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Vista Chinesa

por Fabiano Maisonnave

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Insegurança chinesa, esperança ocidental

Por Vista Chinesa
04/06/12 09:12

Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai

Há dias, convidado a um jantar com administradores de fundos de investimentos, ouvi a pergunta: por que os ocidentais acreditam mais no futuro da China do que nós mesmos, chineses? Surpreso, indaguei aos meus anfitriões se achavam que a China havia evoluído para melhor ao longo do tempo. Todos disseram que sim. Então por que temem o futuro?

Ocidental, diplomata de formação, acostumado a analisar as mensagens governamentais tanto no que é explicitamente dito pelas autoridades como no que está nas entrelinhas, mencionei-lhes que tudo o que ouço sobre o futuro vai na direção de transformações audaciosas que podem mudar a China para melhor e ampliar a sua importância no mundo.

Sobretudo depois do afastamento de Bo Xilai, o que mais há aqui é o anúncio de reformas que cobrirão as áreas social, econômica e política. Nas muitas visitas que fiz ao longo dos anos a autoridades locais, vi um número significativo de pessoas jovens em altas posições, com bom traquejo no uso do inglês, comprometidos com a modernidade. Ótimo sinal. Na China, os políticos se aposentam aos 65 anos e a média de idade dos líderes no comando do governo em todos os níveis tem de ser de 50 anos. Sempre acreditei que os chineses haviam enxergado no rigor da hierarquia japonesa um certo esclerosamento do Estado. Por isso, estabeleceram a idade média em padrão relativamente baixo no mundo moderno, onde as pessoas são frequentemente ativas até uma idade antes considerada tardia.

Não que o sucesso esteja à mão. Os desafios são imensos, mas não avassaladores e têm sido explicitados com naturalidade: as disparidades sociais, a passagem para uma economia capaz de produzir inovação, a modernização do segmento financeiro, a abertura da conta de capital, a avaliação de desempenho do governo baseado não no crescimento do PIB, mas na qualidade do crescimento, vai por aí.

É óbvio que, na visão dos ocidentais, sempre há uma questão maior: para onde penderá o rumo da política. Mas essa é uma questão que os próprios políticos chineses têm em mente. O fato de países terem partidos únicos não significa que inexistam divergências no comando. O problema é que apenas no contexto de um escândalo, como o que ocorreu recentemente com o ex-prefeito de Chongqing, fica-se sabendo que as divergências são mais profundas do que se poderia imaginar.

Meus anfitriões no jantar não têm o meu olhar para os fatos. Reconhecem que a previsibilidade na mudança de lideranças políticas garante um grau elevado de estabilidade no país, mas sempre se perguntam: quem virá num futuro mais distante? Nisso, há que reconhecer, não são diferentes de nós. Só que aqui não há pesquisas de opinião para avaliar se os eleitores penderão para Lula ou Dilma em 2014 ou se o PSDB tem alguma chance de se unir em tempo em torno de um candidato.

Um dos problemas da realidade política na China, a meu ver, é que os dirigentes mais jovens não são conhecidos. Ao lado disso, a sensação generalizada é de que os que saem do mundo político não exatamente saem. Seguem no comando, mexendo os seus pauzinhos a partir de seus aliados que permanecem na ativa. Ou seja, quando se anunciam mudanças, muitos se perguntam: será mesmo para valer?

Ao mesmo tempo, muitos empresários se indagam qual será o futuro do setor produtivo da China sem um desempenho das exportações de produtos manufaturados tão positivo como no passado. A conta do aumento do consumo interno não é normalmente feita, apesar de todos admitirem que o acesso ao consumo tem-se ampliado, e os salários têm aumentado. A lei trabalhista na China diz que os salários devem aumentar de acordo com o grau de desenvolvimento, o que, por si só, é notável. Publica-se anualmente qual foi o aumento da média salarial no país, e os aumentos do salário mínimo decretados pelo governo têm estado muito acima das taxas de inflação.

Finalmente, o crescimento do setor de serviços, fato inevitável numa economia que amadurece, não parece convencer os locais. A mentalidade empresarial tem tão solidamente arraigada a idéia da China industrial, exportando para o mundo, que encontra dificuldade em ver a China com outra feição.

A transformação futura do país terá de mudar conceitos não somente no setor público, mas também, e, talvez, principalmente no privado. E é um reducionismo achar que na China de hoje tudo ou quase tudo é estatal. O peso do Estado é grande, não há dúvida, mas a China depende crescentemente do segmento privado. Os dirigentes têm falado até mesmo na necessidade de maior presença privada no setor financeiro.

Depois de uma longa conversa e muitos argumentos, meus interlocutores me repetiram a pergunta inicial: mas, afinal, porque vocês acreditam tanto?

Talvez porque o mundo precise se apoiar em experiências de sucesso, e a China é a mais evidente das últimas décadas. Talvez porque, se a China falhar, o mundo inteiro vai sentir fortemente o impacto. E, se isso ocorrer num momento em que a Europa e os Estados Unidos estejam muito mal, viveremos uma crise mundial de grandes proporções, mesmo com outros países em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia, tentando ir bem. Talvez porque o modelo de êxito do Ocidente esteja baseado em ideias que nasceram há 200 anos, enquanto a China trabalha num modelo novo, tanto econômico quanto político, que ainda terá de evoluir, mas que possivelmente abrirá portas.

A China de hoje tem peso para definir novos padrões e mudar rumos: internamente e para além das suas fronteiras. Mas a pergunta sobre o futuro ainda estará no ar por muito tempo, sem respostas definitivas.

Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias.

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Harvard e a ambivalência dos nacionalistas chineses

Por Vista Chinesa
01/06/12 12:44

Bo Guagua, filho do recém-expurgado líder comunista Bo Xilai, durante sua formatura na Escola Kennedy de Governo, da Universidade Harvard (Reuters - 25.mai.2012).

Por Eric Vanden Bussche, de Taipé (Taiwan)

Nas últimas semanas, as análises na imprensa ocidental sobre a recente onda de xenofobia na China frequentemente têm destacado a ambivalência (para alguns, hipocrisia) da elite política chinesa a respeito dessa questão. Se por um lado o governo alerta a população sobre a ameaça da cultura e dos valores ocidentais ao desenvolvimento do país, por outro as altas autoridades do Partido Comunista chinês (PC) continuam enviando os seus filhos e netos para Harvard, Stanford, Oxford e outras universidades de prestígio nos EUA e na Europa.

Essa ambivalência é alimentada por uma forte dose de pragmatismo dos chineses nas suas relações com o Ocidente, demonstrando o quanto o desenvolvimento do país continua atrelado aos investimentos e à tecnologia proveniente dos EUA, da Europa e até mesmo do Japão.

Ao mesmo tempo, também revela o papel das universidades norte-americanas na reestruturação (ou “modernização,” como diriam os membros do PC) das instituições políticas chinesas, um processo que teve início no final da década de 70 e continua até os dias de hoje. Essa “modernização” demonstrou uma capacidade do PC em se adaptar às mudanças das últimas décadas, garantindo a sua permanência no poder.

