comum é de que será inevitável para a China aprofundar a abertura da economia e, em paralelo a isso, implementar reformas democratizantes. Se não o fizer, correrá o risco de, em algum momento, deixar de avançar. Possivelmente _assim defendem muitos_ cairá na armadilha em que se encontram vários países de renda média, que deram bons saltos, mas estacionaram na jornada em direção ao desenvolvimento.

Os orientais incomodam-se com essa linha de raciocínio. Sentem que chegou a sua vez de propor uma nova ordem. A discussão acadêmica é mais viva do que se imagina. O tema das “imposições ocidentais” tem também um veio político. Num discurso recente, o próprio presidente Hu Jintao mencionou que forças internacionais estão tentando ocidentalizar e dividir a China pelo uso da ideologia e da cultura. “Temos de estar alertas para esse perigo”.

O problema de avaliar as realidades apenas a partir da cabeça feita é o mesmo nos grandes e nos pequenos cenários: obscurecer as nuances e, com isso, limitar o foco das conclusões. Aqui vai um exemplo recente: a constatação de que a economia chinesa está desaquecendo, aliada ao fato de que o resultado comercial de fevereiro foi o pior dos últimos dez anos, levou um grande número de analistas a vaticinar que o yuan deixará de apreciar.

O vaticínio é plausível, mas a sua realização não é automática. Autoridades chinesas reagiram: é possível que o resultado mais fraco das exportações revele que o câmbio esteja no nível correto. O fato é que há reformas pela frente. Se elas forem implementadas tal como anunciadas _e na velocidade anunciada_, a trajetória da moeda será a apreciação. Em outras palavras, o que importa é saber em que medida as tensões de curto prazo alterarão a trajetória de longo prazo.

Algo semelhante se passa no processo de internacionalização do yuan. Muitos acreditam que, para se tornar uma moeda de referência e uso internacional, o yuan precisa ter uma sustentação político-institucional. Deve estar ancorado em uma realidade com alto grau de transparência e credibilidade. Afinal, uma moeda forte não é só reflexo do tamanho da economia em que circula mas também da capacidade dessa economia de mostrar previsibilidade, gerar confiança e interagir bem com os mercados.

O argumento é intelectualmente sólido e objetivamente crível. Falta muito para que possamos, por exemplo, ver transações entre o Brasil e um país europeu cotadas e integralizadas em yuan. Mas a realidade está avançando depressa. A China continua a tomar medidas na direção da abertura da conta de capital, enquanto as moedas de livre circulação hoje despertam baixa credibilidade. O yuan surge como uma alternativa excelente. Muitos bancos buscam crescentemente quotas de investimento na China que lhes permitam aumentar sua exposição na moeda local.

Tudo indica que os tempos que virão nos próximos anos serão mais vibrantes do que os vividos na última década. Quem segue o dia a dia da China e as declarações recentes das autoridades é levado a crer que os ventos sopram na direção de grandes transformações. A destituição do prefeito de Chongqing, Bo Xilai, independentemente de causa mais direta, é uma rejeição à visão nacionalista não-modernizadora. O vice-presidente, Xi Jinping, declarou recentemente que a China chegou a um período crucial de mudança do modelo macroeconômico, e as transformações não podem ser adiadas.

O mais plausível candidato a premiê no próximo ano, Li Keqiang, afirmou que, apesar do rápido crescimento, a China depara-se com as incertezas sobre a recuperação global e com seu próprio processo desequilibrado, desordenado e insustentável de desenvolvimento. (Poucas autoridades governamentais no mundo seriam capazes de tal autocrítica). Segundo ele, o governo tem de avançar nas reformas tributária, do setor financeiro, dos preços e da distribuição de renda. Finalmente, o premiê Wen Jiabao disse que, “sem uma bem-sucedida reforma política estrutural, é impossível instituir plenamente a reforma econômica; as conquistas serão perdidas e novos problemas não serão fundamentalmente resolvidos”.

