Até logo, China!
21/12/12 13:57Fabiano Maisonnave, de São Paulo
No final do mês passado, fiz uma viagem de despedida da China. Por dois dias, vaguei pelas terraças de arroz de Longsheng, esculpidas há cerca de 500 anos nas montanhas de Guangxi, região empobrecida do sul.
Trata-se de território iao, minoria que continua cultivando arroz na forma tradicional, embora o turismo atraia milhões por ano. Nas trilhas, mulheres carregando nas costas arqueadas fardos impossíveis de bambu e madeira. Algumas ofereciam mostrar seus longuíssimos cabelos, marca registrada da minoria, em troca do equivalente a R$ 7.
Cerca de 600 km mais abaixo, percorridos numa noite em ônibus leito (literalmente: o interior são três fileiras de beliche!), e desembarcava em Macau, a ex-colônia portuguesa onde os megacassinos já superam Las Vegas em faturamento, com apostas mínimas em torno de R$ 50 . Nos shoppings, onde, ao contrário dos campos de arroz, não importa se faz chuva ou sol, se oferecem todas as marcas de luxo.
Mesmo para um brasileiro crescido na Belíndia, surpreende os vários países encerrados na China, numa diversidade estonteante. Certa vez, o historiador Fernando Novais disse que o Brasil acumula séculos, em alusão ao desenvolvimento desigual. Na China de 5.000 anos de civilização, crescimento de 10% ao ano por três décadas e população de 1,34 bi, essa definição alcança o paroxismo.
Os contrastes (imagem fácil e inevitável) são enormes, mas é possível ver algum rumo comum. Em toda parte, o sentido de urgência está sempre presente: tanto nas vilas iao, onde os tijolos são carregados em varas de bambu equilibradas no ombro, quanto em Macau, com seus imensos canteiros de obras ostentando nomes da jogatina mundial, o boom da construção civil revela uma confiança no futuro.
Há também os mesmos desafios. O principal deles, arrisco, é a degradação do meio ambiente, que tem desertificado regiões inteiras, contaminado águas e solos e deixado irrespirável o ar das grandes cidades.
O deterioro está diretamente ligado ao dilema da escala: pense que a China soma toda a população norte-americana mais 1 bilhão de pessoas e ainda sobra uma Argentina! É impossível estender o padrão de consumo ocidentalizado, já presente nas grandes cidades, a todo país. Mas também é politicamente injustificável bloquear a maioria da população do acesso às tentadoras benesses.
“Os estrangeiros pensam sobre qualquer coisa na China multiplicando por 1,3 bilhão”, disse um alto funcionário ao jornalista americano James Fallows. “Nós temos de pensar em tudo dividindo por 1,3 bilhão.”
Outro desafio crucial está no regime político. À medida que a China se abre e enriquece, fica mais dificil sustentar um sistema tão fechado. É anacrônico que o governo da segunda economia do mundo protagonize episódios como o exílio do advogado cego Chen Guangcheng e a condenação a 11 anos de Liu Xiaobo, o único Nobel atrás das grades em todo o planeta.
É com a frustração de abandonar a história pela metade que passo a acompanhar a epopeia chinesa à distância -depois de quase três anos na Ásia, voltei para São Paulo. (Onde, ao contrário da China, posso acessar qualquer site da internet. Só que na China, ao contrário do Brasil, eu usava o meu tablet/computador/smartphone em qualquer lugar, sem medo de assalto.)
Com os olhos mais treinados, me impressiono com a multiplicação da presença chinesa, dos carros JAC aos computadores Lenovo – o “Made in China” começa a ter marca própria. Por outro lado, é uma pena que a oferta de livros em português ainda seja tão pequena: essa invasão ainda é pouco discutida entre nós.
Voltei com a certeza de que o Brasil e o mundo sofrerão cada vez mais o impacto dessa China diversa e pujante, que abastece a 25 de Março com produtos baratos enquanto catapulta astronautas ao espaço. Mas já fiquei cansativo com as críticas à falta de atenção tupiniquim com o maior desafio do século 21. Este post é para elogiar e agradecer.
Começando pelos meus companheiros do blog Vista Chinesa: ao longo de todo o ano, Eric Vanden Bussche, Marcos Caramuru, José Carlos Martins, Sun Ningyi e Zhou Zhiwei produziram textos incríveis e interagiram com os leitores com uma paciência que muitas vezes me falta. Obrigado.
Vale mencionar várias iniciativas que já vêm rendendo frutos. O Conselho Empresarial Brasil-China agora produz estudos regularmente e é referência obrigatória para entender as relações econômicas bilaterais. Em Xangai e em Pequim, as jovens do Profissionais Brasileiros na China fazem um belo trabalho de organização entre os brasileiros que trabalham por lá. De Pequim, o Radar China traz uma proposta de explicar e analisar o país que tem tudo para dar certo.
Na área cultural, parabéns a Anamaria Boschi, aos Brasileiros em Pequim (Brapeq) e a Fernanda Ramone por produzirem festivais de cinema fantásticos em terras chinesas, arrancados a fórceps da burocracia estatal brasileira e da draconiana censura local.
Os correspondentes brasileiros somos poucos e ótimos amigos. Claudia Trevisan, do “Estado de S.Paulo”, nossa decana, tem a competência e a generosidade dos grandes. Edgar Alencar, do Sportv, o caçula, protagonizou a ótima sacada de explicar essa potência olímpica que no fundo adora o futebol como nós.
E tem os diplomatas. Além do embaixador Caramuru, há outros picados pela mosca azul da China que foram ótimos interlocutores nestes anos de luta. Que o Itamaraty saiba aproveitá-los da melhor forma.
Em comum a esse “bando de loucos” que se dedica a entender a China e a aproximá-la do Brasil, a certeza de que o sentido de urgência asiático não espera ninguém.
Agradeço finalmente ao jornal Folha de S.Paulo pela incrível oportunidade de reportar de Pequim e aos leitores que, durante o ano, transformaram o Vista Chinesa num dos blogs mais lidos do Folha.com.
No PS, mil gracias a Paula Ramón, minha companheira que aguentou o mau humor das inúmeras noites maldormidas e ainda saiu com o mandarim tinindo.
Zai Jian!