As raízes desse processo se encontram na era Deng Xiaoping (final dos anos 70 até início dos anos 90). Em seu artigo “Is China democratizing?” (“a China está se democratizando?”, revista “Foreign Affairs”, jan-fev 1998), o acadêmico Min Xinpei lamenta que os especialistas ocidentais enxerguem a era Deng como um período em que a abertura econômica não foi acompanhada por reformas políticas que permitiriam a democratização do país. Na contramão dessa corrente de pensamento, Min argumenta que, na esfera política, Deng patrocinou mudanças profundas que prepararam o terreno para o desenvolvimento econômico e social da China a partir dos anos 80. Entre as transformações, o autor cita a aposentadoria compulsória de membros do governo e do partido, a proibição do exercício do mesmo cargo por mais de dois mandatos de cinco anos, o fim do culto à personalidade e até experimentos com eleições em pequenos vilarejos nas áreas rurais.

Segundo Min, essas reformas permitiram à China atingir uma relativa estabilidade política, forçando uma renovação nos quadros do PCC e finalmente colocando um ponto final nas violentas batalhas entre as diversas facções que marcaram a era maoísta (1949-1976). Min assinala que houve uma diminuição na idade média dos membros do Comitê Central, de 59 anos, em 1982, para 55 anos, em 1997. Graças a essa renovação, o número de membros do Comitê Central com ensino superior pulou para 92% em 1997, contra apenas 55% em 1982.

Esse cenário permitiu a Jiang Zemin consolidar o seu poder nos anos 90 e facilitou uma transição pacífica de poder para a geração do presidente Hu Jintao, no início da década passada.

É uma pena que as análises políticas desse período sejam norteadas pela violenta repressão aos protestos na Praça da Paz Celestial em 1989, pois Deng deixou um legado de transformações políticas que permitiu a ascensão da China como potência. A sua maior contribuição nessa esfera foi substituir a “revolução permanente” dos anos maoístas pela ideia de “adaptação permanente.” Seus sucessores herdaram a noção de que o processo de desenvolvimento do país só seria possível por meio do pragmatismo e de uma sintonia do partido com as mudanças em curso. Para Deng, o pragmatismo estava acima de qualquer ideologia, até mesmo do nacionalismo que ele passou a estimular.

É a partir dessa ótica que Harvard se encaixa nos esforços de “modernização” do PC.
Há uma década, o partido lançou uma iniciativa _examinada num recente artigo do jornalista William J. Dobson_ que consiste em selecionar as suas estrelas em ascensão para participarem de programas de treinamento e especialização em Harvard e outras universidades de ponta no exterior. Essa especialização acadêmica abarca os mais variados temas, desde a formulação de políticas para o desenvolvimento sustentável até a utilização de mídia social pelo governo.

Segundo Dobson, por meio desse projeto, o PC espera que os seus membros recebam o treinamento necessário para lidar com os novos desafios a serem enfrentados pelo regime, tanto na esfera doméstica quanto no contexto da globalização. Não se trata apenas de um processo de aprendizagem, mas principalmente de um processo de adaptação de formas de governança à realidade chinesa. Mais de 4.000 burocratas do partido já se beneficiaram dessa iniciativa na última década, segundo afirmações de Lu Mai, diretor do programa, a Dobson.

Independentemente da quantidade e intensidade das ondas nacionalistas que varrerem o país nos próximos anos, tudo indica que o governo chinês continuará enxergando esse programa como essencial para que o PC consiga enfrentar as novas conjunturas geopolíticas. É essa visão, segundo Dobson, que diferencia a China dos demais regimes autoritários no planeta.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.
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Uma divertida participação brasileira no "namoro na TV" chinês

Por Vista Chinesa
30/05/12 09:01

Fabiano Maisonnave, de Pequim

Não é muito exagero dizer que o catarinense Edgar Scherer acaba de abrir um novo capítulo nas relações entre Brasil e China. Semanas atrás, o rapaz foi a estrela do popular programa “Amar sem Parar”, um dos vários “namoros na TV” da China.

Bem-humorado e afiado nas respostas, mesmo falando em mandarim, Edgar impressionou a audiência com brincadeiras, carisma e danças. Chamado de “caloroso” várias vezes, brincou com estereótipos dos dois países e chocou várias pretendentes ao dizer que se “apaixona duas vezes por dia”. O meu momento preferido foi quando, desafiado, encenou uma negociação de compra e venda com uma das participantes.

No programa, o objetivo declarado de Edgar, um engenheiro de 30 anos radicado na China desde 2005, era conseguir uma namorada para viajar com ele de carro de Pequim a Londres (a história da aventura na Folha de hoje, para assinantes).

Convenceu alguém? Para saber, veja o vídeo do programa, com legendas em português (o próprio Edgar fez a tradução). A partir de 17m18s até 39m20s.

 


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O turismo étnico-sexual e a formação de identidades na China

Por Vista Chinesa
25/05/12 10:43

Mulheres da etnia dai participam do Festival da Água Salpicada, na região de Xishuangbanna (Província de Yunnan, sudoeste).

Por Eric Vanden Bussche, de Taipé (Taiwan)

Ao percorrer a região montanhosa na fronteira das Províncias de Sichuan, Guizhou e Yunnan, no sudoeste da China, é possível passar por dezenas de vilarejos povoados por minorias étnicas. São comunidades que até pouco tempo atrás se encontravam às margens do desenvolvimento econômico do país. Mas hoje muitas acreditam que finalmente encontraram a fórmula para enriquecer: o turismo étnico-sexual.

Nas últimas duas décadas, esses vilarejos passaram a atrair um número crescente de turistas chineses e até estrangeiros interessados em uma imersão na exótica cultura local. Em certas regiões, como Xishuangbanna (Província de Yunnan), a visita também inclui sessões de sexo com mulheres da etnia dai, consideradas as mais lindas e libertinas de todas as minorias étnicas.

Trata-se, entretanto, de uma experiência artificial. Os habitantes desfilam em seus trajes típicos apenas na presença de turistas, pois não se sentem à vontade neles. Muitos desconhecem o significado de suas próprias tradições e têm dificuldade de conversar em sua própria língua. E as atraentes mulheres em Xishuangbanna, com seus belos vestidos e enfeites da minoria dai, na verdade são prostitutas da etnia han provenientes de outras áreas da China.

A propagação do turismo étnico-sexual revela, porém, um processo curioso de construção de identidades no país.

A China se orgulha em ser uma nação plural, multiétnica. Embora mais de 90% dos chineses se identifiquem como han, há 55 minorias étnicas, grande parte espalhada pelo sudoeste do país.

Quando os comunistas tomaram o poder, em 1949, eles resolveram promover a ideia de inclusão dos diversos grupos étnicos no processo político. Isso facilitaria, entre outros objetivos, o processo de consolidação do poder central sobre povos e territórios nas regiões fronteiriças que haviam pertencido à corte Qing, a última dinastia imperial (1644-1912): Províncias do sudoeste do país, como Yunnan e Guizhou, e regiões como o Tibete, Xinjiang e a Mongólia Interior.