O cardápio de reformas da realidade chinesa é, portanto, amplo. E, se o Ocidente tem de romper conceitos ao analisar a Ásia, para a própria China vestir a camisa anti-Jobim não é exercício fácil. Onde estarão os traumas? Possivelmente, os maiores desafios estarão mesmo na ordem política, mas é arriscado fazer prognósticos, até porque não creio que o processo de mudança siga um receituário conhecido. Para quem vê de fora, tudo parece estar ainda “in the making”. No político, como no econômico, a China, dentro de limites, sempre poderá surpreender.

Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias.

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O incrível escândalo que ajudou o McDonald’s

Por Vista Chinesa
25/03/12 13:57

Inspetor de higiene em loja do McDonald's alvo de reportagem de TV, em Pequim (16.mar.2012/Divulgação)

Sun Ningyi, de Pequim

Não faltou esforço da jornalista da rede estatal CCTV (Televisão Central da China): por seis meses, ela trabalhou com uma câmera oculta no McDonald’s para gravar as infrações cometidas por seus funcionários. Deu certo. Há imagens de empregados fazendo hambúrgueres com a carne que havia caído no chão, cozinhando o frango que já tinha passado da validade por  um dia e mudando com lápis a data de validade escrita na embalagem das tortas.

A reportagem (aqui, em mandarim sem legendas) foi a atração principal do “Noite de 3.15”, programa voltado para revelar empresas envolvidas em irregularidades transmitido apenas uma vez por ano pela Televisão Central da China (CCTV).  O show é temidíssimo: basta uma menção na chamada para a empresa sofrer queda de credibidade. Mas não foi o que aconteceu com o McDonald’s.

O show começou às 20h. Pouco depois, às 21h15, o McDonald’s ofereceu um pedido de desculpas público no seu microblog oficial. Mas o post recebeu mais de 14 mil comentários de internautas chineses que, inesperadamente, “consolaram” a franquia de sanduíche americana.

Comentários como o de Ma Zhihai, que escreveu: “Normalmente não como no Mcdonalds, mas amanhã vou com certeza comer um Big Mac porque CCTV me contou que no McDonald’s joga-se fora a comida que passa da validade por apenas 15 minutos. E o McDonald’s pede desculpas. Como não apoiar uma empresa tão modesta?”

Não faltam escândalos na China ligados a alimentos, como o leite contaminado com melamima que adoeceu 300 mil crianças e as fábricas clandestinas de óleo de cozinha reciclado. Comparando com tudo isso, os chineses parecem estar satisfeitos com a qualidade da comida do McDonald’s: a “garantia” foi dada pela jornalista da CCTV.

O caso é um reflexo da decepção dos chineses com a segurança alimentar do país. As pessoas estão ficando entorpecidas com as revelações contínuas de escândalos relacionados à comida. O que importa agora é saber qual está menos contaminada.

A loja do McDonald’s em que a CCTV fez a reportagem foi fechada. Mas outras lojas estão cheias de filas. Inconscientemente, os chineses estão diminuindo seus padrões de qualidade.

Sun Ningyi é colaboradora da Folha em Pequim.

 

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O fugitivo mais famoso da China

Por Vista Chinesa
24/03/12 11:11

 

Lai pouco antes da extradição do Canadá para a China (Divulgação 11.jul.2011)

Por Eric Vanden Bussche, de Pequim

Pergunte a qualquer chinês qual o criminoso mais famoso do país e ele provavelmente responderá que se trata de Lai Changxing. Durante a década de 1990, ele orquestrou o maior de esquema de contrabando na história do país, se tornando um dos homens mais ricos da China. Seu luxuoso palácio de sete andares, conhecido como a “Mansão Vermelha,” servia como ponto de referência na cidade de Xiamen, na Província de Fujian,  sul da China.

Ele era um perfeito anfitrião, convidando autoridades do governo para jantares onde se degustavam barbatanas de tubarão, um dos pratos mais caros e apreciados pela elite chinesa. Mas, quando a campanha anticorrupção do então primeiro-ministro Zhu Rongji começou a apertar o cerco contra Lai, em 1999, ele fugiu com a família para o Canadá.

