Os direitos das mulheres na China: o retrocesso das últimas duas décadas
09/03/12 08:02Por Eric Vanden Bussche, de Pequim
No Dia Internacional da Mulher deste ano, o “Diário do Povo” _jornal oficial do Partido Comunista chinês (PCC)_ resolveu homenagear o sexo feminino em sua página principal da internet por meio de uma coleção de fotografias. Sob o título “Mulheres Bonitas nas Duas Sessões,” ressalta a presença feminina no Comitê Nacional da Conferência Política Consultiva da China e no Congresso Nacional do Povo nestas últimas duas semanas. “Hoje é o Dia Internacional da Mulher,” explica o texto que acompanha as fotos. “Neste dia especial, vamos dar uma olhada nessas lindas mulheres das duas sessões.” Mas em vez de centrar as atenções na participação das mulheres na política, as fotos mostram belas e sorridentes jornalistas em coletivas de imprensa, uma garçonete servindo chá, fileiras de lindas moças prontas para prestarem serviços aos delegados do congresso e assim por diante.
Os editores responsáveis pela homenagem talvez não entendam o significado do Dia Internacional da Mulher. Em vez de ilustrar a atuação das mulheres na formulação de políticas públicas para o desenvolvimento da China no congresso, pareciam mais preocupados em agradar àqueles internautas que apreciam a beleza das chinesas. Na maioria das fotos selecionadas, aparecem moças que foram contratadas para trabalharem como garçonete e recepcionista durante o evento. Apenas uma foto mostra uma delegada do congresso, vestida em trajes típicos de sua etnia e rodeada de homens de terno e gravata. Nem mesma ela é identificada pelo nome. Infelizmente, essa “homenagem” serviu apenas para reforçar os estereótipos que relegam as chinesas a um papel secundário na sociedade.
Na verdade, as chinesas assistiram a um retrocesso na sua posição social nas últimas duas décadas, especialmente em comparação com os anos após a Revolução de 1949. Mao Zedong acreditava que as mulheres “carregam metade do céu” e, durante a época em que governou o país, houve um aumento visível na atuação das mulheres no processo político e econômico do país. Se em 1954 elas ocupavam apenas 12% das cadeiras no Congresso Nacional do Povo, na década de 70 esse número quase dobrou, pulando para 20%. Entretanto, desde o início dos anos 80, a participação feminina no congresso tem estagnado em torno de 22%. Aliás, nos últimos anos, a China vem perdendo posições no ranking da Inter-Parliamentary Union (união interparlamentar), uma organização internacional que mede a participação feminina na política. Em 2011, a China ocupava a 60ª posição no ranking, uma queda brusca se levarmos em consideração que o país estava na 16ª posição em 1995. Atualmente, apenas 21,4% dos representantes são mulheres.
Os homens também predominam no mundo dos negócios. De acordo com a revista mensal chinesa “Hurun Report”, sete das dez mulheres mais ricas do mundo são chinesas. Mas essas mulheres são uma exceção, pois apenas 11% das pessoas mais ricas da China são do sexo feminino. Há dois anos, o governo chinês divulgou estatísticas mostrando que o salário médio das mulheres era 33% inferior ao dos homens nas regiões urbanas, chegando a 44% nas áreas rurais.
Há vários responsáveis por esse retrocesso. Um deles é o regime chinês, que tem se esforçado em abafar as tentativas de ativistas feministas em organizar movimentos independentes para defender os seus direitos. Além disto, a política de filho único _instituída no final dos anos 70 para frear a explosão demográfica do país_ resultou numa série de abortos e estirilizações forçadas entre as mulheres, principalmente nas áreas rurais. Devido a essa medida, haverá 33 milhões de homens a mais do que mulheres em 2020, gerando graves repercussões econômicas e sociais, de acordo com as Nações Unidas.
Até mesmo as chinesas não estão isentas de culpa. Muitas passaram a enxergar o casamento como a forma mais fácil de ascensão social. Isso pode ser observado pelo admiração que muitas chinesas nutrem pela sua conterrânea Wendi Deng, mulher do magnata das comunicações Rupert Murdoch. Certa vez, uma aluna da Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim me explicou o motivo que levava tantas moças a adorarem Wendi Deng: “Ela se casou com um velho norte-americano, mesmo não o amando, para conseguir estudar em Yale e conseguir seu visto de residência. Depois se divorciou, se casou com Rupert Murdoch e hoje está milionária. Quero ser que nem ela.” Com uma mentalidade assim, será difícil mudar a situação atual das mulheres chinesas.