Um dos obstáculos enfrentados pelo novo regime na construção de um Estado nacional pluralista e unificado era a enorme quantidade de grupos étnicos, principalmente no sudoeste. Um censo realizado nos primeiros anos pós-revolução continha por volta de 400! Era necessário, então, reduzir o número de etnias de várias centenas a algumas dezenas.

O governo resolveu, então, enviar uma expedição de antropólogos para a Província de Yunnan, em 1953-54. Como argumenta o historiador Thomas Mullaney, em sua obra “Coming to terms with the Nation” (chegando a um acordo com a nação), o objetivo dos antropólogos não consistia apenas em identificar os diversos grupos. Como precisavam cortar o número de etnias, eles resolveram agrupar várias em uma só. Por exemplo, os heiyi, longan, nong, sha, rianbao e tulao passaram a ser conhecidos como zhuang devido às semelhanças linguísticas entre eles. Nesses casos, porém, os antropólogos também precisavam convencer essas populações a aceitarem a nova denominação e identidade.

Esse processo de convencimento levou décadas. Tomemos como exemplo o vilarejo de Jiancao, no sul de Sichuan, onde maioria dos seus habitantes foi identificada como membros da minoria miao. Na verdade, eles nunca se sentiram confortáveis com esse rótulo. Alguns até questionavam a sua identidade, assinalando que as suas vestimentas eram completamente diferentes às dos miao nas comunidades de Hele e Baila. Um senhor idoso de Jiancao me disse que não entendia bem o que era ser miao, pois, cada vez que encontrava pessoas de Hele, sentia que não tinham nada em comum.

Quando visitei Jiancao pela primeira vez, em 2000, os habitantes até demonstravam vergonha de sua etnia, enxergando a cultura e modo de vida miao como um entrave ao desenvolvimento da região. Um dos homens mais prósperos da região enfatizou que “os miao são preguiçosos e supersticiosos”. Segundo a sua explicação, ele só conseguiu enriquecer após deixar de lado a sua cultura. “Embora a minha carteira de identidade me identifique como miao, prefiro pensar que sou han.”

Os burocratas han da região compartilhavam essa visão. Durante uma visita ao povoado de Huangping, cuja maioria também é composta por miao, um rapaz chegou numa moto com uma caixa de bebidas alcólicas. Assim que avistou as garrafas, uma funcionária han do governo local balançou a cabeça: “Eles (os Miao) não conseguem ficar longe de bebidas álcolicas” (tamen libukai jiu).

Quando voltei à região quatro anos mais tarde, fiquei surpreso com a profunda mudança de atitude da população em relação a sua identidade. Se antes eles culpavam as suas raízes étnicas por seu atraso, eles agora sentiam orgulho de sua cultura.

A descoberta do turismo étnico foi responsável por essa reviravolta. Nos vilarejos da região, os governantes pareciam convencidos de que investimentos nessa atividade enriqueceriam a sua comunidade. Uma avalanche de livros sobre os costumes dos miao acabou sendo publicada pelo governo local, e a população local foi incentivada em resgatar tradições que haviam caído no esquecimento. Enfim, estava em curso nessas comunidades um processo de reaprendizagem do que significava ser miao. Eles finalmente incorporaram com entusiasmo a identidade que lhes fora designada pelo Estado chinês.

A comodificação da cultura dessas minorias étnicas por meio do turismo não transformou apenas a forma como os habitantes locais enxergam e constroem a sua identidade como também permitiu ao regime chinês difundir com maior facilidade suas políticas destinadas a esses grupos.

Num festival de cultura miao na municipalidade de Guling em fevereiro de 2004, além das apresentações de danças folclóricas, atores encenaram uma peça mostrando os benefícios da vasectomia para os homens que já eram pais de dois filhos. O governo local também distribuiu camisinhas durante o evento. “Os festivais de cultura acabaram facilitando o nosso trabalho,” me disse um burocrata de Guling responsável pelo controle de natalidade na região.

Nesse sentido, a febre do turismo étnico no sudoeste está servindo para consolidar o longo processo de integração dessas comunidades ao Estado nacional chinês.

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.
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China: paranoia ou mistificação?

Por Vista Chinesa
24/05/12 11:28

Loja da Apple dentro de shopping de eletrônicos ao lado da fábrica da Foxconn, em Shenzhen (Fabiano Maisonnave/Folhapress - 21.abr.2011).

Fabiano Maisonnave, de Pequim

A edição desta quarta-feira (23) da Folha traz dois artigos sobre o “capitalismo oriental”. Apesar de um ser favorável e o outro, crítico, ambos revelam a pobreza do debate no Brasil sobre o papel da China no novo cenário mundial.

Os problemas mais óbvios estão no texto “As ameaças que vêm da Ásia” (aqui, para assinantes), do sociólogo da Unicamp Ricardo Antunes. Trata-se de uma compilação de clichês congelados no tempo, como o de que a China atual levou “a superexploração da classe trabalhadora ao limite”.

Usando a Foxconn como exemplo, Antunes, no melhor estilo vandreano (“pelos campos há fome em grandes plantações”), afirma que os operários da empresa em Shenzhen (sul da China, ao lado de Hong Kong) “produzem aparelhos aos milhões e, em geral, nem imaginam como funciona a mercadoria produzida, levando o fetichismo maquínico à forma mais fantasmagórica”.

Não é bem assim. Ocorre que a repisada crítica sobre os baixos salários na China está cada vez mais desatualizada, ou pelo menos matizada, depois de sucessivos aumentos reais nos últimos anos, uma tendência nacional. Em Shenzhen, o salário mínimo subiu 15,9% no início do ano, mais de duas vezes acima da inflação. Agora é de 1.500 yuan (US$ 237), significativamente acima do valor citado por Antunes (900 yuan). Shenzhen, aliás, tem o maior salário mínimo da China e já o havia aumentado em 20% no ano passado.

É pouco, claro, mas não tanto, já que a China é um país com custo de vida relativamente barato. Numa breve comparação com o Brasil: o salário mínimo tupiniquim é R$ 622 (US$ 305), e o modelo mais barato do iPhone, produzido pela Foxconn, custa R$ 1.999 (US$ 975). Ou seja, é preciso 3,2 meses de salários para comprar um.

Na China, o iPhone básico sai por 4.988 yuan (US$ 788), ou seja, 3,3 meses de salário em Shenzhen. A diferença é mínima (o custo da ligação na China é muito menor, mas isso é outra história).

A poucos metros de um dos portões principais da Foxconn, há uma grande loja autorizada da Apple. O iPhone, claro, tem um preço proibitivo para a maioria dos funcionários. Mas vários com quem conversei  usavam um confiável HTC, espécie de genérico da Apple, com tela sensível e outras funções bem parecidas.

Obviamente, há salários baixos em regiões mais pobres, e as condições de trabalho são muitas vezes degradantes, incluindo a Foxconn (reportagem mnha aqui, para assinantes). Mas isso está mudando, tanto que muitas fábricas de mão de obra barata estão deixando a China rumo a Vietnã, Bangladesh e outros lugares. Reforçar apenas a crítica da “superexploração” é uma enorme simplificação, ainda mais quando se trata de um universo de cerca de 750 milhões de trabalhadores.