Durante os 11 anos seguintes, o governo chinês se empenhou em extraditá-lo para que fosse julgado por seus crimes. O então primeiro-ministro Zhu Rongji chegou a dizer em 2000 que, mesmo se Lai Changxing fosse executado com um tiro na nuca três vezes, isso não seria o suficiente para que ele pagasse por todos os seus crimes. Mais de 300 pessoas que colaboraram com Lai foram presas e 14 delas condenadas à morte, entre elas o ex-vice-prefeito da cidade de Xiamen, Lan Pu.

Para o governo chinês, prender Lai se tornara uma questão de honra nacional. Mas o governo canadense hesitava em extraditá-lo, pois sabia que Lai seria provavelmente condenado à morte. O assunto se tornou tão delicado que chegou até a azedar as relações entre ambos os países durante a década passada. Finalmente, em meados do ano passado, o governo canadense cedeu, em parte graças à promessa de Pequim de que não aplicaria a pena de morte no caso de Lai e garantiria os seus direitos constitucionais.

Lai Changxing foi expulso do Canadá e forçado a regressar à China em julho do ano passado, quando foi preso ao desembarcar em Pequim. Embora a prisão do fugitivo mais procurado da China tivesse sido noticiada pelos jornais e fotos de Lai algemado circulado na internet, o fato, a meu ver, não atraiu a atenção que merecia. Após ter acompanhado o desenrolar do caso tanto na China quanto no Canadá, eu esperava que a captura do fugitivo número um do país tivesse uma enorme repercussão na mídia chinesa e fosse comemorada pelo governo com fogos de artifício. Mas isso não ocorreu. E duvido que o seu julgamento _que ocorrerá em breve_ seja aberto ao público como desejam muitos chineses.

Se Pequim se empenhou em julgar Lai Changxing com o mesmo afinco que Washington em capturar Osama bin Laden, por que o governo chinês não utilizou o fato para colher dividendos políticos? Primeiro, houve o problema do momento da extradição, que coincidiu com a colisão de dois trens de alta velocidade na Província de Zhejiang, no leste da China, forçando o governo chinês a focar as suas atenções na tragédia. Segundo, havia um certo temor que o caso respingasse em altas autoridades do governo chinês que na época ocupavam cargos em Fujian.

É difícil de acreditar que as autoridades não soubessem do vasto esquema de contrabando montado por Lai. Aliás, o império de negócios de Lai era tão poderoso e influente que os habitantes locais chegavam a brincar que a cidade de Xiamen deveria mudar de nome para Yuanhua, nome de sua empresa. Afinal, nos final dos anos 90 Lai financiou a reforma do aeroporto de Xiamen, entregou motocicletas e viaturas à polícia local e ergueu o edifício mais alto da cidade, uma torre de escritórios de 88 andares.

A história de sucesso e queda de Lai Changxing se assemelha a muitos chineses que fizeram fortuna com a abertura econômica da China no final dos anos 1970. Nascido em 1958 na Província de Fujian, Lai passou a infância na pobreza no vilarejo de Shaocuo. Não chegou a passar muito tempo na escola, pois sua infância e adolescência coincidiram com a Revolução Cultural (1966-1976). Tornou-se um operário, mas, aos 20 anos, a sua vida começou a mudar graças às reformas econômicas promovidas por Deng Xiaoping. Ele abriu um negócio de vendas de peças de carros, marcando o início da construção de um vasto império de negócios, que, nos anos 80 e 90, incluiria de televisores e carros importados a especulação imobiliária.

Como muitos chineses que fizeram fortuna naqueles anos e depois caíram em desgraça, o pecado mortal de Lai Changxing não foi o esquema de contrabando que ele orquestrou nem a extensa rede de autoridades que subornou para expandir os seus negócios, mas a exagerada ostentação de sua riqueza. Ele andava pelas ruas de Xiamen _centro de seu império_ em carros blindados e promovia festas regadas a vinhos importados.

Sua “Mansão Vermelha” dispunha de saunas e empregava lindas mulheres, que recebiam US$ 1 mil por mês (um alto salário na época) para serem oferecidas aos seus hóspedes, a maioria autoridades do governo. Lai chegou até a construir uma réplica da Cidade Proibida para produções cinematográficas. Sua estreita ligação com membros locais do partido também era evidente. Em 1997, ele recebeu o título de cidadão honorário de Xiamen.