Antunes dá a impressão de que nunca pisou em Shenzhen ao chamá-la equivocadamente de Província, embora se trate de uma importante e moderna cidade de 13 milhões, mundialmente famosa por ter sido o berço das reformas econômicas iniciadas por Deng Xiaoping. Mal comparando, é como dizer que Manaus é um Estado.

Já o outro artigo, “Aprendendo com os asiáticos” (aqui, para assinantes), do reitor da UFMG, Célio Diniz, e do coordenador da Capes Geraldo Nunes, acerta ao dizer que a Ásia precisa de uma abordagem “objetiva e urgente” por parte do Brasil.

Mas, novamente, há uma redução da realidade. Não dá para falar de um “sistema acadêmico universitário de excelência” submetido a um regime autoritário. Basta lembrar que o Prêmio Nobel da Paz, Liu Xiaobo, único vencedor desse prêmio encarcerado em todo o mundo, é um professor de literatura universitário e cumpre pena de 11 anos por suas ideias.

Nem mesmo a elite do Partido Comunista vê suas universidades com olhos tão bons e envia seus filhos ao exterior logo na graduação. É o caso da filha de Xi Jinping, que neste ano deve ser confirmado como a liderança máxima do país. Ela está em Harvard (EUA). Até o filho de Bo Xilai, o conservador líder neomaoísta recém-expurgado,  foi para o Reino Unido ainda no ensino médio e nunca mais voltou.

O artigo menciona ainda que a Capes (com muito, mas muito atraso) negocia a implantação do programa “Ciência sem Fronteiras”, para trazer pós-graduandos em bolsas-sanduíche, como já existem para a Europa e para os EUA.

Acho um erro conceitual. O formato da bolsa não permite um período de aprendizado do mandarim, que leva pelo menos dois anos. Com isso, o brasileiros que eventualmente quiserem vir à China estarão limitados aos programas em inglês e interagirão principalmente com outros estrangeiros. Ou seja, estudarão na China, mas não necessariamente estudarão a China. Pela distância geográfica e cultural, é preciso um programa à parte e com mais recursos, que o gesso burocrático brasileiro dificilmente permitirá.

Outro equívoco é a aposta das universidades brasileiras em atrair os controvertidos Institutos Confúcios, financiados pelo governo chinês para o ensino da língua e da cultura chinesa. A UFMG, do reitor Diniz, é uma delas (está ainda em negociação).

O dinheiro é tentador, mas se trata de uma tentativa de Pequim de aumentar seu “soft power”, cujos objetivos propagandísticos são conflitantes com o mundo universitário. Dentro, são vários temas vetados. Não espere discutir ali os escritos de Liu Xiaobo.

Não se trata de proibir os institutos, pelo contrário. Sou partidário de que sejam tratados como centros culturais, assim como os de outros países _Aliança Francesa, Goethe, Cervantes_, mas não agraciados com status universitário.

Em alguns países, institutos mais antigos aos poucos tentam se converter numa espécie de centros de estudos chineses, gerando atritos, pois é uma iniciativa que claramente não tem os mesmo princípios de universidades de países democráticos. No caso brasileiro, há o agravante de que o país não tem (nem terá a médio prazo) um corpo docente capacitado sobre a China e a Ásia. E em terra de cego…

Aí voltamos ao primeiro artigo: é esse ambiente de indigência que estimula Antunes e outros tantos a escrever sobre a China sem nunca tê-la pesquisado com profundidade. Nos EUA ou no Reino Unido, nenhum professor universitário teria coragem de assinar um texto sobre relações trabalhistas chinesas sem um mínimo de especialização.

É preciso vir à China e investir tempo aqui para estudá-la. Vista de perto, não é nem uma enorme fábrica devoradora de trabalhadores nem a nova superpotência a um passo de dominar o mundo.

O título do artigo é uma referência a Monteiro Lobato.

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O enigma da China

Por Vista Chinesa
23/05/12 10:17

Charge do jornal estatal "China Daily" ironiza críticas do Ocidente contra a "ameaça chinesa"

Por José Carlos Martins, do Rio de Janeiro

No meu artigo anterior, abordei a questão da emergência da China como potência econômica e sua eventual inapetência para exercer um poder hegemônico sobre o mundo, a exemplo de ingleses e americanos. Neste, quero dar continuidade ao mesmo tema tentando inferir e discutir com os leitores a forma como as lideranças chinesas encaram essa questão.

Apesar de uma série de conflitos fronteiriços e da constante desconfiança de seus vizinhos, a China sempre exerceu sua hegemonia imperial sobre seu povo, muito mais do que sobre os países limítrofes ou nações mais distantes. Excetuando o pequeno intervalo republicano entre 1912 e 1937, a China sempre esteve sob um forte poder central, seja das suas várias dinastias de imperadores, a autoridade máxima sob os céus, seja, mais recentemente, sob a onipotência do Partido Comunista.

Basta ler um pouco de sua história para ver isso com nitidez. Um poder central forte e hegemônico internamente e certa passividade em relação ao exterior!

Essa falta de apetite hegemônico não impediu conflitos no passado com japoneses, coreanos, vietnamitas, indianos e até mesmo com antiga União Soviética. Recentemente, vimos algumas altercações e demonstrações de força em relação aos filipinos por questões territoriais.

O Império do Meio sempre se bastou, e suas incursões em relação a seus vizinhos sempre foram justificadas por razões históricas em áreas de litígio ou por razões de defesa. Com um país de dimensões continentais e uma grande população, os chineses jamais tiveram na sua história passada e recente a inspiração para exercer seu poder além de suas fronteiras.

A não ser por um curto período após a Revolução Comunista, quando tentavam exportar a sua ideologia e o seu modelo econômico, os chineses nunca tiveram uma política de estender sua organização social sobre outros países ou mesmo conquistar colônias ou expandir o modo de vida chinês. A geopolítica chinesa se contém em seu território e na sua área de influencia muito mais por questão de defesa do que por belicismo ou ocupação de território de outros.
Muito pelo contrário, foram invadidos e dominados pelos mongóis, pelos ingleses, por outras potências ocidentais e também pelo Japão, logo após a curta experiência republicana que se seguiu à queda da dinastia Qing, em 1912.

A Muralha da China é o maior exemplo da geopolítica chinesa! Foi feita para proteger o país contra invasores e preservar as rotas do comércio da seda e especiarias.
A Inglaterra, um pequeno país com pequena população, usou diretamente seu poderio tecnológico e militar que lhe foi assegurado pela paternidade da Revolução Industrial para abrir mercados e conquistar colônias e consolidar seu poder econômico muito além de suas fronteiras.

Já uma ex-colônia como os Estados Unidos, que ousou desafiar e vencer o colonialismo britânico, veio a utilizar mais recentemente seu poderio econômico, militar e tecnológico de forma indireta e dissuasiva para estender seu sistema econômico e consolidar sua hegemonia e seu meio de vida sobre grande parte da população mundial. Formalmente diferente, fundamentalmente igual!

De certa forma, as hegemonias britânica e americana têm a mesma raiz anglo-saxônica e as mesmas características econômicas, cuja origem se encontra na grande Reforma de Martinho Lutero e Calvino, no século 16. Talvez por essa razão histórica, o império britânico cedeu pacificamente sua hegemonia aos americanos e conviveram até como aliados em grandes enfrentamentos até os dias atuais, incluindo Iraque e Afeganistão.
Quando os alemães por duas vezes questionaram essa hegemonia anglo-saxônica, as duas nações e se alinharam. Posteriormente, quando uma nova potência militar, baseada em nova ideologia e sistema econômico, ousou desafiar o império anglo-saxão, mais uma vez a América e o Reino Unido se aliaram e venceram via corrida armamentista o enfrentamento do novo poder contestador, no caso a extinta União Soviética.

Os chineses são extremamente pragmáticos e têm uma leitura muito atenta da história alicerçada por uma cultura de mais de 5.000 anos.

Do ponto de vista histórico, todos os países que tentaram enfrentar o poder dominante não foram bem-sucedidos. De uma maneira geral, um poder substitui outro mais por exaustão de um do que pela supremacia do outro. Foi assim com o império romano e com o império macedônico como também o foi com o império inglês. Na própria história da China, há muitos casos semelhantes.

Assim, por que desafiar o poder dominante e tentar estabelecer uma hegemonia? Todos que tentaram desafiar o poder hegemônico no auge de sua hegemonia fracassaram, e os chineses não pretendem incorrer nesse erro.

A ascensão econômica é a maior garantia de poder hegemônico, e a China ainda tem muito a caminhar até atingir uma condição de adotar uma política hegemônica mais ativa. Nem alemães nem japoneses nem russos conseguiram isso, pois suas economias não estavam ainda preparadas para enfrentar o poder dominante. A China sabe disso e também sabe esperar!

Modelos econômicos e sociais alternativos como o imperialismo japonês, o nazismo alemão e o comunismo soviético desafiaram o poder hegemônico norte-americano, sem sucesso. Mas o capitalismo americano substituiu e deu continuidade ao imperialismo britânico baseado no mesmo modelo econômico, social e de padrões de consumo.

Se analisarmos atentamente o desenvolvimento chinês, à exceção da questão política e social, ele cada vez se assemelha mais ao americano, seja na pujante economia de mercado seja nos hábitos de consumo cada vez mais ocidentalizados.

A China desde há muito não exporta mais a revolução e nem mesmo ideologia. A não ser pela hegemonia do Partido Comunista internamente, não há exemplos concretos de tentativa dos chineses em exercer sua hegemonia além das suas fronteiras atuais ou daquelas que acreditam lhes pertencer pela história.

Uma nação continental com mais de 9 milhões de km2 de extensão, com mais de um bilhão de habitantes, com uma economia dinâmica e em constante crescimento, os chineses não precisam desafiar o poder estabelecido. É só uma questão de tempo para assumirem essa hegemonia sem precisar desafiar o ainda imbatível poder americano.

A posição de perfil baixo e conciliatória dos chineses é muito mais uma opção baseada no pragmatismo e no conhecimento da história pelas suas lideranças que sabem que não há necessidade de contestação, basta trabalhar internamente para manter o crescimento e deixar o tempo passar para retomar a posição de liderança econômica que a China sempre ostentou até ser vítima do expansionismo hegemônico britânico no século 19. Uma questão de paciência, e nisso os chineses são mestres.

A hegemonia interna do partido dentro das fronteiras chinesas é o que importa. Os chineses somente se verão tentados a exercer sua supremacia externamente se a hegemonia do partido estiver ameaçada internamente.

A construção de uma “sociedade harmoniosa” e mais igualitária sob a liderança do Partido Comunista é a grande prioridade do governo chinês. Para que isso ocorra, é necessário que a economia chinesa continue a crescer e a se desenvolver cada vez mais parecida às economias ocidentais, mas com características “chinesas”. A hegemonia do partido em termos de direção e planejamento é parte central dessas características “chinesas”. Todo o resto pode ser adaptado e reformado à semelhança do poder hegemônico de agora.

Não há nenhuma necessidade de ameaçar outros países na medida em que o acesso dos produtos chineses a outros mercados continuem abertos e que matérias-primas e alimentos continuem chegando à China permitindo seu desenvolvimento e a construção de sua “sociedade harmoniosa” sob direção do Partido Comunista.

Mas o extraordinário crescimento chinês e a emergência do seu poderio econômico acabaram exacerbando preocupações não somente nos seus países vizinhos como em todos os cantos do mundo, com muitos tentando imputar a China culpa pelos seus males internos.

A China está atenta e preocupada com essa tendência e procura de todas as formas minimizar seu sucesso econômico e exaltar os benefícios que seu crescimento trouxe para o mundo. Acredito que a emergência de uma China hegemônica será muito mais consequência de um processo natural da exaustão do modelo de crescimento ocidental do que por uma política hegemônica mais ativa dos chineses.

Em discurso feito em 2009, o virtual novo presidente da China, Xi Jinping, que deverá ser empossado ao final deste ano, se manifestou sobre essa tendência em vilificar a China e o seu crescimento de forma bastante direta e objetiva: “Há muitos estrangeiros de barrigas cheias e nada melhor a fazer do que ficar culpando a China (pelos seus problemas). Primeiro, a China não exporta revolução; segundo, a China não exporta fome nem pobreza; e terceiro, a China não fica perdendo tempo com assuntos dos outros”.

Nada melhor do que as palavras do novo presidente para exemplificar a filosofia do governo chinês. Hegemonia interna do Partido Comunista é o fundamental. O resto virá com o tempo! E o resto não é o fundamental!

José Carlos Martins, economista, é diretor de Ferrosos e Estratégia da Vale. Sua coluna é publicada a cada 14 dias, às quartas-feiras.
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Lippi e a vaidade do esporte chinês

Por Vista Chinesa
22/05/12 16:57

Lippi orienta durante vitória do Guangzhou Evergrande. De costas, o atacante brasileiro Cleo (EFE/20.mai.2012).

Por Zhou Zhiwei, de Pequim

No dia 17 de abril, o clube de futebol chinês Evergrande, do argentino Darío Conca, anunciou repentinamente que contrataria o técnico italiano Marcello Lippi por três anos. Com o apelido de “Silver Fox” (raposa prateada), Lippi liderou a equipe italiana na vitória da Copa do Mundo de 2006 e o clube Juventus na conquista de cinco Campeonatos Italianos e de uma Liga dos Campeões. Até o carismático José Mourinho, do Real Madrid, não se compara com Silver Fox, pois o português não comandou um time nacional.

No entanto, no ranking de times nacionais feito pela Fifa em abril deste ano, o lugar da China é o 66º, a melhor colocação nos últimos seis anos. Há muito tempo que “sair da Ásia, jogar para o mundo” tem sido o objetivo do futebol chinês. Contudo, desde a fundação do time de futebol masculino, em 1924, a única vez que o time nacional apareceu numa Copa foi em 2002.