Entretanto o estilo de vida de Lai atraiu a atenção de Pequim. Desmantelar a sua rede de corrupção e contrabando se tornou uma prioridade para o então primeiro-ministro Zhu Rongji. Foi a partir deste momento em 1999 que o seu império começou a ruir, culminando com a sua extradição à China em julho do ano passado.

O desenrolar do caso de Lai Changxing deve ser observado atentamente, pois pode estabelecer um importante precedente. Durante anos, o governo canadense hesitou em entregá-lo às autoridades chineses por temer que tivesse seus direitos violados ou fosse condenado à morte. Se a corte chinesa poupá-lo da pena de morte, a China poderá utilizar esse caso para mostrar à comunidade internacional de que honra a sua palavra. Nesse sentido, o caso Lai talvez sirva para facilitar futuros pedidos do governo chinês pela extradição de outros cidadãos chineses acusados de crimes econômicos que se refugiaram no exterior. Evidentemente, isso dependerá do seu desfecho.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.  Nesta semana, foi publicada excepcionalmente no sábado.
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Fenômenos estranhos nas relações sino-brasileiras

Por Vista Chinesa
21/03/12 15:31

Dilma visita a Cidade Proibida, em Pequim (Fabiano Maisonnave - 12.abr.2011)

Por Zhou Zhiwei, de Pequim*

Sendo especialista chinês quanto a assuntos relacionados ao Brasil, tive a sorte de participar do projeto do BRICS Policy Center (BPC), no Rio de Janeiro, no mês passado. Naquele período, troquei ideias com vários estudiosos, incluindo os do BPC, sobre as relações sino-brasileiras e os países de BRIC, e entendi mais profundamente como os intelectuais e a mídia brasileiros vêem as relações entre os dois países. Mas esse conhecimento também me causou preocupação, pois tenho notado alguns fenômenos estranhos entre a China e o Brasil.

Em primeiro lugar, o conhecimento recíproco nos círculos de política, de comércio e acadêmico é limitado. Do ponto de vista do Estado, os dois governos estabeleceram alguns mecanismos de diálogo bilateral e assinaram uma série de cooperações, incluindo o Plano de Ação Conjunta. Mas esses mecanismos não andaram bem, como a Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), revelando que falta, em ambos os lados, vontade política para promover as relações bilaterais.

Do ponto de vista comercial, mesmo com os números recordes, o volume (incluindo o investimento) vem principamente das empresas estatais dos dois países, carecendo da participação dos setores privados. Isso mostra que os avanços das relações entre a China e o Brasil sempre dependem da promoção governamental.

Na área acadêmica, os estudos entre a China e o Brasil se mantêm num nível baixo. Nem os “think tanks” da China nem os brasileiros conseguem ainda ter uma influência intelectual suficiente na tomada de decisões dos governos.

O conhecimento mútuo entre os dois povos é ainda mais carente. Posso dizer que o conhecimento dos brasileiros sobre a China, o maior parceiro comercial e a maior origem de investiimentos externos do Brasil, é menor do que sobre o Egito. E vice-versa.

O pensamento dos brasileiros quanto às relações entre a China e o Brasil é limitado. A cooperação entre os dois países espalha-se em áreas diversas, mas foca principalmente os campos econômico e comercial, especialmente nas áreas de competição mais intensa, sobretudo no setor industrial. No entanto, se o conhecimento entre os dois países apenas se mantiver no nível econômico e comercial, distorcerá o significado das relações sino-brasileiras.

A China e o Brasil possuem boas relações políticas, com uma coordenação e cooperação internacional estratégica e eficiente. Num certo sentido, a cooperação dos dois países na área de assuntos internacionais responde à demanda da estratégia global da parte brasileira e, por isso, tem mais sentido do que a cooperação na área comercial. Consequentemente, se as relações sino-brasileiras limitarem-se no âmbito comercial, fará mais mal do que bem ao Brasil.