Naquele momento, a China ficou em penúltimo lugar entre os 32 times, com três derrotas consecutivas e nove gols sofridos. O Brasil, que ficou no mesmo grupo que o time chinês, mostrou a grande diferença com quatro lindos gols. Resultado: 4 a 0.

Depois de 2002, a seleção masculina não passou mais das eliminatórias asiáticas. Em novembro de 2011, o time chinês perdeu para o time iraquiano, um país em sofrimento pela guerra. O técnico espanhol José Camacho não realizou o seu compromisso de “liderar o time chinês a entrar na Copa do Mundo 2014 no Brasil”, e a China se despediu bem cedo.

Nos últimos 20 anos, a seleção nacional chinesa e os clubes têm contratado técnicos com reputação mundial, como Klaus Schlappner, Bobby Houghton, Bora Milutinovic, Arie Haan, Oscar Tabarez, Muricy Ramalho e Sebastião Lazaroni. No entanto, infelizmente, o futebol chinês virou o “Waterloo” para esses técnicos. Os fãs chineses esperam que o espanhol Camacho e o recém-chegado Lippi sejam a salvação para o futebol chinês, realizando o sonho bonito de “sair da Ásia, jogar para o mundo”. Contudo, segundo levantamentos na internet nestes últimos dias, os fãs chineses não estão positivos com Lippi e a sua “missão chinesa”.

Esta combinação descoordenada entre o técnico estrangeiro de alto nível e a habilidade verdadeira do futebol chinês revela dois fenômenos. O primeiro é que não falta dinheiro. Segundo a mídia chinesa, Camacho ganha R$ 7,3 milhões por ano. Se adicionarmos ainda o salário do assistente de Camacho, o total chega R$ 11,8 milhões.

Como novo técnico do Evergrande, Lippi até ganha mais. Segundo relatos da imprensa, sua comissão técnica ganha aproximadamente R$ 31,4 milhões por ano, dos quais R$ 26,1 milhões só para Lippi. Tal remuneração é comparável à de Mourinho, que está com o salário de técnico mais alto no futebol mundial.

Em termos de salários a técnicos estrangeiros, a China tem batido seu próprio recorde muitas vezes. Mesmo que todos tenham expressado que vieram “não pelo dinheiro, mas para melhorar a habilidade de futebol chinês”, a tentação é o salário que “só existe no paraíso”.

Sobre o objetivo de “melhorar a habilidade do futebol chinês”, isso depende de como os chineses entendem a palavra “melhorar”. Para o futebol chinês, fora dos primeiros 60 do mundo, nem Deus acredita que o time chinês consiga ficar entre os dez primeiros times ou até ganhar a Copa no tempo de um contrato de 2 a 3 anos.

O segundo fenômeno é a vaidade do futebol chinês (até do esporte chinês). O “rei do futebol”, Brasil, venceu cinco vezes a Copa do Mundo. A experiência brasileira explica as relações entre a cultura de futebol e a habilidade de futebol de um país. Num país como a China, que tem 1.3 bilhão de habitantes, só 50 mil jovens chineses se registraram como praticantes de futebol em 2011, um décimo do Japão. A base de jogadores talentosos é fraca.

Na China, não se sente o ambiente de futebol como no Brasil, na Itália, na Alemanha ou na Argentina. A pesada carga de estudos e a pressão para achar trabalho num mercado com competição intensa faz muitos jovens chineses passarem mais tempo nos estudos, em vez de gastar tempo em esporte. Depois de conhecer o “pool” de jogadores talentosos, é fácil entender o motivo pelo qual o futebol chinês não tem feito uma grande diferença com uma base populacional tão grande.

Sendo assim, por que a Associação de Futebol da China não abandona os objetivos irrealistas e aproveita melhor dinheiro dos contribuintes chineses usado para contratar técnicos?Acho que o problema fundamental é que a China espera ser um país forte nos esportes, com um status de esporte compatível com a própria força política, econômica e militar. Contudo muitas pessoas entendem muito bem que o número de medalhas olímpicas não significa um país forte em esporte.

Eu passei um ano no Brasil. Posso dizer que na China, mesmo com o segundo lugar no ranking dos Jogos Olímpicos de Pequim, é menos comum praticar esporte entre os cidadãos em comparação com o Brasil, que ficou apenas em 23º. lugar.

Os Jogos Olímpicos de Londres estão chegando. A propaganda olímpica nas mídias chinesas fica mais intensa. Pode-se prever que a China terá uma “colheita” em termos de número de medalhas olímpicas nos Jogos. Mas o que isso significa?Talvez só para satisfazer a nossa “vaidade de ser um grande país”.

Voltando para o futebol chinês, a escolha de Lippi pode ser uma sorte para Evergrande e para o futebol chinês. O desejo de “melhorar a habilidade de jogar futebol na China” de Camacho e de Lippi deve ser respeitado. Suas ideias avançadas de jogar futebol devem trazer mudanças no futebol chinês. Se eles conseguirem avançar o nível chinês de jogar futebol para o primeiro nível na Ásia, será possível dizer que eles cumpriram a meta e o contrato com salário farto. Mas, para a Associação de Futebol da China, o mais importante atualmente não deveria ser técnicos estrangeiros famosos (espero que a China não vá atrás do Mourinho).

Desejo que a China gaste mais tempo fortalecendo a formação de jogadores talentosos e construa uma cultura esportiva. Só assim o futebol chinês terá um futuro. Não se pode depender de técnicos estrangeiros.

Os técnicos que se frustraram na China encontraram os mesmos problemas, apesar das diferentes formas de ensino. Por isso, Camacho e Lippi possivelmente não conseguirão resolver os problemas não solucionados pelos seus antecessores. Parece que ambos têm uma “missão impossível”. Para eles, concluir o prazo de contrato é o objetivo mais prático.

Tradução de Sun Ningyi.

Zhou Zhiwei é especialista em Brasil do Instituto da América Latina da Academia Chinesa de Ciências Sociais e secretário-geral do Centro de Estudos Brasileiros. Foi pesquisador visitante de relações internacionais na USP e no BRICS Policy Center da PUC-RJ. As suas principais áreas incluem estudo sintético do Brasil, política externa, estratégia internacional do Brasil, relações bilaterais e integração latino-americana. Ele escreve a cada 14 dias.


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Costurando uma aliança asiática

Por Vista Chinesa
21/05/12 10:05

Premiês japonês, Yoshihiko Noda (à dir.), e chinês, Wen Jiabao (centro) e presidente sul-coreano, Lee Myung-bak , durante cúpula recente, em Pequim (Divulgação: 14.mai.2012).

Por Marcos Caramuru de Paiva, de Xangai

Quando a crise de 1997 estourou na Tailândia e na Coreia e ainda se imaginava que poderia ficar restrita a um número pequeno de economias, o Japão lançou a proposta de um fundo regional para socorrer os asiáticos com dificuldades de balanço de pagamentos. A Ásia resolveria intramuros os seus problemas e, com isso, fortaleceria os seus vínculos internos.

A proposta japonesa não decolou. Num período em que os rumos da economia mundial eram embalados pelo entusiasmo da globalização e havia confiança no papel do FMI e da OMC, segmentar a realidade internacional, mesmo que para tratar de uma situação que então se imaginava localizada, parecia uma idéia pouco atraente. Perigosa até, para países como os EUA, que não fariam concessões que resultassem em perda do seu poder de influência. Auxiliados por outros membros do então poderosíssimo G7, os americanos passaram a bombardear a idéia de uma Ásia com soluções próprias. E ganharam facilmente a batalha.

Os asiáticos, no entanto, parecem ter entendido que precisariam fazer mais para ajudar-se mutuamente. Em 1998, a Asean (foro que reúne os dez países do Sudeste Asiático) iniciou um esforço de articulação conjunta com os três vizinhos maiores do norte: Japão, China e Coreia do Sul. Tal esforço consolidou-se com o nome de Asean+3. Em seu âmbito, discutiram-se _e se discutem ainda_ vários projetos, inclusive a proposta japonesa de um mecanismo de apoio financeiro para situações de crise. O mecanismo foi criado em 2000 e é conhecido como iniciativa de Chiang Mai (cidade histórica tailandesa). Envolve hoje recursos da ordem de US$ 240 bilhões.

Passada a crise, recuperada a confiança, em 2005, por sugestão da Malásia, os dez membros da Asean resolveram convidar a China, o Japão e a Coréia para uma nova empreitada. Formar com eles um foro mais amplo de cooperação política e econômica: a chamada Comunidade do Leste da Ásia.

Supostamente a comunidade deveria refletir o nome, isto é, reunir países localizados na Ásia oriental. Mas uma iniciativa de integração numa área estrategicamente tão importante pareceu representar um desafio para a realidade internacional. As pressões de fora foram tantas para que a Comunidade admitisse membros geograficamente distantes, _e as posições de alguns integrantes da Asean tão sensíveis a tais pressões_ que se tornou inevitável abrir as portas. Assim, primeiro ingressou a Austrália, depois a Índia, e, mais recentemente, em novembro de 2011, entraram para a comunidade a Rússia e os Estados Unidos.

Os países da Asean, no entanto, enquanto ampliavam a composição da comunidade, parecem ter deliberadamente decidido esvaziar a sua substância. Passaram a propor agendas focadas em temas menores, de pouca relevância para a região e para o mundo. E, ainda hoje, sete anos depois de instalado o foro, declaram frequentemente que é apenas da Asean+3 a prerrogativa de decidir o rumo dos debates.

No início da semana passada, anunciou-se em Pequim um novo passo de concertação regional no Leste da Ásia. A China, o Japão e a Coréia decidiram começar a discutir um acordo de livre comércio e declararam que, mais adiante, pretendem estender o acordo aos vizinhos do sul.

A Asean já tem acordos individuais de comércio com a China, o Japão e a Coréia. Mas um esforço multilateral, que envolva a um só tempo todo o Leste Asiático, terá peso de muito maior dimensão. Ele se somaria à iniciativa de Chiang Mai e a outras já em estado avançado de debate, como a de criação de um mercado de bônus sem fronteira no Leste Asiático.

É cedo para qualquer avaliação. As conversas sequer se iniciaram. Mas será interessante acompanhar o desenrolar do tema.

O Leste Asiático, como nenhuma outra região, beneficiou-se de uma economia internacional aberta, com fluxos densos de capital e de comércio. Nos próximos dez anos, no entanto, enquanto a Europa e os Estados Unidos estiverem arrumando a casa, o cenário não será tão promissor para as suas exportações. Como a China e vários países ainda têm muito pela frente em termos de aumento do consumo interno, a idéia de uma região mais voltada para dentro faz todo sentido.

Acordos comerciais não são fáceis de formular. Além disso, no longo prazo esbarram em problemas relacionados com o equilíbrio da competitividade dos membros. Tampouco é fácil administrá-los.

Mas o Leste Asiático dará um passo de peso se conseguir, de forma equilibrada, criar uma área de livre circulação de bens e fomentar ainda mais o comércio intra-regional e a integração de investimentos. Esse passo, sim, poderá ter um impacto imprevisível na ordem econômica mundial, sem que qualquer país de fora da região possa pressionar para que ele não se consolide.

Marcos Caramuru de Paiva, diplomata, é sócio e gestor da KEMU Consultoria, com sede em Xangai, e vive há oito anos no Leste Asiático. Foi cônsul-geral do Brasil em Xangai, embaixador na Malásia, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e diretor-executivo do Banco Mundial, em Washington. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias.

 

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É necessário reviver o “Massacre de Nanquim”?

Por Vista Chinesa
20/05/12 12:03

Memorial das Vítimas do Massacre de Nanquim pelos Invasores Japoneses, em Nanquim, leste chinês. (fotos Eric Vanden Bussche/Arquivo Pessoal - 13.mai.2012).

Por Eric Vanden Bussche, de Nanquim

Em 13 de dezembro de 1937, tropas japonesas invadiram Nanquim, então a capital da China republicana, deixando um rastro de destruição. Nas seis semanas que se seguiram, dezenas de milhares de mulheres foram estupradas e, segundo estimativas dos chineses, até 300 mil civis perderam as suas vidas.

Os chineses atualmente comparam esse episódio ao Holocausto. Para manter viva a memória das atrocidades, o governo ergueu o “Memorial das Vítimas do Massacre de Nanquim pelos Invasores Japoneses” numa vala onde soldados japoneses despejaram mais de uma dezena de milhares de corpos.

Trata-se de um monumento macabro. Construído em 1985 e ampliado na década passada, uma rápida passagem pelo local é suficiente para deixar qualquer um deprimido. Mesmo assim, milhares de turistas chineses visitam o local a cada ano.

O memorial _que ocupa uma área de aproximadamente 28 mil metros quadrados_ faz o possível para recriar o ambiente vivenciado pelas vítimas. Na entrada, os visitantes são saudados por uma estátua gigantesca de uma mulher desesperada segurando o corpo de uma criança morta. É possível passear pela vala com os esqueletos dos mortos, ao som de uma música ambiente mais apropriada para um filme de terror. Uma exibição histórica, completa com efeitos multimídia e documentários, mostra detalhadamente o sofrimento dos habitantes da cidade nas mão dos japoneses. Alguns relatos dos sobreviventes são de embrulhar o estômago. Uma idosa conta que só escapou porque conseguiu se esconder debaixo dos corpos mutilados de seus familiares.

A memória desse episódio serve para alimentar o crescente sentimento antijaponês entre a população e se tornou um espinho nas relações entre ambos os países. Entretanto a hostilidade chinesa ao Japão é um fenômeno recente que teve início apenas nos anos 1980.

Durante a era maoísta (1949-1976), o sentimento antijaponês ainda não havia contagiado a população chinesa. Poucos sabiam das atrocidades cometidas pelos japoneses, pois os livros didáticos não entravam em detalhes sobre o assunto. A memória dos horrores da invasão japonesa se encontrava viva apenas entre as comunidades que a haviam testemunhado.