Em comparação, acho que a China esteja adotando uma atitude mais completa e pragmática em termos de promoção de relações bilaterais, focando-se mais na expansão de conteúdo e no aumento de qualidade de cooperação nas coordenações de níveis bilateral e multilateral dos dois países, evitando que a divergência parcial afete a situação cooperativa integral. Pensando nisso, a China tem feito mais concessões nas fricções econômicas e comerciais entre a China e o Brasil.

Em terceiro lugar, a atitude dos brasileiros em relação à China é bastante complexa. As diferenças do sistema político, das tradições históricas e culturais e de pensamento resultam numa atitude às vezes contraditória dos brasileiros quanto à China.

Primeiramente, do ponto de vista econômico, durante 23 anos, de 1989 até 2011, o Brasil registrou déficit apenas por 7 anos. De 2001 a 2011, o Brasil teve déficit apenas em 2007 e em 2008. Por isso, as trocas comerciais entre os dois países fizeram um papel positivo em termos de balança de pagamentos do Brasil. Em 2011, o Brasil teve um superávit de US $ 11,5 bilhões, respondendo por 38 % do saldo favorável no comércio com a China. Mesmo assim, o Brasil está exigindo que a China importe mais produtos brasileiros e implemente limites à exportação para o Brasil.

Em contraste, o Brasil não reclama muito com alguns países com quem tem um grande déficit, como os Estados Unidos e Alemanha. Sem dúvida, isso é dificil de entender. É óbvio que, para sustentar o desenvolvimento de comércio entre os dois países, a China e o Brasil devem melhorar a estrutura de comércio bilateral. Mas, para o Brasil, o mais importante é melhorar a competividade internacional e fomentar uma boa reputação dos produtos brasileiros na China. Para os produtos que querem entrar no mercado chinês, o acesso ao mercado é importante. Mas a competividade do produto também é crucial.

Em termos de cooperação nos assuntos internacionais, o Brasil tem ganhado muito na cooperação Sul-Sul. A cooperação entre o Brasil com outros países do Brics aumenta a influência global do país. Dentro do mecanismo do Brics, o Brasil pretende realizar as suas aspirações na comunidade internacional contando com a China. No entanto, na cooperação específica, o Brasil mostra uma certa discordância e desconfiança em relação aos sistemas de economia e de política, que no final afeta os interesses comuns e a eficiência da cooperação bilateral.

Como dois países emergentes, a China e o Brasil precisam se conhecer melhor, diversificar os contatos e ligações e, mais importante, compreender e desenvolver as relações bilaterais no nível estratégico. Assim, a cooperação entre os dois países pode se manter sólida e sustentável.

 Zhou Zhiwei é especialista em Brasil do Instituto da América Latina da Academia Chinesa de Ciências Sociais e secretário-geral do Centro de Estudos Brasileiros. Foi pesquisador visitante de relações internacionais na USP e no BRICS Policy Center da PUC-RJ. As suas principais áreas incluem estudo sintético do Brasil, política externa, estratégia internacional do Brasil, relações bilaterais e integração latino-americana.

*A partir desta quarta-feira, Zhou Zhiwei passa a escrever quinzenalmente para o blog.

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Ai Weiwei fala à Folha

Por Vista Chinesa
18/03/12 16:34

Ai Weiwei ao lado de seu trabalho mais recente, feito em madeira brasileira. (Paula Ramón - 12.mar.2012)

Fabiano Maisonnave, de Pequim

Na última segunda-feira, o artista chinês nos recebeu em sua casa-estúdio, no distrito de Caochangdi, transformado em reduto artístico depois que ele se mudou para lá, em 2000. A entrevista foi publica na edição deste domingo da Folha (aqui, para assinantes).

O enorme muro da entrada traz apenas o nome da sua empresa, “Fake” (falso), e esconde um agradável complexo projetado pelo próprio artista, também um arquiteto diletante. Os tijolos e pedras aparentes, o piso de cimento, os móveis esparsos de madeira e o pé-direito alto transmitem sobriedade e aumentam a sensação de frio no inverno pequinês. Talvez por causa da sua condição, o local ecoa uma cárcere.

Ai Weiwei vive ali com 20 gatos recolhidos na rua, um pequeno cachorro gordo e de roupa, a mulher e um filho pequeno. Do lado oposto ao estúdio onde a entrevista foi gravada, um grupo de pelo menos cinco jovens ocupavam computadores, carregavam caixas e manipulavam correspondência.