Quando a China e o Japão reestabeleceram relações em 1972, o então primeiro-ministro chinês, Zhou Enlai, se esforçou para que a história não interferisse no estreitamento dos laços entre ambos os países. Pragmático, Zhou enxergava os ganhos econômicos e geopolíticos de uma aliança com o Japão e por isso achava melhor enterrar o passado. Ele também não insistiu na reivindicação chinesa pelas ilhas Diaoyu (conhecida como Senkaku pelos japoneses), cuja soberania era e continua sendo disputada com o Japão. Aliás, até o final da década de 1980, ambos os países extraíam petróleo nas proximidades das ilhas, sempre tomando cuidado para deixar a disputa política de lado.

Mas a situação mudou com a ascensão de Deng Xiaoping ao poder no final dos anos 70. Deng decidiu reverter os esforços de Zhou e abrir novamente as feridas históricas da ocupação japonesa. Essa mudança, porém, não foi ocasionada por um redirecionamento dos eixos da política externa do país, mas por disputas dentro do Partido Comunista Chinês (PCC).

Assim que tomou as rédeas do poder, Deng percebeu a necessidade de formular uma nova ideologia que permitiria obter apoio para as transformações em curso no país. Deng precisava apaziguar as facções conservadores contrárias às reformas econômicas e a resistência de certos setores da sociedade que passaram a sofrer com a alta da inflação e do desemprego. Foi nesse contexto que o nacionalismo passou a substituir a ideologia marxista da era maoísta.

A história se tornou um poderoso instrumento na difusão do nacionalismo. Todos os chineses passaram a aprender que a derrota do império Qing para os ingleses na Guerra do Ópio (1839-1842) marcara o início da Idade Moderna. O conflito inaugurara o “Século de Humilhação,” marcado pela agressão estrangeira. Durante esse período, a China assistira ao colapso de sua última dinastia imperial e a partilha de seu território por potências imperialistas européias e o Japão.

De acordo com essa narrativa histórica, o país apenas recuperou a sua soberania com a revolução comunista de 1949 e, a partir da abertura econômica no final dos anos 70, passou a trilhar um caminho sob a liderança do PCC que permitiria a sua ascensão como potência mundial. Trata-se  da essência da ideologia nacionalista propagada pelo Estado chinês.

Embora a China tenha sofrido nas mãos dos imperialistas europeus durante o “Século de Humilhação”, o Japão aparece como o maior vilão da história por dois motivos. Primeiro, as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial ainda estão frescas na cabeça dos chineses que viveram naquele período e foram amplamente documentadas, facilitando a construção de uma memória coletiva sobre o episódio. Segundo, ambos são potências que competem no âmbito regional. A disputa pela soberania das ilhas Diaoyu é apenas uma das várias questões espinhosas nas complexas relação bilaterais.

Nesse sentido, o memorial de Nanquim é um símbolo dessa nova ideologia nacionalista chinesa. Se por um lado essa narrativa histórica permitiu ao PCC fomentar o patriotismo (aiguozhuyi) entre a sua população, por outro produziu efeitos colaterais. O aumento do sentimento antijaponês entre a população pode forçar Pequim a ter de adotar uma posição mais agressiva do que gostaria em relação a Tóquio. Talvez esteja na hora de o governo se perguntar se exagerou um pouco na dose durante o processo de construção de uma memória coletiva do “Massacre de Nanquim.”

Eric Vanden Bussche é especialista em China moderna e contemporânea da Universidade Stanford (EUA). Possui mais de uma década de experiência na China. Foi professor visitante de relações Brasil-China na Universidade de Pequim e pesquisador do Instituto de História Moderna da Academia Sinica, em Taiwan. Suas áreas de pesquisa incluem nacionalismo, questões étnicas e delimitação de fronteiras da China. Sua coluna é publicada às sextas-feiras.

 

 

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Âncora de TV estatal defende que China se livre de “lixo estrangeiro”

Por Vista Chinesa
19/05/12 10:20

Fabiano Maisonnave, de Pequim

A renovada disputa marítima com as Filipinas, a participação americana no caso Chen Guangcheng e, principalmente, um vídeo viral (cenas fortes)  de uma suposta tentativa de estupro de uma chinesa por um britânico estão inflamando sentimentos nacionalistas e xenófobos na China, um fênomeno cíclico. Nesta semana, o weibo (Twitter chinês) registrou milhares de comentários pedindo uma “limpeza” de estrangeiros pelo país.

Num cenário assim, o que esperar de uma personalidade como Yang Rui, 40, âncora de um programa chamado “Diálogo”, da poderosa rede estatal CCTV, transmitido em inglês e especializado em entrevistar estrangeiros?

Muita coisa, menos o que fez: jogar lenha na fogueira.

Nesta sexta-feira (18), Yang usou seu microblog para acusar estrangeiros de quase tudo: seduzir mulheres chinesas para espionar, tráfico humano, roubar dinheiro e trabalho dos chineses.  Para piorar, ainda chamou de “puta estrangeira” a jornalista da Al Jazeera em inglês Melissa Chan, cidadã norte-americana recém-expulsa do país após cinco anos e várias reportagens fortes, como mostrar a existência de cadeias clandestinas.

Eis o post completo:

“O Escritório de Segurança Pública quer limpar o lixo estrangeiro: prender bandidos estrangeiros e proteger garotas inocentes. Eles precisam se concentrar nas zonas de desastre em Wudaokou [região estudantil] e em Sanlitun [área boêmia]. Cortem as cabeças de cobra estrangeiras. As pessoas que não podem encontrar empregos nos EUA e na Europa vêm à China agarrar nosso dinheiro, se envolver em tráfico humano e espalhar mentiras para incentivar a emigração. Espiões estrangeiros buscam meninas chinesas para mascarar sua espionagem e fingir ser turistas enquanto compilam mapas e informação de GPA para Japão, Coreia do Sul e o Ocidente. Nós chutamos pra fora aquela puta estrangeira e fechamos o escritório de Pequim da Al Jazeera. Deveríamos fechar todos os que demonizam a China e mandá-los empacotar.”

O mesmo jornalista que escreveu isso já entrevistou personalidades como os ex-presidentes Bill Clinton e Jimmy Carter. O canal onde trabalha, a CCTV em inglês, talvez seja o maior esforço do governo chinês para aumentar seu “soft power”.

Poderosa por ter o Estado atrás, a CCTV entrevista praticamente quem quer. Para inveja de muitos meios de comunicação brasileiros, já conseguiu duas exclusivas com a presidente Dilma Rousseff. No ano passado, o chanceler Antonio Patriota visitou as novas instalações da empresa em São Paulo, sua base para a América Latina.

Em uma frase que ficou famosa, Yang disse, em 2008: “Muitas vezes, eu recordo a mim mesmo de que não apenas estou falando por mim mesmo, sou o porta-voz para um país”. A pergunta que a CCTV ainda não respondeu é se o manterá nessa função. Caso fique, será bem mais difícil conseguir entrevistados.

PS: em fevereiro do ano passado, a CCTV me convidou a participar do programa de Yang para falar sobre as relações Brasil-China. (Bem) aconselhado por um colega, recusei.

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