Ali, na parede do escritório, um enorme painel com o nome de 5.045 crianças mortas no terremoto de Sichuan de maio de 2008, a maioria porque estava em escolas malconstruídas. A investigação de Ai Weiwei para encontrar o nome dessas crianças marcou o estremecimento de vez das relações do artista com o governo.

Todas as perguntas foram respondidas com calma e pausadamente. Depois, nos levou ao seu ateliê quase vazio e nos presenteou com falsas gementes de girassol pintadas em pedra. Nem ali falou muito de arte. A sua atenção, parece, está voltada a temas políticos e a sua precária situação de estar preso em domicílio.

Na saída, fica a pergunta: como é possível que o governo da segunda economia mundial puna seu maior artista dessa forma?

 

 

 

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"Defender a indústria em mandarim"

Por Vista Chinesa
15/03/12 07:05

Em artigo publicado nesta quinta-feira na Folha, o ex-correspondente do jornal em Pequim Raul Juste Lores elogia a iniciativa do Itamaraty de estimular o estudo da língua entre o corpo diplomático e cobra atitude semelhante do empresariado.

“Esperar tudo do governo é quase tão anacrônico quanto se restringir ao circuito Elizabeth Arden”, escreve. A íntegra do artigo, apenas para assinantes, está aqui.

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Schwartsman critica proposta brasileira de restringir produtos chineses

Por Vista Chinesa
14/03/12 16:10

No artigo “Vitória de Pirro”, publicado nesta quarta-feira na Folha, o economista Alexandre Schwartsman se une às críticas contra o recente pedido do governo brasileiro à China para restringir voluntariamente suas exportações de têxteis, confecções, calçados e eletrônicos.

“Parece um ato de soberania, dos quais as autoridades, sempre que possível, se pavoneiam. Trata-se, porém, do proverbial ‘tiro no pé’ -se alguém fez um ‘negócio da China’ nessa história, lamento informar que não foi o governo brasileiro”, escreve o economista.

A íntegra do artigo, apenas para assinantes, está aqui.

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Não se engane sobre a China!

Por Vista Chinesa
14/03/12 10:50

Shenzhen, antiga vila de pescadores escolhida no final dos anos 1970 como a primeira Zona Econômica Especial da China.

Por José Carlos Martins, de Corumbá (MS)

No artigo anterior, falamos do crescimento chinês e de sua semelhança com os processos de crescimento econômico verificado nas nações desenvolvidas: a evolução de uma sociedade agrícola para uma sociedade industrial, a migração de uma sociedade rural para uma sociedade urbana e a transformação de uma economia de subsistência em uma economia de mercado.

A grande diferença entre esses dois fenômenos reside na velocidade. Enquanto as economias desenvolvidas levaram 250 anos para atingir o estágio atual, a China deverá atingir o mesmo nível em 50 anos, considerando a abertura econômica promovida por Deng Xioping a partir de 1978.

A velocidade e o tamanho desse crescimento são as causas principais das repercussões ocorridas na economia mundial. A visibilidade desse fenômeno é outro fator, pois ele ocorre num período onde a comunicação de massa e instantânea atinge níveis sem precedentes na história da humanidade. O fenômeno chinês é muito grande, muito rápido e muito visível.
Não obstante essa visibilidade, a maioria das pessoas tem uma ideia equivocada sobre a China e muitas vezes tenta minimizar o sucesso e a competitividade de sua economia com acusações de que seu modelo econômico seria sustentado por mão de obra escrava, pela ditadura do governo central, pela manipulação do câmbio, pela destruição do meio ambiente ou por subsídios governamentais. Olhar a China pela ótica de suas mazelas talvez não seja a melhor forma de decifrá-la.

Em uma perspectiva histórica, qual economia desenvolvida não apresentou em sua história econômica e social os mesmos problemas? E os corrigiu da mesma forma que os chineses vêm tentando corrigir os seus.

Precisamos separar o joio do trigo, eliminar a estática, a interferência para se concentrar na mensagem e ela é muito clara: um país superpopuloso, atrasado, rural, agrícola, subdesenvolvido não precisou mais do que 32 anos para se transformar na maior nação industrializada e a segunda maior economia do mundo. Essa é a mensagem fundamental que não pode ser ignorada!

Ao olharmos para a China, olhamos ao mesmo tempo a fotografia e o filme, o cinema, o processo evolutivo. E isso nos permite uma visão mais crítica e, em alguns casos, menos imparcial de sua realidade.

Em algum momento de sua história, as nações mais desenvolvidas patrocinaram a escravidão dos africanos, ocuparam territórios que não lhes pertenciam, exploraram suas colônias extraindo seus recursos naturais, patrocinaram a exploração de seus trabalhadores mulheres e crianças em jornadas de trabalho intermináveis, exterminaram suas florestas e destruíram seu meio ambiente. Patrocinaram guerras fratricidas na Europa e na Ásia e abrigaram regimes totalitários, militaristas, monarquias tirânicas que nada têm a ver com as democracias atuais. Enquanto que, para esses países desenvolvidos, isso é passado, é história, na China, quando ocorrem essas mazelas, elas são contemporâneas, são atuais, são visíveis. Isso nos permite uma visão crítica mais aguçada e nem sempre imparcial de seu momento atual.

Não é meu dever e nem tenho por obrigação defender a China e suas eventuais mazelas. Elas, quando existem e se existem, devem ser corrigidas. Não podemos ser coniventes nem justificá-las em razão da história. Mas não podemos cair na hipocrisia despeitada nem na ilusão confortante de minimizar o sucesso chinês em função delas.

O pior cego é aquele que não quer ver. Nos últimos dez anos, assistimos a muita gente menosprezar o crescimento chinês apontando suas mazelas como sinal de fraqueza e insustentabilidade. Mas o tempo passa e, a cada rodada de descrédito, a China emerge mais forte, mais desenvolvida e mais preparada para assumir uma posição mais importante no cenário mundial.

Os americanos, talvez os maiores responsáveis pelo sucesso da economia chinesa pelo transplante de suas indústrias para a China, são o melhor exemplo disso. Os americanos, que usaram a China como exemplo de sucesso da economia de mercado, modelo a ser seguido pelas economias menos desenvolvidas e que, durante a Guerra Fria, a usaram como antítese do inimigo soviético (quem não se lembra da diplomacia da Coca-Cola?) são atualmente os que mais se assustam com a rapidez do crescimento chinês. Vivem a demonizar o fenômeno chinês pelos problemas que eles próprios causaram para seu país com o endividamento excessivo e suas pirotecnias financeiras. Os americanos que transformaram o crescimento chinês como tema central no debate político que precede o processo eleitoral são o maior exemplo que não devemos subestimar os chineses e o seu crescimento acelerado.

Neste momento em que a China anuncia a redução do seu crescimento econômico para 7,5% ao ano, mais uma vez os incrédulos tentam enxergar nisso um sinal negativo. E eu pergunto que país não gostaria de crescer 7,5% ao ano? Mas, segundo os incrédulos, isso significa um sinal de fraqueza da China!

Temos de encarar o fenômeno chinês de frente, reconhecer seus méritos e a ele nos adaptar, pois ele veio para ficar. Não vamos continuar nos enganando e achando que é algo efêmero destinado ao fracasso. O descrédito não é bom conselheiro. No cenário futuro que se descortina, a China terá um papel central. Nesse cenário, os países vencedores serão aqueles que conseguirem decifrar o enigma do crescimento chinês e dele tirar proveito. Tentar enfrentá-lo talvez não seja a melhor política.

É impossível olhar a China e seu crescimento de hoje sem nos lembrarmos do Enigma da Esfinge de Tebas: decifra-me ou te devoro! Oh, Édipo, onde está você?

José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada quinzenalmente às quartas-feiras.

 

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China: o curtíssimo prazo

Por Vista Chinesa
12/03/12 09:28

Funcionário observa o porto de Xangai da janela de seu escritório (Carlos Barria - 19.jan.2012/Reuters)

Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai

Os economistas brasileiros buscam permanentemente avaliar qual será a taxa de crescimento da China. A resposta para 2012 foi dada na semana passada pelo primeiro-ministro Wen Jiabao: 7,5%, ou seja, mais do que a média prevista no plano quinquenal, 7%, menos do que o governo da China tem declarado ser a taxa mínima para manter a estabilidade do trabalho e a oferta de emprego para os jovens: 8%.

A julgar pelo desempenho de anos anteriores, o resultado ao final de 2012 possivelmente será maior. O governo já declarou os instrumentos de que se vai valer para chegar lá: ampliar o crédito; reduzir os juros; se necessário, voltar a estimular o investimento em infraestrutura (mesmo reconhecendo seu impacto negativo sobre a carteira dos bancos) e, também se necessário, aliviar as restrições à compra de imóveis. A taxa de crescimento, anunciada como uma meta e não como uma expectativa ou previsão, é, sobretudo, uma referência. Vai balizar o desempenho esperado das municipalidades. A China tem discutido propostas para passar das metas nominais a novos critérios que levem em conta a qualidade do crescimento, sem resultado visível até o momento. Metas qualitativas são difíceis de definir. Além disso, elas eliminariam o espírito de competição por resultado entre as prefeituras, uma das forças estimuladoras das mudanças no país.

O efeito das duas reduções recentes no requerimento de depósitos dos bancos junto ao banco central _uma em dezembro passado, outra no corrente mês de fevereiro_ ainda não se fez sentir. A economia está sob o tranco das medidas de contenção do crédito de 2011. A boa notícia é que a inflação também.

Talvez o setor mais afetado em 2011 tenha sido o da construção. As empresas nesse segmento usualmente captam no curto prazo para projetos de longo, na expectativa de que, a cada 12 meses, lhes chegue a cartinha do banco anunciando a renovação de seu empréstimo. No ano passado, muitas cartinhas não chegaram. Como resultado, projetos foram interrompidos, fornecedores deixaram de receber pagamentos. Em outras palavras, para o setor da construção, o “hard landing” (pouso forçado) já é uma realidade. A liberação do crédito é boa notícia, mas o setor sabe que os primeiros beneficiários são usualmente as empresas estatais. Há tempo de espera pela frente.

O setor exportador tem sofrido o impacto da redução de crescimento nos mercados europeu e norte-americano. As exportações chinesas cresceram 28% na metade do ano passado e 12% em dezembro. Queda sensível. Os números recentemente anunciados, de que o crescimento do comércio exterior ampliou-se apenas 7% nos dois primeiros meses de 2012, prenunciam que as exportações não tenderão ao brilho. O que se ouve frequentemente é que muitas empresas estão operando no vermelho para não parar as máquinas, exportando a preços inferiores ao custo de produção. Se isso for um fato, é de esperar que os processos antidumping contra produtos chineses ampliem-se no mundo inteiro.

Os investimentos no setor industrial são , em larga medida, norteados pelas diretrizes governamentais. Os empresários ficam esperando os sinais de Pequim. Neste momento, quem opera em tecnologia de ponta sabe que os ventos lhe sopram a favor. Os demais não estão tão seguros. E como 2012 é um ano de transformações no mundo político, talvez os sinais de Pequim não sejam tão claros. Com isso, o desempenho do investimento resulte fraco.

Em resumo, ainda há pouca sintonia entre as metas projetadas e o que se vê na realidade do dia a dia. Mas os próximos meses deverão conduzir a um melhor ponto de equilíbrio.

Já que o tema é o curto prazo, impossível não falar das expectativas sobre uma maior abertura da conta de capital. O anúncio recente de que fundos de investimento estrangeiro podem entrar na China não somente para investir no mercado local mas também para, a partir da China, investir no exterior não pode passar desapercebido por quem regularmente segue a economia. Não só é um grande avanço como deverá estimular os fundos chineses a moverem-se mais. Os 16 fundos com certificados QDII (investidores chineses certificados pelo governo para atuar em bolsas ou em renda fixa no exterior), as seguradoras e os bancos locais são tímidos nas suas estratégias externas. Mas este é assunto para um futuro artigo.

Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias.

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